No dia 13 de agosto, celebramos o Dia do Psiquiatra — uma data que convida a reconhecer o trabalho desses profissionais que transitam diariamente pelos territórios mais complexos da existência humana: o sofrimento psíquico, os vínculos, a dor que não se vê.
Vínculo com o paciente
A psiquiatria é uma especialidade que se faz na escuta, na paciência e na delicadeza. Mas também na ciência, na crítica social e, principalmente, na presença.
“Foi o vínculo que me levou à psiquiatria”, conta a médica Julia Campos. “A possibilidade de acessar a intimidade das pessoas, de acompanhar suas histórias ao longo do tempo, de testemunhar suas transformações. Isso é muito precioso”. Para ela, foi a experiência de poder criar laços verdadeiros com os pacientes, e não apenas cuidar de sintomas, que tornou a escolha da especialidade inevitável. “Percebi que era isso que eu mais gostava na medicina: conversar, construir confiança, estar junto”.
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Já a médica Tayne Moreira trilhou um caminho diferente até a especialidade. “Sempre fui uma criança muito introspectiva e pensava em seguir na pesquisa. Mas um atendimento ainda na graduação mudou tudo”. Era uma paciente com pielonefrite, mas o que mais marcou foi a narrativa de vida, atravessada por pobreza e solidão. “Ali percebi a potência do encontro clínico: como o cuidado cria um espaço em que as pessoas se colocam por inteiro, até nas partes que preferem esconder”, diz. A partir desse episódio, Dra. Tayne decidiu dar uma chance à clínica, e, com o tempo, entendeu que era justamente o terreno das subjetividades o que mais a fascinava.
Psiquiatria, afinal, é escuta — mas é também transformação. O que encanta ambas as médicas é poder testemunhar o momento em que alguém consegue se aproximar de quem gostaria de ser. “Ver um paciente trilhar uma vida mais condizente com seus próprios desejos é profundamente tocante. E perceber que você, de algum modo, fez parte desse percurso é indescritível”, diz Dra. Tayne. Dra. Julia reforça: “Acompanhar a mudança acontecendo, pouco a pouco, é uma das maiores recompensas da nossa prática”.
Estigmas
Mas a psiquiatria também exige enfrentamento. O estigma ainda persiste, e muitas vezes se manifesta na recusa ao diagnóstico, à medicação ou até a ideia de que se trata de uma questão médica legítima. “Lido com isso por meio da escuta e da informação”, conta Dra. Julia. “A resistência costuma ter uma razão de ser. Às vezes é trauma, às vezes é preconceito mesmo. A partir daí, tento construir um novo olhar, consulta após consulta”.
Tayne vê o estigma como fruto do desconhecimento. “Se pensarmos os transtornos mentais menos como algo ‘fora da norma’ e mais como intensificações de experiências comuns a todos nós, fica mais fácil criar empatia”. Para ela, normalizar o sofrimento como parte da condição humana é o primeiro passo para combater o preconceito.
A pandemia trouxe novos contornos a esse cenário. O sofrimento se intensificou, a busca por ajuda cresceu e, com ela, também aumentaram as expectativas irreais de cura rápida. “Muitas vezes, o que a pessoa sente não é um transtorno, mas um sofrimento da vida — e nem sempre há uma solução imediata. Nosso papel é acolher, sustentar, abrir caminhos”, diz Dra. Julia. Ao mesmo tempo, Dra. Tayne lembra que a psiquiatria tem também um papel político. “É preciso desnaturalizar os sofrimentos produzidos pela lógica social excludente. A clínica deve ser espaço de elaboração e criação de novos modos de vida”.
Tecnologia
Tecnologia e ciência também seguem abrindo novas possibilidades. Se os avanços da neurociência e da psicofarmacologia ainda caminham a passos lentos na prática cotidiana, recursos como a telemedicina e os tratamentos neuromodulatórios vêm ganhando espaço. “A tecnologia pode ser uma aliada poderosa, desde que não substitua aquilo que é central: o vínculo humano”, afirma Dra. Julia.
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Para os que estão começando na especialidade, o recado das duas médicas é unânime: cuidem de si. “Façam terapia. Conheçam suas próprias vulnerabilidades. Psiquiatria é uma escolha que demanda muito do sujeito, e estar inteiro é condição para acolher o outro”, diz Tayne. Julia completa: “A especialidade é desafiadora, mas imensamente gratificante. Para permanecer vivo na profissão, é preciso se olhar com honestidade e afeto”.
Neste 13 de agosto, o convite é claro: que possamos celebrar os psiquiatras não apenas pela técnica, mas pela coragem de escutar o que muitas vezes o mundo não quer ouvir. Que eles continuem sendo abrigo, farol e travessia.
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