O protocolo de sepse deve ser iniciado o mais precoce possível, para que a primeira dose de antibiótico seja administrada dentro da primeira hora após sua abertura. Este processo foi avaliado de maneira clássica no ambiente hospitalar, mas cresce a expectativa que o atendimento pré-hospitalar também possa realizar o disparo do protocolo, inclusive com coleta de exames e antibioticoterapia. Estudo anterior realizado nos Estados Unidos (Peltan et al, Ann Am Thorac Soc 2018) já havia demonstrado que a administração de antibótico pode ser realizada no pré-hospitalar, embora não tenha focado em coleta de exames ou desfechos.
Objetivos e Metodologia
Os autores conduziram um estudo prospectivo controlado de intervenção pré-hospitalar com protocolo de sepse: coleta de hemoculturas e administração da primeira dose de 2 gramas de ceftriaxone. Foram incluídos pacientes com história sugestiva de infecção, pressão sistólica abaixo de 100 mmHg e escala de coma de Glasgow abaixo de 15 pontos. O estudo começou em março de 2018 e foi finalizado em agosto de 2023. Os paramédicos inseriram acesso venoso periférico e coletaram 2 amostras de hemoculturas. A administração de antibiótico foi randomizada na taxa 1:1. O desfecho principal foi o tempo entre a chegada na cena do atendimento e a primeira dose administrada de ceftriaxone.
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Resultados
Trinta e cinco pacientes foram incluídos no estudo, sendo 2 controles para cada paciente com intervenção. Houve “crossover” em 3 casos, sendo 2 pacientes no grupo intervenção que não receberam ceftriaxona e 1 paciente controle recebendo o antibiótico no pré-hospitalar. O grupo intervenção era um pouco mais grave, com maior número de comorbidades respiratórias, taquipnéia, maior nível de lactato sérico, maior número de atendimentos rurais e tempo de transporte; o grupo controle tinha idade maior. No entanto, o escore NEWS 2 (de avaliação de sinais vitais e oxigenação) foi igual entre os grupos (13 pontos), assim como a necessidade de admissão em UTI (43%).
As hemoculturas foram coletadas em 89% dos pacientes, com crescimento de bactérias em 13 dos 31 pacientes (42%); somente 3 pacientes tiveram hemoculturas com bactérias contaminantes. O tempo até a administração de ceftriaxona venosa foi de 42 minutos no grupo intervenção, enquanto foi 150 minutos (2,5 horas) no grupo controle – lembrando que o tempo de transporte foi em média de 34 a 48 minutos. A diferença, portanto, foi de 108 minutos, com intervalo de confiança de 95% entre 34 e 170 minutos.
Sepse foi confirmada em ⅔ dos pacientes (64%), sendo que todos estes pacientes tiveram hemoculturas coletadas no transporte pré-hospitalar. O tempo de permanência foi de 5,4 dias versus 4,3 dias nos grupos intervenção e controle, respectivamente, e a mortalidade foi de 28,6% nos 2 grupos.
Dentro de uma amostra pequena de pacientes com sepse, o atendimento pré-hospitalar se provou eficaz para coleta de hemoculturas e administração da primeira dose de antibiótico. O trabalho teve interrupções por conta da pandemia de Covid-19, e teve inclusão relativamente lenta (35 pacientes em 5 anos). Isto talvez seja explicado pelos fatores específicos de inclusão no estudo, que precisavam da evidência de infecção e duas disfunções orgânicas clínicas presentes – hipotensão e alteração de consciência. O tamanho amostral pequeno também não conseguiu demonstrar diferenças em desfechos “duros” como tempo de permanência e mortalidade, já que se tratou de estudo de viabilidade do processo de protocolo de sepse pré-hospitalar. Eu torço para que os autores continuem o estudo e ampliem a população a fim de testar se a intervenção melhore desfechos.
Mensagens para o dia-a-dia:
- Este estudo demonstrou que é possível iniciar o protocolo de sepse no período pré-hospitalar, com coleta de hemoculturas eficiente e administração de antibiótico prontamente (cerca de 1,5 hora antes que o antibiótico feito no hospital);
- Embora pareça uma vantagem temporal, o disparo do protocolo de sepse em ambulâncias ainda não mostra benefício em termos de mortalidade ou tempo de permanência, mas estudos maiores serão necessários para provar esta hipótese.
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