As justificativas para esse espaço de decisão do profissional no manejo do choque séptico se dá pela característica de estudos randomizados e que usam grupos gerais, sem individualização, além de elementos da ressuscitação incertos e fases no controle do choque, com diversas opções de tratamentos possíveis.
Em suma, o manejo do choque séptico acontece por meio da monitorização da resposta aos desafios hemodinâmicos, que possui quatro grandes fases: salvamento, otimização, estabilização e desescalada (SOSD). Todas elas são baseadas nos princípios de interpretação da adequação volêmica, padronizadas ao longo de tratamentos em protocolos de cuidados.
Fase de salvamento: o tempo de reconhecimento do choque
No momento de reconhecimento e identificação do choque, o tratamento inicial visa fornecer níveis de perfusão compatíveis com a vida.
A avaliação clínica é imprescindível na identificação da hipoperfusão tecidual. A monitorização da pressão arterial, as manchas na pele (motling) e o tempo de enchimento capilar (TEC) podem informar sobre a evolução e o progresso do paciente. Cada fator de observação corresponde a uma avaliação diferenciada, tal qual TEC para monitoramento básico, história clínica para uma possível cardiopatia — na qual será possível associar inotrópicos —, dentre outros elementos que são cruciais para a compreensão do caso.
O monitoramento básico tem papel na avaliação de responsividade a fluidos, como ecocardiograma, movimentos dinâmicos como o TEC e leg raising. Contudo, numa fase inicial, esses testes não são muito práticos e podem gerar dados inadequados.
Outras medidas como Lactato, saturação venosa central (ScvCO2) e o gradiente de pressão parcial de CO2 entre o sangue arterial e venoso central (Pv-aCO2) podem ser cruciais para o manejo.
Alguns pacientes podem responder bem à fluidoterapia, mas outros não. Aqueles com severa hipotensão podem iniciar terapia constritora mais cedo, sem esperar a resposta aos fluidos para acelerar a restauração da pressão arterial. A pressão diastólica pode guiar essa decisão, já que está relacionada com o tônus vascular e com o tempo de decaimento do volume de sangue aórtico. Assim, na sepse, a baixa na pressão diastólica está relacionada a uma gravidade maior.
Leia também: Sobreviventes na sepse: qual a importância da reabilitação?
Otimização: ferramentas e alvos
O tratamento emergencial de um paciente em choque séptico acaba sendo extremamente multifatorial. Após todas as medidas iniciais garantidoras de vida, há a fase de calmaria, que, todavia, ainda é um elemento de estabilização de urgência.
Essa fase se resume em otimizar a perfusão tecidual através da otimização da pressão de perfusão e do débito cardíaco. São usados índices de hipoperfusão tecidual como controladores da ocasião: pressão arterial, produção de urina, TEC, ScvO2, Pv-aCo2 e concentrações de lactato.
A importância da pressão arterial se baseia no fluxo necessário para a perfusão tecidual do órgão adequadamente. Não obstante, a preservação dela não é suficiente para manter a pressão correta de microcirculação, uma vez que diferem em leitos vasculares distintos.
A heterogeneidade dos pacientes com diferentes pressões microcirculatórias, diferenciações em receptores e impacto farmacológico, dentre outros elementos, elencam a necessidade de uma individualização de manejo. Ademais, a pressão venosa central serve de parâmetro, uma vez que reflete a pré carga e a função do ventrículo direito.
O débito cardíaco é a chave determinante do conceito de choque e da perfusão tecidual. Contudo, em certas ocasiões, ele não entra como fator determinante para reversão do quadro, como em casos em que a microcirculação é afetada.
Já a ScvO2 e a SvO2 são variáveis fisiológicas importantes. Elas refletem o equilíbrio de oferta e a demanda de oxigênio, que estão intrinsecamente ligados à fisiopatologia do choque e à sua reversão. Nesse sentido, vale ressaltar o gradiente de Pv-aCo2, uma vez que aumenta progressivamente em resposta às reduções de um baixo débito cardíaco.
O lactato para o choque séptico corresponde ao valor de prognóstico para o paciente. Durante o desenvolvimento da sepse, ele está associado à melhora (com seu aumento ou redução). Porém, perseguir a normalização do lactato pode ser inadequado, já que existem multifatores que levam à sua alteração, como inflamação, diminuição da depuração de lactato, etc.
Estabilização e descalonamento: ferramentas e índices de tolerância
Durante essa fase, o propósito do suporte hemodinâmico muda de otimização para prevenção de complicações. Isso inclui redução dos líquidos acumulados e desmame de suporte hemodinâmico. Os momentos de suporte na sepse levam diversas funções inevitáveis. Disfunção cardíaca e sobrecarga volume induzida pela ressuscitação são comuns, além de traumas causados por ventilação mecânica invasiva, quando necessária.
A fase de descalonamento é mais complexa, pois os índices de tolerância não estão bem definidos e a monitorização começa a reduzir. Os estabelecimentos de metas devem ser bem descritos, porque fica em um limiar de não voltar ao estado de choque, mas de não exacerbar o corpo com medidas de manutenção. No entanto, algum grau de hipoperfusão é aceito — já que o paciente acabou de sair de um trauma orgânico grande —, embora não seja tolerado em demasia.
Sendo assim, testar a pré-carga de pacientes antes de medidas de suporte, medir a perfusão da pele, dentre outros aspectos semelhantes à primeira fase de salvamento, tornam-se necessárias, porque a prioridade será evitar adversidades sem retornar ao ponto extremo de hipoperfusão. A avaliação personalizada do paciente é fundamental na unidade de terapia.
O uso personalizado de vasopressores
Os vasopressores são iniciados, titulados e desmamados de acordo com a pressão arterial média (> 65 mmHg). Eles diferem em farmacologia, efeitos na perfusão e função dos órgãos. A noradrenalina é considerada primeira linha em choque séptico. Por outro lado, a angiotensina II surgiu como uma nova alternativa para o tratamento de choque vasodilatador.
Embora existam algumas opções no tratamento do choque séptico, há fatores genéticos, diferentes receptores, hipoperfusão de receptores alfas e outros aspectos que não são iguais entre os pacientes, sendo necessária uma individualização de acordo com a melhor resposta.
Ademais, dentre as terapias coadjuvantes, a resposta à corticoterapia pode ser melhorada com citocinas selecionadas. Na ausência dessa ferramenta, a hidrocortisona entra como alternativa padrão.
O uso de inotrópicos tem grande abrangência. Dessa forma, segue-se uma ordem lógica: avaliar uma dose limitada de dobutamina e sua eficácia com tolerância a fim de avaliar a inserção de outra opção; lembrar que doses mais altas são permitidas quando há comprometimento grave de contratilidade; saber que pode ser adicionado ou substituído por milrinona; e, por fim, quando grave, observar a possibilidade de levosimendan.
Em suma, em cada etapa de inserção ou não de um novo inotrópico deve ser feita a análise de melhoria da função cardíaca, débito cardíaco e resolução da hipoperfusão tecidual, sem mencionar a boa resposta como ausência de taquicardia e efeitos relacionados.
Saiba mais: Hipotensão refratária no choque séptico além da noradrenalina
Conclusão
Ainda que existam diversos protocolos de sepse a serem seguidos, uma abordagem personalizada deve ser implementada para uma melhor resposta terapêutica e suporte hemodinâmico. É indiscutível a necessidade de adaptar o tratamento de acordo com o paciente nos quatro estágios do choque, além de seu impacto individualizado e baseado nas medidas a serem tomadas.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.