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Psiquiatria19 junho 2025

BRAIN 2025: O mundo virtual; oportunidades e riscos para a saúde mental 

No segundo dia do Congress on Brain, Behavior and Emotions, ocorreu uma mesa redonda sobre o mundo virtual, oportunidades e riscos para a saúde mental.  
Por Tayne Miranda

A Dra. Luciana Schermann Azambuja, mestre, doutora e pós-doutora pela PUCRS, membro do corpo clínico do Hospital São Lucas PUCRS e Neuropsicóloga Clínica no Centro Clínico da PUCRS abriu a discussão no segundo dia do Congress on Brain, Behavior and Emotions (BRAIN 2025) falando sobre jogos eletrônicos, desenvolvimento cognitivo e saúde mental. Luciana destacou que nos anos iniciais as janelas de desenvolvimento cognitivo, social e emocional dependem de interações humanas presenciais e o uso de tela / jogos eletrônicos acaba competindo com essas interações. O maior tempo de tela, por exemplo, esteve associado ao menor desenvolvimento de linguagem, ressaltando a importância de equilibrar o tempo de jogo com outras atividades sociais e educativas.  

No entanto, os jogos eletrônicos podem ter efeitos positivos quando bem indicados. São eles:  

  • Melhora da atenção (visual e seletiva) e memória de trabalho 
  • Aumento da capacidade de detectar estímulos rápidos e múltiplos 
  • Redução do tempo de reação e processamento mais ágil 
  • Mudanças rápidas de estratégia e adaptação a novos contextos 
  • Aperfeiçoamento da tomada de decisão

Para que as crianças e adolescentes possam desfrutar dos efeitos benéficos dos jogos eletrônicos é importante que a recomendação dos tipos de jogos esteja adequada para a idade e condizendo com a etapa do desenvolvimento cerebral infantil.  

TIPOS DE JOGOS FAIXA ETÁRIA PARA INÍCIO DE USO 
Educativos  4-6 anos 
Simulação 6-8 anos 
Cooperativos 6-8 anos 
Estratégia 10-12 anos 
Ação 12-16 anos 

Dessa forma, jogos eletrônicos, quando usados com moderação e propósito podem ser aliados no desenvolvimento cognitivo, estimulando funções como atenção, memória, tomada de decisão e flexibilidade mental. O impacto dos jogos sobre a saúde mental depende do tipo, da duração, do contexto e da supervisão e é importante não demonizar ou glorificar os jogos, mas de compreendê-los como ferramentas que podem ser tanto promotoras quanto prejudiciais de acordo com o uso. Diversidade de jogos, equilíbrio com atividades fora das telas e orientação adequada são fatores-chave para que os jogos contribuam positivamente para o desenvolvimento cognitivo.   

Solidão, redes sociais e a depressão na adolescência 

O Dr. Pedro Mario Pan Neto, psiquiatria, doutor e pos-doc pelo Departamento de Psiquiatra EPM-UNIFESP, onde atualmente é Professor Afiliado e orientador da pós-graduação, continuou a discussão entre solidão, redes sociais e depressão na adolescência.

Inicialmente o professor ressaltou dificuldade metodológicas de conduzir estudos e o cuidado que devemos ter para concluir que existe relações causais entre esses fatores. A primeira dificuldade diz respeito as formas de quantificar uso de redes sociais, uma vez que o autorrelato tende a subestimar o tempo de uso e as informações sobre tempo de uso fornecida pelos pais e adolescentes são muito discrepantes (os pais e adolescentes concordam mais no relato sobre uso de substâncias do que no relato de tempo de telas). Além disso, quando se usa a média do tempo de uso para associação com alguma questão de saúde mental estamos suscetíveis aos efeitos de outliers (aqueles que usam muito ou pouco) e a média pode ser puxada por pessoas que usam 10, 15 horas por dia.  

