A etimologia da palavra sepse remonta ao termo grego sepo, que significa apodrecer ou tornar-se pútrido. A semântica funesta certamente é pertinente à descrição da síndrome, que é um desafio perene da prática médica mundial, conforme ratificado por dados epidemiológicos atuais:
- Prevalência anual: 50 milhões de casos
- Taxa de letalidade: 20% (com grandes disparidades globais)
- Causa imediata de uma a cada três mortes no ambiente hospitalar
A definição atual de sepse, proveniente do consenso Sepsis-3 (2016), suplantou o conceito de síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SRIS), e repousa agora na presença de disfunção orgânica aguda (sob a égide do delta SOFA ≥ 2 pontos), ameaçadora à vida e resultante de infecção, seja ela bacteriana, fúngica, viral ou parasitária.
Na edição de 05 de dezembro de 2024 do New England Journal of Medicine o tema foi, de forma justa, tema de mais um excelente artigo de revisão, entre tantos outros, redigido por Nuala Meyer e Hallie Prescott.
Os principais pontos abordados
Os principais focos infecciosos são o pulmonar (50%), abdominal (20%) e genitourinário (20%), seguidos por infecção de corrente sanguínea e cutânea.
Um terço de todos os casos diagnosticados como sepse, na verdade, não apresenta etiologia infecciosa real subjacente, o que demonstra a necessidade clara de sempre revisar o diagnóstico.
A taxa de detecção do patógeno não ultrapassa os 70%, mas tende a ampliar com a disponibilização de métodos de microbiologia mais modernos e com resultados mais rápidos, a exemplo dos sistemas automatizados (VITEK®), métodos de espectrometria (MALDI-TOF) e PCR multiplex.
Os principais microrganismos implicados na sepse são as bactérias gram negativas e gram positivas, seguida pelos fungos, com destaque para as espécies de Candida (entre as quais a temida C. auris), e pelos vírus (covid-19, dengue, influenza e CMV, entre outros). A sepse viral, diga-se de passagem, é mais comum entre as crianças do que entre os adultos, correspondendo como etiologia de um a cada cinco casos de sepse em UTIs pediátricas.
Os principais fatores de risco incluem os extremos de idade (< 5 anos e > 60 anos), imunossupressão, virulência e inóculo do patógeno, malignidades e doença renal crônica dialítica.
A fisiopatologia da sepse é complexa e pautada em processo inflamatório desregulado, concomitante à imunossupressão e lesão vascular. Nesse aspecto, há envolvimento de uma “tempestade citocínica” a partir da exposição a PAMPs/DAMPs (padrões moleculares associados a patógenos e a dano, respetivamente), com amplificação da mielopoiese e expansão de monócitos MS1, além de linfopenia e exaustão de linfócitos T CD8+ e transição do metabolismo energético da fosforilação oxidativa para a glicólise aeróbica. O dano endotelial medeia a formação de armadilhas endoteliais de neutrófilos (NETs), que por sua vez desencadeiam a ativação do complemento e consequente adesão plaquetária e trombose na microvasculatura.
A ressuscitação volêmica, a ser realizada preferencialmente com Ringer lactato, em conformidade com dados dos estudos SMART e BaSICS, deve ser individualizada, tendo-se como referência inicial a dose de 30 mL/kg, administradas em alíquotas de 250 a 350 mL. É válido ressaltar que a relação entre os desfechos clínicos e o volume de fluidos infundidos é em formato de U, de forma que tanto o exagero quanto a austeridade excessiva são potencialmente maléficos.
Após a expansão volêmica inicial, a persistência de hipotensão deve ser melhor esclarecida a partir de manobras de fluido-responsividade, como a análise da variação do débito cardíaco após pequenos volumes (4 mL/kg) ou manobra de elevação passiva dos membros inferiores. O RCT multicêntrico FRESH, publicado no Chest em 2020, elencou mais de 120 pacientes e demonstrou que esse refinamento de conduta se associou à redução da demanda por terapia renal substitutiva (5% vs. 17%, P = 0,04) e por ventilação mecânica invasiva (18% vs 34%, P = 0,04).
A meta de pressão arterial média ≥ 65 mmHg parece atender a maioria dos pacientes. Contudo, o “65 Trial”, publicado no JAMA em 2020 e que abarcou mais de 2.500 pacientes idosos (≥ 65 anos), demonstrou que o alvo entre 60 e 65 mmHg pode ser benéfico nessa faixa etária em termos de redução da exposição à terapia vasopressora e redução da mortalidade ajustada em 90 dias (OR 0,82, IC 95%: 0,68 a 0,98).
O estudo ANDROMEDA-SHOCK (2020), centrado em países da América Latina, demonstrou que guiar a ressuscitação não apenas por alvo de PAM, mas também por tempo de enchimento capilar, um dado de simples aquisição ao exame físico (embora dotado de grande variação entre observadores), se associou à redução numérica da mortalidade em relação ao direcionamento da ressuscitação tomando-se por base o lactato arterial (34,9% vs. 43,4%, P = 0,06).
No cenário do choque refratário, é um dado consistente na literatura que a associação de hidrocortisona (200 mg/dia) à terapia vasopressora combinada (noradrenalina + vasopressina) se associa à redução da duração do choque, tempo de ventilação mecânica e estadia em CTI. Entretanto, os dados relacionados à mortalidade seguem conflitantes, como os dicotômicos estudos ADRENAL e APROCCHSS, publicados em 2018 e 2019, respectivamente.
Um estudo observacional recente, publicado por Bosch e colaboradores no JAMA em 2023, apontou para o potencial benefício da adição de fludrocortisona à hidrocortisona, com redução da mortalidade ajustada (-3,7%, IC 95%: -4,2% a -3,1%, P < 0,001).
A disfunção cognitiva e prejuízo funcional são comuns após a recuperação de sepse: a taxa de prejuízo cognitivo se eleva de 6,1% para 16,7% do período pré-internação para a convalescência; um terço das crianças acometidas não gozam da mesma qualidade de vida no primeiro ano após o evento; 40% dos adultos persistem inaptos ao trabalho em 6 meses; e há aumento persistente da mortalidade geral entre os sobreviventes da sepse, mesmo com os devidos ajustes para as comorbidades.
A terapia alvo na sepse, pautada na recuperação da homeostase imunológica e modulação da resposta do hospedeiro, esbarra na grande heterogeneidade da síndrome, de forma que a definição de subtipos de sepse tende a selecionar grupos que possam se beneficiar de modo dessas estratégias terapêuticas no futuro.
Conclusão e mensagens práticas
A sepse é uma síndrome reconhecida desde os primórdios da medicina e que segue na dianteira enquanto mecanismo de óbito hospitalar.
A tendência é de aumento de sua prevalência, tendo em vista o envelhecimento populacional e a ampliação das possibilidades de terapia imunossupressora e dedicada à oncologia.
As medidas mais importantes incluem o seu pronto-reconhecimento, identificação do foco mais provável, antibioticoterapia precoce direcionada e as medidas suportivas.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.