Os desafios de lidar com pacientes que se autodiagnosticam pela internet
Frequentemente, pacientes chegam às consultas médicas dizendo: “Acho que tenho tal condição/doença”. O fácil acesso às ferramentas de busca e às mídias sociais por meio da internet facilita a pesquisa por patologias ou condições de saúde.
Esse comportamento pode resultar em um processo de identificação que, eventualmente, leva o paciente a questionar se possui o mesmo diagnóstico. No entanto, a qualidade das informações disponíveis é extremamente variada, indo desde opiniões de leigos até materiais sérios e embasados.
O paciente nem sempre consegue diferenciar a veracidade dessas fontes, chegando ao consultório já autodiagnosticado pela internet e exigindo exames ou tratamentos específicos. Esse fenômeno tem ocorrido com frequência na área de saúde mental, por exemplo.
Saúde mental e seus diagnósticos
Um artigo publicado pela Agência Universitária de Notícias da USP, em 2023, cita uma pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF), realizada com o Datafolha, que destaca que adolescentes e adultos jovens (até 24 anos) representam a maior parcela dos interessados em buscar diagnósticos na internet. Outra matéria, publicada na revista Exame em 2018, menciona um estudo do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), que afirma que pouco mais de 40% da população realiza autodiagnósticos com base em informações encontradas online.
Na área de saúde mental, observa-se que a população mais jovem parece buscar nos autodiagnósticos algo que ajude a se definir no mundo, explicar sua individualidade, moldar um conceito de identidade e, além disso, usufruir da sensação de pertencimento a um grupo ou comunidade de pessoas com características semelhantes.
No entanto, indivíduos leigos correm o risco de interpretar traços de personalidade ou características individuais como determinantes para autodiagnosticarem-se (por exemplo, timidez ou dificuldade de socialização). Claramente, esses indivíduos também desconsideram diagnósticos diferenciais que não lhes ocorrem por desconhecimento ou por se tratarem de doenças menos “populares” na internet.
Ainda assim, chama a atenção o grau de interesse por condições que podem ser graves, incapacitantes ou que possuem elevado potencial para causar sofrimento. Não raro, esse aspecto é ignorado por muitos que se autodiagnosticam, preferindo destacar os benefícios de conhecer os aspectos que mais lhes interessam e acreditando que o diagnóstico pode conferir certo glamour.
Com isso, por diversos motivos, os diagnósticos podem estar equivocados e/ou promover uma forma disfuncional de lidar com questões típicas da vida cotidiana. Nessas situações, o autodiagnóstico pode ser equivocado, e uma possível consequência seria uma menor disposição para tentar trabalhar essas características, já que o paciente pode entendê-las como um critério essencial e imutável do diagnóstico.
Supervalorização dos sintomas
Outro ponto que os médicos devem considerar ao atender esses pacientes é a tendência, mesmo que de forma não intencional ou consciente, de supervalorizar os sintomas para se encaixar em um diagnóstico. Eventualmente, também é possível encontrar pacientes que simulam sintomas em busca de algum benefício com o diagnóstico. Esse benefício pode estar relacionado a questões psíquicas (como o desejo de pertencer a um grupo), materiais (como obter um benefício financeiro) ou para se eximir das consequências de algum ato cometido.
No contexto dos transtornos mentais, o diagnóstico correto frequentemente é desafiador, cercado por diagnósticos diferenciais, pela presença de comorbidades ou por automedicação inadequada, que pode induzir ao erro. Por vezes, o diagnóstico correto só se revela mediante um acompanhamento longitudinal do caso, o que demanda tempo, paciência e confiança – aspectos que nem sempre são valorizados em um mundo de conexões e respostas rápidas.
Em relação às consequências, um dos perigos do autodiagnóstico envolve a pressão por medicar características individuais ao invés de tratar a condição ou transtorno propriamente dito. Isso segue em paralelo com uma tendência de banalizar os diagnósticos.
Leia mais: Sete em cada dez pacientes recebem informações falsas de diagnósticos na internet
Automedicação
É importante destacar que a decisão pelo uso de medicações deve considerar a relação custo-benefício para o paciente. Outro ponto crítico é o risco da automedicação. Segundo a matéria da Agência da USP, a mesma pesquisa do CFF com o Datafolha destacou que 77% da população se automedica.
A automedicação oferece riscos, como a possibilidade de intoxicação, reações adversas ou interações perigosas com outras substâncias. Esses pacientes também aumentam a pressão sobre os serviços de saúde, o que pode deslocar pacientes com necessidades mais urgentes de atendimento.
Lidar com esses pacientes no consultório é um desafio, justamente porque muitos buscam tais diagnósticos por necessidades diversas. Não raro, pode haver resistência à sugestão de que não possuem a condição em questão. Dependendo do caso, isso pode se voltar contra o médico, que corre o risco de ter sua capacidade diagnóstica questionada. Por isso, é essencial uma investigação clínica prudente e cautelosa.
O médico deve se proteger buscando precisão diagnóstica e fornecendo educação sobre a doença ou condição, o que permite maiores esclarecimentos aos pacientes e seus familiares. Uma abordagem eficaz é indicar conteúdos ou materiais confiáveis de informação.
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