O professor trouxe um artigo publicado em maio de 2025 na JAMA Network, sobre o uso de mídias sociais e sintomas depressivos no início da adolescência, o qual não conseguiu mostrar associação entre esses elementos na média da população, mas evidenciou que o aumento no uso de mídias sociais dentro de uma mesma pessoa durante o início da adolescência foi prospectivamente associado a maiores sintomas depressivos 1 ano depois, enquanto os sintomas depressivos não foram associados ao uso posterior de mídias sociais. No que diz respeito a solidão, Pedro mostrou como tipicamente ela é associada como um marcador de mortalidade, muitas vezes entendido como um marcador causal, mas em um estudo controlando inúmeras variáveis confundidoras, a causalidade não se mantinha.   

Na conclusão da sua palestra, o professor ressaltou mais uma vez a dificuldade em estabelecer relações causais com fatores de riscos novos como uso de tela, pelos inúmeros fatores confundidores envolvidos, salientando que precisamos ter cuidado com as conclusões que tomamos (e exemplificou com as recomendações sobre tempo de uso de tela que aparece em algumas diretrizes, mas possuem evidências empíricas frágeis).   

BRAIN 2025: O mundo virtual; oportunidades e riscos para a saúde mental 

Imagem de stocksnap/pixabay

Os prós e contras do uso de telas por crianças no espectro autista   

A última apresentação foi conduzida pela Dra. Renata Kieling, professora adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da UFRGS. Sua explanação começou ressaltando que ao falar de TEA estamos falando de crianças muito diferentes em relação a gravidade de sintomas e quadro clínico, o que implica relações distintas com a tecnologia, o que perpassa por uma questão contextual, para além do diagnóstico do transtorno. Logo é difícil pensar em recomendações que sejam generalizáveis para todas as situações clínicas. É necessário sempre pensar quais as possibilidades que a criança tem para além do uso de tela, o que muitas vezes é atravessado por condições socioeconômicas, questões ligadas a parentalidade e influência do ambiente, para então pensar que tipo de função a tela está ocupando na vida daquela criança. Nem todas as crianças possuem acesso a um ambiente comportamental rico, intervenções terapêuticas e uma dinâmica familiar saudável.  

Dito isso, as telas oferecem um ambiente mais agradável e confortável para crianças com TEA, mas seu uso as coloca em algumas situações de vulnerabilidade. Elas podem ter um conhecimento técnico bem desenvolvido sobre tecnologia, mas ao mesmo tempo um entendimento social do uso de telas pobre, não dominando questões como privacidade de dados, comparação com outras crianças e apelo ao consumismo. Além disso, por conta da dificuldade de autorregulação, elas acabam expostas a um maior tempo de uso.  

No entanto, como pontuado nas apresentações precedentes, há também benefícios do uso das tecnologias digitais, como desenvolvimento de amigos que a criança com TEA teria dificuldade de realizar presencialmente, o uso de jogos como ponto de contato com demais crianças que elas tipicamente não têm em outros contextos (graças ao ambiente estruturado, pouca interação interpessoal do jogo) e com a família (muitas vezes as famílias têm dificuldade em brincar com essas crianças e os jogos são uma oportunidade de compartilhar momentos positivos).  

Leia também: Uso de tablet na primeira infância e explosões de raiva

Além disso, as telas podem ser usadas como ferramentas terapêuticas como na comunicação aumentativa e alternativa (conjunto de estratégias e recursos que auxiliam pessoas com dificuldades na comunicação verbal a expressar suas necessidades, pensamentos e emoções) e na videomodelagem.  

Próximo ao final da palestra, a professora trouxe os achados de um estudo publicado ontem (18/06) na revista JAMA, no qual 31,3% dos adolescentes americanos apresentaram trajetórias crescentes de uso de mídias sociais e o uso crescente das mídias sociais esteve associado ao aumento de risco de comportamentos ou ideação suicida. Como conclusão, ela salientou a importância de monitorar a presença de oposição exagerada às tentativas de interromper ou limitar o tempo de tela, a interferência no sono, nas tarefas escolares ou nas interações sociais presenciais, as emoções negativas após interações online ou jogos, a substituição do brincar físico ou social por tempo em telas.   

Mensagem Final: o virtual e a saúde mental  

As três apresentações reforçaram que o impacto do mundo virtual na saúde mental é complexo e multifacetado, dependendo do tipo de uso, da faixa etária, do contexto familiar e das características individuais. 

Confira os principais destaques da cobertura do BRAIN 2025!

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