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Neurologia29 abril 2024

Cirurgia mínima invasiva no tratamento de hemorragia intracraniana supratentorial

Esse ano, é publicado o ensaio clínico ENRICH pelo New England Journal of Medicine, que estuda a intervenção cirúrgica.
Por Danielle Calil

O tratamento de hemorragias intracranianas espontâneas apresenta, segundo as diretrizes, terapia majoritariamente clínica, exceto por craniectomia descompressiva que é a única intervenção cirúrgica para remoção do sangramento como medida ‘salvadora de vida’.  

Até então, os ensaios clínicos de intervenção cirúrgicas para tais hemorragias não mostraram benefício de desfecho funcional. O ensaio clínico MISTIE-III, publicado em 2019 na Lancet, consistindo em intervenção com remoção baseada em cateter com administração de trombolítico (alteplase) não demonstrou melhora em desfecho funcional após um ano. 

Esse ano, é publicado o ensaio clínico ENRICH pelo New England Journal of Medicine, que estuda a intervenção cirúrgica através da técnica de evacuação de hemorragia por meio de técnica parafascicular trans-sulcal minimamente invasiva comparado ao manejo já utilizado nos guidelines atuais.

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Imagem de peoplecreations no Freepik

Métodos 

O ENRICH trial foi ensaio clínico prospectivo, multicêntrico e randomizado. Embora tenha sido estudo patrocinado, os autores da publicação descrevem que o patrocinador não teve envolvimento na elaboração dos métodos desse ensaio clínico. 

Os critérios de inclusão consistiram em: participantes entre 18 a 80 anos com neuroimagem evidenciando hemorragia intracraniana aguda supratentorial espontânea com volume entre 30 e 80 ml; Escala de Coma de Glasgow entre 5 a 15; Escala NIHSS acima de 5; Escala de Rankin antes desse evento cerebrovascular entre 0 e 1. É importante enfatizar que foram elegíveis apenas participantes cuja cirurgia tenha sido iniciada dentro de 24 horas após a última vez “visto bem”. 

Foram excluídos participantes com história de coagulopatia; em uso de anticoagulantes; hemorragia intraventricular acometendo mais de 50% do ventrículo lateral; hemorragia infratentorial ou primariamente talâmica ou qualquer causa secundária de hemorragia intracerebral. 

Os participantes foram divididos, de forma randomizada em dois grupos: intervenção (cirurgia parafascicular trans-sulcal minimamente invasiva com terapia guiada por guidelines) versus controle (terapia guiada por guidelines). Nesse ensaio clínico, não houve crossover de grupo controle para grupo cirúrgico; entretanto, craniectomia descompressiva poderia ser performada caso indicada para participantes de ambos os grupos segundo recomendações já consolidadas em diretrizes. 

O desfecho primário proposto no estudo foi avaliação da escala de Rankin ponderada pela utilidade em 180 dias. Diversos desfechos secundários foram avaliados, como: ressangramento pós-operatório associado com deterioração neurológica (definido como aumento de 4 pontos na escala NIHSS ou perda acima de 2 pontos na Escala de Coma de Glasgow); tempo de internação em hospital e em UTI; mudança na escala de Rankin em 7, 30, 90 e 180 dias; alteração do volume do hematoma após cirurgia; sobrevida geral após 180 dias. Já o desfecho de segurança foi óbito em 30 dias e mudança do volume do hematoma no follow-up realizado com neuroimagem. 

Resultados 

Entre dezembro de 2016 e agosto de 2022, foram inicialmente elegíveis 11603 participantes. Após avaliação dos critérios de estudo, 300 participantes foram submetidos à randomização para o ensaio clínico, sendo 150 para grupo intervenção e 150 para grupo controle. A mediana de tempo para a terapia após o ictus cerebrovascular foi de 12.8 horas para o grupo intervenção e 12.9 horas para grupo controle. A avaliação do desfecho primário foi obtida em 95.3% da amostra, sendo avaliado em 147 indivíduos do grupo intervenção e 139 do grupo controle. 

Na avaliação do desfecho primário, a média de escore da escala de Rankin ponderada pela utilidade, em 180 dias, foi de 0.458 para o grupo intervenção e 0.374 para o controle. A diferença entre os grupos foi de 0.084 (IC 95% 0.005-0.163) em que a probabilidade de superioridade posterior (0.981) excedeu o limiar pré-especificado de 0.975 para considerar superioridade para terapia de intervenção cirúrgica. 

Quanto ao desfecho de segurança, óbito em 30 dias ocorreu em 9.3% do grupo intervenção e 18% do grupo controle. A presença de pelo menos um evento adverso foi encontrada em 95 participantes (63.3%) do grupo intervenção em que 5 apresentaram ressangramento pós-operatório com deterioração neurológica, enquanto eventos adversos ocorreram em 78.7% do grupo controle.

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Comentários 

Nesse ensaio clínico envolvendo pacientes com hemorragia intracerebral supratentorial aguda, houve benefício funcional após 180 dias para realização de cirurgia minimamente invasiva dentro de 24 horas associada ao manejo clínico padrão baseado em diretrizes comparado ao controle (manejo clínico apenas). Essa intervenção aparentou ser segura, visto que óbito em 30 dias ocorreu menos nos pacientes do grupo cirúrgico ao comparar com controle. Além disso, presença de edema cerebral e crises epilépticas também foram menos comuns no grupo intervenção ao comparar com o controle. 

É importante descrever suas limitações. O estudo ENRICH foi um trial aberto e excluiu participantes com hemorragias intracerebrais menores do que 30ml ou maiores do que 80ml, além de não ter contemplado hemorragias mais profundas como talâmicas ou com hemorragia intraventricular extensa; portanto, os resultados desse ensaio clínico não podem ser generalizados para qualquer tipo de hemorragia intracraniana aguda. 

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Referências bibliográficas

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