A interação de médicos e mais profissionais de UTI à distância é mais comum atualmente, principalmente após a pandemia de Covid-19. Cerca de 20% dos leitos de UTI nos Estados Unidos usam a telemedicina ativamente, com diversos modelos. Teoricamente, equipes de tele-UTI são complementares ou mesmo protagonistas em locais distantes dos grandes centros, ou mesmo nas periferias de grandes cidades americanas. No meio da década passada, vários países tentaram reproduzir modelos de tele-UTI “24 por 7” (ou seja de assistência contínua) ou intermitente ao redor do mundo.
Dois grandes estudos randomizados recentes, no entanto, tiveram resultados decepcionantes. O primeiro estudo foi alemão, contando com 20 “clusters” de UTIs de duas cidades alemãs, nas quais a intervenção era implementar uma série de protocolos e diretrizes de aumento de qualidade relacionadas aos cuidados de pacientes em ventilação mecânica, sedação e analgesia, suporte nutricional, mobilização precoce, manejo de infecções e comunicação com famílias (ERIC study, Spies et al, 2023). Houve grande sucesso na implementação de qualidade (acima de 90% de aderência aos protocolos), mas isso não se traduziu em melhora dos desfechos de tempo de permanência ou mortalidade.
O segundo estudo clínico randomizado foi brasileiro, com 30 centros: mesmo com treinamento de diretrizes e protocolos de qualidade semelhantes ao estudo alemão, também não houve redução de tempo ou mortalidade nas UTIs da intervenção com “rounds” diários com equipe remota de tele-UTI, comparadas com cuidados usuais sem apoio da telemedicina (TELESCOPE study, Pereira et al, JAMA 2024).
O grande problema destes estudos é que talvez a observação não tenha sido longa o suficiente para alterar desfechos “duros” como mortalidade. E talvez o foco destes estudos não tenha sido o mais assertivo: o doente grave precisa sim de cuidados protocolares, mas a intervenção local de procedimentos e cuidados de equipe de enfermagem e fisioterapia é fundamental – orientações remotas podem ser secundárias nestes casos. No entanto, pacientes menos graves ou mesmo aqueles de rápida passagem para monitoração podem ser os mais influenciados por times de tele-UTI, porque estão mais sujeitos a protocolos de cuidados “standard” e podem ter permanência reduzida em UTI. Outro aspecto é que o entrosamento entre equipes locais e remotas podem demorar a acontecer, como dizem: “dar liga”. Os períodos de observação dos estudos foi de 2 a 3 anos, mas houve uma pandemia no meio do TELESCOPE por exemplo. Por isto, ainda pode ser precoce cravar o papel exato da telemedicina nas UTIs.
Veja também: A telemedicina 2.0: uma nova era na saúde digital
Os dois autores deste recente artigo de opinião (Spies e Ranzani, 2025) integraram as equipes dos dois estudos acima, e traçaram um paralelo entre os modelos possíveis de UTI, com suas características e as chaves para aumentar a eficiência de cada um (veja Tabela abaixo).
Modelos de Tele-UTI |
Peças-chave para eficiência |
Cobertura contínua – “24 por 7”
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Intensivistas sábios e experientes |
Cobertura intermitente, com rondas diárias ou programadas
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Medidas baseadas em qualidade e protocolos implementados |
Suporte sob demanda
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Integração de dados em tempo real |
Sistemas de recursos mais limitados
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Confiança entre equipes locais e remotas, dividindo decisões |
Limitação noturna de Equipe / Especialistas
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Suporte da liderança da UTI física local |
Os esquemas de tele-UTI com mais chance de sucesso reúnem algumas características. A primeira delas é a qualificação dos intensivistas remotos – profissionais certificados, experientes e com a prática afiada do dia-a-dia, além de conhecimento das medidas baseadas em evidências de literatura (relacionadas à ventilação mecânica, sepse, insuficiência renal, choque, monitorização hemodinâmica, infecções e neurointensivismo). O segundo ponto é que a qualidade dos intensivistas remotos só vai ser eficiente se as informações e decisões foram passadas de maneira estruturada e clara – a documentação é essencial e deve estar presente no prontuário do paciente. Em seguida, outro ponto-chave é que as equipes remotas e locais devem estar entrosadas, apresentar empatia e principalmente que as orientações do time à distância devem ser avaliadas e aceitas, refletindo confiança mútua. Sem falar na barreira de estrutura e parque tecnológico, que as UTIs podem ser muito heterogêneas e terem resultados muito distintos.
Um ponto que pode ser controverso mas precisa ser falado é os programas com ações proativas da equipe remota da tele-UTI apresentam desfechos melhores que os esquemas que a equipe remota só dá opiniões e não decide as ações; ou seja, a tele-UTI precisa estar ativa e dar empoderamento ao time que fica remoto. Isto pode desagradar inicialmente a equipe local da UTI, que pode se sentir desmerecida ou diminuída. A meta-análise de Kalvelage e colaboradores (Crit Care Med 2021) mostrou redução relativa de 18% da mortalidade e de 0,6 dias de tempo de permanência no grupo de UTIs que a equipe remota de tele-UTI tinha poder de decisão.
Mensagens para o dia-a-dia:
- A telemedicina é útil para interação de equipes e implementação de cuidados aos pacientes graves que têm evidências sólidas, mas a influência no tempo de permanência ou na mortalidade é incerta;
- Cada UTI deve avaliar qual é o modelo mais compatível com seu time local e sua estrutura, e tirar o melhor proveito do time remoto, que deve ser experiente e hábil para passar as informações.
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