A analgesia em pacientes críticos sob ventilação mecânica (VM) continua sendo um desafio na prática. A dor, a hiperalgesia pelo uso de opioides e a assincronia paciente-ventilador contribuem para prolongar a ventilação e piorar desfechos. A metadona, um opioide sintético de ação prolongada, tem sido considerado como alternativa para controle da dor, prevenção de tolerância e manejo da síndrome de abstinência em UTI. Embora seja amplamente utilizado em contexto cirúrgico e em transtorno por uso de opioides, sua aplicação em pacientes sob VM permanece pouco explorada.
Racional para uso de metadona
O racional para seu uso baseia-se em suas propriedades farmacológicas: além de ser um agonista opioide, a metadona possui ação antagonista sobre receptores NMDA e inibe a recaptação de serotonina, o que pode ajudar a evitar a hiperalgesia induzida por opioides e sintomas de abstinência durante o desmame.
Estudos randomizados e observacionais indicam que a introdução de metadona enteral durante o processo de desmame pode reduzir o tempo necessário para interromper infusões de opioides intravenosos e acelerar o desmame da ventilação mecânica, com aumento nos dias livres de VM.
Em pacientes que receberam infusão contínua de fentanil por mais de cinco dias, a substituição por metadona enteral resultou em maior probabilidade de extubação precoce e redução significativa do tempo de desmame ventilatório, sem aumento de eventos adversos graves. A eficácia para controle de sintomas de abstinência em adultos foi incerta, sem melhora consistente em escores como RASS ou COWS.
O uso da metadona em pacientes críticos requer cautela devido à sua farmacocinética variável, podendo ocorrer prolongamento do intervalo QTc (pouco frequente e normalmente não ultrapassa níveis críticos, >500 ms) e potencial para superdosagem, especialmente em presença de inibidores do citocromo P450 ou distúrbios eletrolíticos. O monitoramento rigoroso do ECG e dos níveis de consciência é recomendado durante sua administração.
Não houve diferença consistente em delirium, tempo de internação ou incidência de pneumonia associada à VM.
Infelizmente, a maioria dos estudos teve tamanho amostral pequeno e heterogeneidade de intervenções, tornando a qualidade das evidências baixa.
Considerações práticas para a UTI:
- O metadona não deve ser usado rotineiramente em todos os pacientes ventilados, mas pode ser considerado em subgrupos específicos, como aqueles com uso prolongado de fentanil ou risco de abstinência.
- É fundamental o monitoramento rigoroso do intervalo QT e ajuste de dose para evitar hipersedação ou falha de desmame.
- Há necessidade de ensaios clínicos multicêntricos e bem desenhados para definir seu papel definitivo na analgesia e sedação de pacientes críticos.
Em resumo, a metadona pode ser considerada uma opção eficaz para facilitar o desmame de opioides e da ventilação mecânica em pacientes críticos, desde que utilizada em protocolos bem definidos e com monitorização adequada dos riscos.
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