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Terapia Intensiva6 julho 2025

Tempo é cérebro: princípios do atendimento à hemorragia intracraniana

O manejo inicial da hemorragia intracraniana deve priorizar TC rápida, avaliação laboratorial e reversão da anticoagulação, além do controle rigoroso da PA
Por Julia Vargas

A hemorragia intracerebral (HIC) espontânea representa 10–15% dos AVCs, com mortalidade de até 40% em 30 dias e baixa taxa de independência funcional após um ano. Apesar dos avanços no AVC isquêmico, a HIC permanece subtratada pela ausência de protocolos padronizados. O Code-ICH, um protocolo estruturado baseado em bundles com foco em intervenções padronizadas e métricas temporais bem definidas, foi proposto com foco em minimizar a expansão do hematoma e melhorar desfechos funcionais. 

A expansão do hematoma ocorre nas primeiras 3 horas e está associada a piores desfechos. O manejo inicial deve priorizar TC rápida, avaliação laboratorial e reversão da anticoagulação, além do controle rigoroso da PA. 

Saiba mais: Cirurgia mínima invasiva no tratamento de hemorragia intracraniana supratentorial

Metodologia  

As principais medidas iniciais, baseadas no consenso atual e nas diretrizes internacionais, incluem: 

  1. Neuroimagem urgente
  • Realizar tomografia computadorizada de crânio sem contraste para confirmar o diagnóstico, avaliar o volume e a localização do hematoma, além de descartar outras causas e identificar complicações como hidrocefalia ou herniação. 

2. Prevenção e manejo de hipertensão intracraniana (HICr) 

  • Elevar a cabeceira a 30°, manter normovolemia, normoglicemia e normotermia. Considerar medidas adicionais como sedação, osmoterapia (manitol ou solução salina hipertônica) e, em casos selecionados, drenagem ventricular externa. 
  1. Redução agressiva e precoce da pressão arterial sistólica (PAS)
  • A maioria da expansão hematoma ocorre nas primeiras 2–3 horas. 
  • Recomenda-se alvo de PAS em torno de 140 mmHg, evitando reduções excessivas e rápidas. Sustentar por 24 horas. Evitar queda abrupta (>60 mmHg). 
  • Deve ser iniciado em até 30 min do atendimento e atingir alvo em até 60 min. 
  • Evidências do INTERACT-3 (Lancet, 2023) e outras mostram melhora de desfechos com controle precoce e sustentado com redução da incapacidade em 6 meses. 
  • Para pacientes com pressão arterial sistólica (PAS) >220 mmHg, recomenda-se infusão intravenosa contínua de anti-hipertensivos e monitorização rigorosa. 
  • A magnitude ideal de redução da PAS nas primeiras 2 horas parece ser de 55–85 mmHg, equilibrando benefício funcional e risco de lesão renal aguda. 
  1. Reversão rápida da anticoagulação
  • A HIC associada a anticoagulantes (AAICH) tem piores desfechos e maior mortalidade. 
  • O estudo INCH demonstrou menor expansão hematoma com normalização rápida do INR. 
  • Meta: Iniciar em até 30 minutos da chegada. 
  • Uso de agentes específicos: idarucizumabe para dabigatrana, andexanet para inibidores do fator Xa, ou complexo protrombínico quando não disponível. 
  • Tempo-dependente; atrasos impactam negativamente os desfechos. 
  1. Intervenção cirúrgica precoce
  • A cirurgia minimamente invasiva (CMI), como demonstrado no MISTIE III (Lancet,2019) e em estudos subsequentes, reduz mortalidade e melhora desfechos funcionais se realizada precocemente (<24h) e com volume residual de hematoma <15 mL. 
  • A avaliação neurocirúrgica deve ocorrer idealmente em até 60 minutos após a chegada. 
  • Indicações para consulta: HIC supratentorial >20 mL, hematomas cerebelares, obstrução ventricular / HIC com hidrocefalia, Glasgow <14, idade biológica com mRS basal ≤2. 
  1. Controle glicêmico
  • Objetivo: 110–140 mg/dL (não diabéticos) ou 140–180 mg/dL (diabéticos), evitando hipoglicemia. 
  • A hiperglicemia está associada a maior mortalidade e edema perilesional e a hipoglicemia pode agravar dano neurológico. 
  • Meta: manter glicemia na faixa-alvo em ≥90% das medições nas primeiras 72h. 
  1. Controle de temperatura
  • Temperatura >37,5 °C deve ser tratada com antipiréticos com meta de normotermia em até 1h. 
  • Monitoramento a cada 4h por 7 dias é recomendado. 
  • Hipertemia se associa a expansão hematoma e pior prognóstico. 

Conclusão 

O Code-ICH redefine o manejo da HIC como uma emergência tratável e tempo-dependente, oferecendo uma abordagem estruturada, baseada em bundles de cuidado e evidências robustas. A adoção sistemática desse modelo tem potencial de melhorar significativamente a recuperação funcional e reduzir mortalidade e combater desigualdades no cuidado. 

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Referências bibliográficas

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