Em um período de 25 dias, foram notificados 9 casos de intoxicação após consumo de bebidas adulteradas com metanol, dos quais 2 evoluíram para óbito, no estado de São Paulo. Os casos foram relatados em setembro de 2025, ao CIATOX de Campinas (Centro de Informação e Assistência Toxicológica), como desvios incomuns do habitual no estado. Por isso, vamos relembrar a fisiopatologia da doença e como devemos tratá-la, uma vez que a demora do diagnóstico e tratamento podem ser fatais ao paciente.
A intoxicação por metanol é uma emergência médica causada pela exposição ao metanol, que é rapidamente absorvido por via digestiva, respiratória ou cutânea. O metanol é metabolizado no fígado pela enzima álcool desidrogenase (ADH), formando formaldeído e, a seguir, ácido fórmico que é o principal responsável pela toxicidade.
O ácido fórmico inibe a citocromo c oxidase (cadeia respiratória mitocondrial) gerando hipóxia histotóxica e acidose metabólica. O tecido mais vulnerável é o nervo óptico e a retina, resultando em toxicidade ocular e risco de cegueira irreversível. A acidose metabólica grave compromete múltiplos órgãos (SNC, sistema cardiovascular, rim).
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Sintomas
Os sintomas podem ter um período de latência de 6 a 30 horas, o que pode confundir e atrasar o diagnóstico pois o paciente demora a procurar atendimento. O metanol em si causa apenas sinais de embriaguez leve, muitas vezes discretos.
Após a produção de ácido fórmico, os sintomas começam por náuseas, vômitos, dor abdominal, cefaleia intensa e tontura. Os sintomas oculares são característicos, com visão turva, fotofobia, “visão em neblina/neve”, escotomas, podendo evoluir para cegueira. Confusão mental, letargia, ataxia, convulsões e coma são os sintomas neurológicos mais comuns. O paciente pode apresentar hiperventilação (respiração de Kussmaul) como resposta à acidose metabólica. Nos casos mais graves, choque.
A complicações tardias são neuropatia óptica irreversível (cegueira), sequelas neurológicas (parkinsonismo, encefalopatia tóxica), insuficiência renal e hepática secundária, além de óbito por acidose metabólica grave ou falência múltipla.
Tratamento
O tratamento da intoxicação por metanol envolve medidas de suporte, correção da acidose, diálise nos casos graves e, principalmente, a inibição ADH para evitar a conversão do metanol em seus metabólitos tóxicos.
Os dois fármacos utilizados como antídotos são fomepizol (preferencial) e etanol (alternativa).
Fomepizol
- Bloqueia competitivamente a ADH, impedindo a metabolização do metanol em formaldeído/ácido fórmico. Reduz drasticamente a toxicidade sistêmica e ocular;
- Esquema de administração (via endovenosa);
- Dose de ataque: 15 mg/kg IV diluído em 100 mL de SF 0,9%, infundido em 30 minutos;
- Manutenção: 10 mg/kg IV a cada 12 h, até a quarta dose;
- Após a 4ª dose: 15 mg/kg IV a cada 12 h até o metanol sérico ser indetectável ou <20 mg/dL e o paciente estar assintomático com pH normal.
Durante hemodiálise
O fomepizol é removido pela diálise → repetir doses a cada 4 h durante a sessão. Após o término da diálise, retornar ao intervalo usual (q12h).
Etanol
- Compete com o metanol pela ADH, com maior afinidade, reduzindo a formação dos metabólitos tóxicos. É um recurso utilizado quando fomepizol não está disponível;
- Esquema de administração;
- Pode ser feito VO ou EV, sempre em ambiente de UTI com monitorização rigorosa da glicemia, osmolaridade e nível sérico de etanol se disponível (pode causa hipoglicemia, depressão do SNC, intoxicação alcoólica);
- Dose de ataque: 0,6 g/kg (equivale a 7,5 mL/kg de etanol a 10% IV), infundido em 30–60 min;
- Manutenção: VO: 0,15 g/kg/h (cerca de 1,9 mL/kg/h de etanol 10%). Na via intravenosa utilizamos a mesma dose, ajustada conforme concentração sérica. Deve-se manter alcoolemia entre 100–150 mg/dL.
Durante hemodiálise
Aumentar a taxa de infusão em até duas vezes, pois o etanol também é removido pela diálise.
Ambos devem ser associados a suporte intensivo: correção da acidose com bicarbonato, hemodiálise precoce em casos graves e, se disponível, uso de folinato/ácido fólico (1 mg/kg EV 6/6h) para acelerar o metabolismo do ácido fórmico.
Autoria

Julia Vargas
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