A síndrome de hipertensão intra-abdominal (HIA) e de compartimento abdominal (SCA) tiveram suas definições em meados da década de 2000, após um estudo seminal de definição de método de medida (através de cateter vesical), sintomatologia, fatores de risco e prognóstico, em pacientes de UTIs de 20 países (Malbrain et al, Intensive Care Med 2004 e Crit Care Med 2005). Logo após, criou-se uma sociedade internacional para ampliar o conhecimento da síndrome através de pesquisa e promover o conhecimento mundial dos seus conceitos – World Society of Abdominal Compartment Syndrome (WSACS). Esta sociedade formulou consenso sobre definições, fisiopatologia, diagnóstico e manuseio da SCA em 2006 e revisado em 2013.
- Pressão intra-abdominal (PIA): a medida da PIA deve ser um parâmetro vital na avaliação de pacientes críticos, principalmente pacientes com fatores de risco, como choque séptico, cirurgia ou trauma abdominal, ascite, insuficiência renal descompensada;
- Método de medida: o método via bexiga urinária é o padrão-ouro para a medida da PIA devido à sua praticidade e custo-benefício; o nível de normalidade é até 12 mmHg;
- Classificação da HIA: graus I (leve, até 15 mmHg), II (moderado, até 20 mmHg) e III (grave, até 25 mmHg) e IV (síndrome de compartimento abdominal, com nível acima de 25 mmHg); o paciente pode ter sintomatologia de compartimento mesmo com níveis menores, dependendo do quadro clínico de disfunções orgânicas;
- A HIA pode acarretar disfunção de múltiplos órgãos e está associada ao aumento de mortalidade em pacientes críticos;
- Uma série de medidas de prevenção e tratamento devem ser realizadas, desde alívio de distensão abdominal com cateterização gástrica ou medicamentos, até a descompressão abdominal em casos de SCA;
- Monitoramento: pode ser contínuo ou intermitente em pacientes de alto risco, como aqueles com abdome agudo, trauma abdominal e grandes cirurgias.
Alguns inquéritos já foram realizados e mostraram que o conhecimento do consenso e mesmo da síndrome ainda é baixo entre os profissionais de saúde, mesmo médicos que atuam no hospital, como intensivistas e cirurgiões (entre 28% e 60%). E há ainda pontos de controvérsia ou desconhecimento, como a utilidade da medida de PIA em pacientes sentados ou com cabeceira elevada, em pacientes com respiração espontânea ou com ventilação não-invasiva.
Os autores realizaram um questionário e enviaram a uma lista de associados da WSACS e mais profissionais interessados em pesquisa no tema, ao redor do mundo. A divulgação foi realizada entre Março de 2022 e Julho de 2023. A concordância das 43 respostas tinha de ser maior que 80% para haver conclusão da recomendação.
Resultados
Ao todo, 1.042 respondentes de 102 países enviaram o questionário completo. Médicos (71%) foram os profissionais que mais enviaram respostas, sendo residentes (5%) e intensivistas (47%). Um pouco mais da metade se disse conhecedor do consenso WSACS de 2013 (53%), sendo que metade destes era membro da sociedade. Mas 41% não conhecia o consenso e não usava as definições na prática do dia a dia da UTI!
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Os pontos de maior discordância foram os seguintes:
- PIA normal deve ser até 10 mmHg em adultos críticos (77%);
- avaliação e estimativa clínica de PIA não tem acurácia suficiente (65,2%);
- medida por cateter intragástrico é alternativa à medida intravesical (70,4%);
- medida de PIA em posição deitada deve ser repetida em posição supina (71,9%).
Perguntas sobre fisiopatologia tiveram alta concordância (acima de 90%), principalmente sobre níveis de pressão, avaliação de perfusão, alterações fisiológicas renais e respiratórias. Novidades sobre as definições incluíram a HIA hiperaguda (como na tosse), aguda (ocorre em horas), subaguda (em dias) e crônica (em semanas ou meses) foram bem aceitas, assim como a manutenção do limiar de 12 mmHg para a PIA normal. O manuseio clínico e cirúrgico da HIA e SCA também se mantiveram com as recomendações antigas, exceto a afirmação de tentar o fechamento da cavidade abdominal em 1 semana nos casos cirúrgicos.
O resultado mais inusitado, porém, foi a pergunta se a WSACS deveria continuar ou não: 68% votou por manter a sociedade, mas quase 10% afirmou que ela deveria acabar ou ser parte de outra sociedade, como de cirurgia por exemplo. Ainda houve grupo de 22% de indecisos. Este fato talvez reproduza a parcial aceitação da síndrome e das recomendações do consenso de 2013 e sua renovação atual: não há unanimidade para este tema nas áreas de Medicina Intensiva e Cirurgia Geral.
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Mensagens para o dia a dia:
- Existe um consenso para as definições e o manuseio da síndrome de hipertensão intra-abdominal (HIA) e de compartimento abdominal (SCA), mas ainda existe uma boa parcela de médicos que não estão cientes da sua existência e mesmo não o aplicam na prática;
- A classificação da HIA está mais detalhada e influencia o manuseio clínico e cirúrgico da síndrome, que pode acarretar síndrome de disfunção orgânica múltipla e morte.
Autoria

André Japiassú
Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.
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