A reposição volêmica é um dos principais pontos do pacote de tratamento da Sepse. A recomendação atual (Surviving Sepsis Campaign, 2021) é de se iniciar na primeira hora após abertura do protocolo, preferindo o uso de soluções cristaloides. Há 10 anos alguns estudos clínicos randomizados vêm sendo realizados para avaliar os diferentes tipos de soluções para reposição no paciente grave, e em especial, na Sepse. Os coloides se provaram piores ou igualmente eficazes quando comparados aos cristaloides: amidos e gelatinas aumentam morbimortalidade; albumina tem eficácia semelhante a cristaloides, como salina a 0,9% (mas com custo muito maior, portanto com pior custo-benefício). As soluções cristaloides balanceadas (aquelas com osmolaridade semelhante à do plasma e conteúdo iônico mais fisiológico que o “soro fisiológico” ou salina) se mostraram benéficas quando comparadas a coloides e outros cristaloides — embora não tenha havido comparação entre Ringer lactato e outras destas soluções, como o “Plasmalyte®”.
Porém, por incrível que pareça, não se comparou diretamente salina ao Ringer lactato, duas das soluções mais usadas e baratas que existem. Por isso, este estudo aproveitou uma parte de outro maior (Crystalloid Liberal or Vasopressors Early Resuscitation in Sepsis – CLOVERS), para avaliar estas soluções em relação a mortalidade e tempo de permanência em UTI. Teoricamente, a salina pode causar desequilíbrio iônico e de ácidos no sangue, com acúmulo de cloro e acidose, ocasionando possível vasoconstrição e disfunção renal.
Objetivos e Metodologia
O desfecho primário estudado foi a mortalidade em 90 dias; secundariamente, verificou-se tempos de permanência na UTI e no hospital, uso de vasopressores e dias de ventilação mecânica. Disfunção renal foi definida como aumento de 0,3 mg/dL da creatinina ou seu aumento em 50% em 24-48 horas; cloreto, bicarbonato, lactato e creatinina foram anotados durante 72 horas repetidamente.
Foram incluídos pacientes com hipotensão e critérios de abertura de protocolo de sepse; o objetivo do estudo original era saber se o uso de reposição volêmica liberal ou restritiva influenciava os desfechos acima — entenda-se por restritiva começar vasopressor mais precocemente. A conclusão foi de semelhança nas duas estratégias em relação à mortalidade.
A reposição volêmica antes da randomização no estudo foi realizada com 1 a 3 litros de líquidos. Para este estudo secundário então, o interesse dos autores foi avaliar se o uso da salina ou do Ringer lactato influenciou os desfechos. Mas como o objetivo primário do grupo de pesquisa não foi avaliar a solução cristaloide, não houve controle para se usar uma ou outra solução (ficou a critério do médico localmente): consequentemente os autores procuraram balancear vários outros fatores que influenciam a morbimortalidade. Quantidade de líquidos administrados, idade, sexo, comorbidades, escores de gravidade da doença aguda (SOFA), pressão arterial na chegada e presença de insuficiência respiratória foram agrupadas em análise de vários fatores e se trabalhou com o escore de propensão para pesar a influência deles, em conjunto com a comparação salina versus Ringer lactato.
Por si só, esta análise já suscita críticas ao estudo e suas conclusões, mas dá mérito aos autores para preencher a lacuna do conhecimento na comparação de duas soluções de baixo custo, que dificilmente algum outro grupo de pesquisa ou a indústria farmacêutica vai se interessar por patrocinar.
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Resultados
Ringer lactato foi administrado a 40% dos pacientes e salina 0,9% a 44% (622 versus 690 pacientes, respectivamente), nos 60 centros espalhados nos Estados Unidos, entre 2018 e 2022. As diferenças entre os grupos foram:
- Pacientes no grupo salina eram 4 anos mais idosos;
- Doença renal crônica foi mais prevalente no grupo com salina também.
As outras características foram semelhantes, como quantidade de líquidos pré-randomização, escore SOFA, lactato sérico e uso de vasopressores.
A mortalidade em 90 dias foi menor no grupo Ringer lactato: 12,2% versus 15,9%, com hazard ratio 0,71, ou seja uma redução relativa de quase 30%. Mas o otimismo é freado quando se omite algumas variáveis no modelo final: sexo, comorbidades, escala de coma de Glasgow, pressão arterial e quantidade de líquido administrado. Pode-se supor que alguma ou mesmo a combinação destas variáveis influenciam a mortalidade.
O tempo de dias livres de hospitalização também foi maior no grupo Ringer lactato, ou seja, menor tempo internados. Disfunção renal em até 7 dias (aumento de 2%, mas p valor não significativo) e níveis de cloreto maiores e de bicarbonato menores ocorreram no grupo salina.
Mensagens para o dia a dia: ringer lactato para hipotensão induzida por Sepse
- O uso de Ringer lactato pode estar associado à menor taxa de complicações e até benefício em mortalidade em pacientes com hipotensão e sepse na sua fase inicial de reposição de líquidos;
- Porém, como o desenho original do estudo foi com outro objetivo, não é possível concluir que Ringer lactato é melhor que salina: houve significância estatística mas na verdade pode ter ocorrido ao acaso; no fim, serve como base hipotética para novo estudo clínico.
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