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Terapia Intensiva29 agosto 2025

Plasmaférese terapêutica na sepse e choque séptico

Plasmaférese terapêutica surge como adjuvante promissor na sepse e choque séptico, mas ainda carece de evidências robustas.
Por Lavínia Barcellos

A sepse, definida como uma resposta inflamatória desregulada do hospedeiro frente à infecção capaz de gerar disfunção orgânica potencialmente fatal, representa uma das principais causas de mortalidade hospitalar em todo o mundo. Estima-se que ocorram aproximadamente 48,9 milhões de casos anuais de sepse, resultando em 11 milhões de óbitos, segundo dados do Global Burden of Disease. 

Apesar de avanços nos protocolos para reconhecimento precoce, ressuscitação volêmica, antibioticoterapia guiada e uso de drogas vasoativas, a letalidade da condição permanece elevada – cerca de 30% a 40% em unidades de terapia intensiva (UTI). 

As terapias extracorpóreas têm sido investigadas como adjuvantes na tentativa de modular a resposta inflamatória exacerbada. A plasmaférese terapêutica (TPE – therapeutic plasma exchange) surge como uma intervenção promissora, sendo um procedimento que associa a remoção de mediadores inflamatórios e toxinas circulantes à reposição de fatores plasmáticos essenciais, podendo contribuir para restauração da homeostase endotelial, equilíbrio imunológico e melhora hemodinâmica. 

Veja também: Anabolismo em sobreviventes de terapia intensiva

plasmaférese terapêutica

A plasmaférese no cenário da sepse 

Dentro da fisiopatologia da sepse a TPE atua de forma multimodal a partir de: 

1 – Remoção de citocinas pró-inflamatórias 

2 – Reposição de fatores de coagulação deficientes 

3 – Regulação da coagulopatia microangiopática associada à deficiência de ADAMTS13 

4 – Proteção endotelial decorrente da remoção de histonas extracelulares e outros elementos que podem perpetuar o dano vascular e causar um ciclo 

5 – Imunomodulação seletiva 

Ao observar esses mecanismos, há uma justificativa para que a TPE possa reduzir a mortalidade e melhorar os desfechos dos pacientes sépticos elegíveis ao procedimento. 

A TPE pode ser indicada nos seguintes casos:

  • Choque séptico refratário – tende a promover estabilização hemodinâmica precoce, reduzindo a necessidade de noradrenalina em até 40% nas primeiras 24-48h. 
  • Trombocitopenia associada à falência de múltiplos órgãos em pediatria, com redução da mortalidade em 20%. 
  • Sepse com coagulopatia microangiopática 
  • Sepse com falência hepática grave e colestase
     

O procedimento de TPE remove cerca de 1 a 1,5 volumes plasmáticos do paciente, com variação conforme sua gravidade clínica, e consiste na retirada do sangue por via extracorpórea, seguida por separação do plasma por centrifugação ou membranas de filtração e descarte deste plasma contendo mediadores inflamatórios, toxinas e imunocomplexos. Após, há reposição com plasma fresco congelado ou outras soluções, como albumina. 

Como possíveis complicações podemos ter eventos relacionados ao cateter venoso central, distúrbios metabólicos, reações transfusionais e infecções associadas ao plasma. A incidência de eventos adversos graves gira em torno de 1-2% dos procedimentos. 

Torna-se importante citar ainda as principais contraindicações do procedimento, descritas a saber: instabilidade hemodinâmica importante com choque irreversível, impossibilidade de acesso venoso seguro, alergia grave documentada ao plasma fresco congelado ou aos componentes de reposição. Eventos como coagulopatia grave não controlada, valores menores que 20.000 de plaquetas, insuficiência cardíaca grave e hipoalbuminemia acentuada são contraindicações relativas, porém, visto a evidências (discutidas posteriormente), podem ser questionadas no contexto clínico contra a realização do procedimento. 

Benefícios evidenciados na revisão narrativa 

A revisão de Wu et al. incluiu estudos retrospectivos, prospectivos e ensaios clínicos randomizados (RCTs) de pequeno porte. Temos como principais achados que corroboram o uso da TPE: 

> Redução da mortalidade em adultos: o RCT de Busund et al. (106 pacientes) mostrou redução de 20,5% na mortalidade em 28 dias no grupo TPE comparado ao tratamento padrão; 

> Benefício em pediatria: Fortenberry et al. relataram melhora de escore PELOD e redução significativa da mortalidade (cerca de 20%) em 28 dias; 

> Estudos retrospectivos em adultos indicam que a TPE pode reduzir mortalidade em até 15% a 25%, além de melhorar parâmetros hemodinâmicos; 

> Efeitos hemodinâmicos precoces: diminuição de doses de noradrenalina em poucas horas após sessão de TPE, com redução do lactato sérico e aumento da resistência vascular sistêmica. 

Divergências de literatura 

Apesar dos resultados encorajadores, persistem limitações importantes a serem observadas como a heterogeneidade dos estudos, amostras pequenas, tempos variáveis para início do TPE, dificuldade da seleção dos pacientes, ausência de protocolos e maioria dos dados advirem de estudos observacionais. Dessa forma, há uma dificuldade na recomendação do método para adaptação em diretrizes como a Surviving Sepsis Campaign. 

Em outros estudos recentes, como o EXCHANGE-2 trial (fase protocolo já publicada), observou-se que o TPE adjuvante esteve associado a uma redução absoluta de 12% na mortalidade em 28 dias, além de melhor controle da resposta inflamatória, com queda de IL-6 em até 50%, e taxa de complicações semelhante ao tratamento padrão (≈6%). Entretanto, esses resultados contrastam com outros ensaios que não demonstraram impacto significativo em sobrevida, o que evidencia uma discrepância importante na literatura. Essa heterogeneidade sugere que o benefício pode estar restrito a sub grupos específicos de pacientes, tornando difícil a adoção ampla do TPE como intervenção padronizada em protocolos internacionais de sepse, como o Surviving Sepsis Campaign (que inclusive ainda não recomenda o uso rotineiro).

Conclusões: 

> A plasmaférese terapêutica (TPE) é uma estratégia extracorpórea promissora no manejo da sepse e choque séptico, porém dada heterogeneidade de estudos e outros detalhes envolvendo desenho e desfechos, deve ser estudada com foco em instituição de protocolos específicos . 

> Há indícios de redução de mortalidade entre 10% e 20%, embora os resultados ainda sejam inconsistentes e dependentes da população estudada. 

> A segurança é aceitável, com complicações graves em apenas 1%–2% dos procedimentos. 

> O benefício parece mais evidente em choque séptico refratário e  trombocitopenia associada à falência de múltiplos órgãos em pediatria, mas faltam ensaios robustos para padronização. 

> Ainda não deve ser considerado tratamento de rotina, mas sim uma **terapia adjuvante em contextos selecionados, sempre feita com cautela, elencando risco x benefício e por profissionais seguros da conduta. 

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Referências bibliográficas

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