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Terapia Intensiva11 outubro 2025

Vasopressores em veia periférica no choque séptico: prática segura?

Estudo revela que o uso de vasopressores por via periférica no choque séptico é seguro e agiliza o tratamento. Entenda os achados!
Por André Japiassú

Usar vasopressores implica no paciente ter um acesso venoso central, porque o extravasamento desta medicação pode causar lesões cutâneas graves e necrose tecidual. Este racional permeou a obrigatoriedade de punção profunda em quase todos os pacientes graves com choque há algumas décadas. O próprio médico intensivista sempre espera que o uso de drogas como noradrenalina seja em veia central de praxe (e estranha quando isto acontece em veia periférica). Mas esta lógica tem alguns problemas de logística, como o procedimento de punção venosa profunda – que deve ser asséptica e cuidadosa e não deve ser realizada com pressa – além de que nem todos os médicos que atendem o paciente grave tem hábito ou habilidade para o procedimento em setores do hospital fora da UTI. 

Veja também: Uso de metadona para desmame de ventilação mecânica em pacientes críticos

vasopressores

O pacote de medidas para a sepse, elaborado a partir de 2018 em Nova Iorque, e preconizado pela Surviving Sepsis Campaign em 2021, tem cinco componentes: 

1. Coletar hemoculturas; 

2. Coletar e checar nível sérico de lactato; 

3. Iniciar antibióticos em até 1 hora da abertura de protocolo; 

4. Fazer reposição de líquidos (preferencialmente cristaloides) nesta 1a hora; 

5. E avaliar uso de vasopressor (ex. noradrenalina) também na 1a hora de abrir o protocolo, principalmente se a pressão arterial média está menor que 50 mmHg. 

Portanto, este último componente do pacote implica em usar vasopressor mais precocemente, com objetivo de minimizar o tempo de hipotensão e perfusão tecidual. Detalhe: raramente é possível puncionar um acesso venoso profundo imediatamente e o que se tem disponível “de cara” são acessos venosos periféricos. A recomendação geral é de trocar a via periférica pela central para uso de vasopressor em até 6 horas. 

Estudos retro e prospectivos foram realizados para avaliar a administração periférica de vasopressores e há recomendações gerais para este uso, como localização do acesso acima do cotovelo, acessos mais calibrosos e uso de vasopressor em acesso exclusivo (Kalinoski et al, 2024). 

O estudo de Munroe e colaboradores visou avaliar o uso de aminas vasoativas em acesso venoso periférico, a partir de um outro estudo clínico multicêntrico: Crystalloid Liberal vs Early Vasopressors in Sepsis (CLOVERS), cujo objetivo foi testar priorização da reposição volêmica versus uso mais precoce de vasopressores no choque séptico (não houve diferença de mortalidade em 90 dias). 

Métodos 

Foi realizada uma análise secundária do estudo CLOVERS, de forma observacional, separando a via de iniciação de vasopressores em pacientes com sepse e hipotensão. O período de inclusão foi entre 2018 e 2022, em mais de 60 hospitais americanos. Os autores anotaram se o paciente recebia vasopressor por acesso venoso periférico  primariamente e também se era mantido por esta via ou trocava para acesso profundo até o 3o dia.

O objetivo primário foi a mortalidade em 90 dias; secundariamente a mortalidade até 3 dias, uso de ventilação em 28 dias, dias livres de ventilação, terapia renal substitutiva e tempo de permanência em UTI também foram comparados entre quem usou exclusivamente acesso periférico versus central. O tempo até início de vasopressores e o volume infundido em 6 e 24 horas foram anotados. 

Resultados 

Dos 1563 pacientes, 750 (48%) receberam tratamento com vasopressores nas primeiras 24 horas após inclusão no trabalho. Porém 133 pacientes já estavam previamente com acesso profundo e 35 pacientes tinham acesso, mas não se tinha certeza se era periférico ou central – portanto 582 pacientes foram incluídos. 

A primeira informação que surpreende é que 84% dos pacientes começaram a receber vasopressor perifericamente, enquanto 16% começaram por via central. (Este foi resultado do incentivo ao início rápido de tratamento no estudo CLOVERS, e pode ter enviesado os números.) Cento e cinquenta e sete pacientes (27%) trocaram o acesso periférico por central durante as primeiras 6 horas. Mas 333 pacientes mantiveram vasopressor por via periférica além de 6 horas, e destes, 73 tiveram acesso profundo no intervalo de 3 dias. No final das contas, 249 pacientes (43%) só receberam vasopressores por acesso venoso periférico. Ou seja, quase metade dos pacientes hipotensos tratados não tiveram acesso venoso profundo – isto é ruim? Não necessariamente. 

Houve 3 pacientes com complicação de extravasamento de vasopressor por via periférica: nenhum com necessidade de intervenção urgente nem necrose ou ulceração cutânea. Paralelamente, 14 pacientes com acesso profundo tiveram complicações no procedimento da punção, como arritmias, hematomas e trombose venosa (0,6% versus 3,7%). 

Notou-se também que a “cultura” do lugar de estudo para via de início de vasopressores também influenciou a escolha do acesso periférico ou profundo: variou entre 46% a 98%. Entre outras variáveis, somente o escore SOFA menor era mais associado ao uso de acesso periférico; outras variáveis fisiológicas foram semelhantes entre os grupos de periférico versus profundo. 

Quando o vasopressor foi iniciado por veia periférica, o tempo para seu início foi mais rápido (menos 2 horas) e houve menor reposição de líquidos (redução de quase 700 ml). Não houve diferença na mortalidade em 3 ou 90 dias, nem no uso de suportes (como ventilação mecânica e hemodiálise). De cada 3 pacientes que usaram inicialmente acesso periférico para vasopressores, 2 pacientes mantiveram esta conduta para além de 6 horas, fato que variou muito entre os centros do estudo (de 18% a 82%). 

O único fator associado com menor uso de acesso periférico para vasopressores foi o maior nível sérico de lactato; quanto maior o valor deste, maior a chance de troca para acesso central. 

O grupo de pacientes que recebeu vasopressor apenas por acesso periférico era menos grave, usou doses menores de noradrenalina, recebeu menor quantidade de líquidos e teve menor frequência de uso de um segundo vasopressor associado. 

Mensagens para o dia-a-dia 

  • O uso de vasopressores em acesso venoso periférico é possível, parece seguro e mais prático como medida inicial do tratamento da hipotensão ligada à sepse; 
  • Apesar da recomendação de transferir o vasopressor do acesso periférico para o central em até 6 horas, muitos pacientes permanecem sem acesso profundo e as complicações são ínfimas. 

Autoria

Foto de André Japiassú

André Japiassú

Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.

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