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Terapia Intensiva16 julho 2018

Desmame de benzodiazepínicos em UTIP: o que precisamos saber

Após cinco dias em uso de benzodiazepínicos em infusão contínua, mais de 50% das crianças em UTIP evoluem para síndrome de abstinência.

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De acordo com o número de dias de uso de infusão contínua de benzodiazepínicos, a criança pode ser classificada em três categorias de risco para o desenvolvimento de síndrome de abstinência¹:

  • Risco mínimo: uso de benzodiazepínicos em infusão contínua por período inferior a cinco dias;
  • Risco moderado: uso de benzodiazepínicos em infusão contínua por 5 a 14 dias;
  • Risco elevado: uso de benzodiazepínicos em infusão contínua por período superior a 14 dias¹.

Após cinco dias em uso de benzodiazepínicos em infusão contínua, mais de 50% das crianças em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) evoluem para síndrome de abstinência. Portanto, o paciente deve ser considerado em risco moderado para o desenvolvimento dessa síndrome (GRAU DE RECOMENDAÇÃO = C). Além disso, pacientes que requerem midazolam acima de 0,35 mg/kg/hora ou que receberam doses cumulativas de midazolam superiores a 40 a 60 mg/kg também devem ser considerados de alto risco1,2,3,4,5.

O desmame de benzodiazepínicos em UTIP é bastante controverso. Para alguns autores, quando os benzodiazepínicos forem utilizados em infusão contínua por menos de cinco dias, não há necessidade de redução gradual de doses, sendo o desmame indicado de acordo com a extubação6,7. No entanto, outros pesquisadores recomendam que as doses devam ser reduzidas em 10 a 15% a cada seis a oito horas mesmo quando forem usados por um período inferior a três ou cinco dias8. A criança deve ser avaliada a cada quatro horas, no mínimo, para a presença de manifestações clínicas de abstinência¹.

Para pacientes com risco moderado, Saul e Robinson (2018) orientam a seguinte estratégia de desmame¹:

  • Reduzir a infusão contínua do benzodiazepínico em 20% da dose inicial a cada 24 horas. Avaliar a criança a cada quatro horas utilizando um escore validado para a avaliação de síndrome de abstinência;
  • Se houver sinais de abstinência, reduza a velocidade de desmame para 10% ao dia ou considere não desmamar por 24 horas. Nesse caso, reavalie o paciente e retorne o desmame para 20% ao dia, se indicado. Mantenha a monitoração para sinais de abstinência por, no mínimo, 48 horas após a cessação do desmame;
  • Se o paciente apresentar abstinência moderada a grave, reintroduza o medicamento ou adicione outro benzodiazepínico. Considere iniciar clonidina¹.

Já em pacientes com risco elevado para abstinência, Saul e Robinson (2018) recomendam¹:

  • Reduzir a infusão contínua do benzodiazepínico em 10% da dose inicial a cada 24 horas. Avaliar a criança a cada quatro horas utilizando um escore validado para a avaliação de síndrome de abstinência;
  • Se houver sinais de abstinência, reduza a velocidade de desmame para 5% ao dia ou considere não desmamar por 24 horas. Nesse caso, reavalie o paciente e retorne o desmame para 10% ao dia, se indicado. Mantenha a monitoração para sinais de abstinência por, no mínimo, 48 horas após a cessação do desmame;
  • Se o paciente apresentar abstinência moderada a grave, reintroduza o medicamento ou adicione outro benzodiazepínico. Considere iniciar clonidina¹.

Em geral, a maioria dos autores relata que os pacientes em uso de benzodiazepínicos por um período superior a cinco dias ou mesmo por um período inferior, mas com doses acimas das recomendadas, beneficiam-se da introdução de agentes enterais de longa ação o mais precocemente possível6,9,10. Para esse tipo de abordagem, devemos nos atentar para as seguintes recomendações¹:

  • A criança deve estar em condições de usar medicamentos por via enteral;
  • A dose total diária do benzodiazepínico enteral não deve ultrapassar as doses máximas recomendadas! Deve-se tomar cuidado na hora da conversão!!!!

Se esses itens não são encontrados, recomenda-se o desmame somente por via intravenosa (IV)¹.

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Para a conversão de midazolam IV para lorazepam por via enteral, pode-se calcular a dose diária total de midazolam (em mg) administrada ao paciente por infusão contínua somada às doses adicionais efetuadas em bolus. O valor encontrado deve ser dividido por 12. Com isso encontra-se a dose diária total inicial de lorazepam a ser administrada por via enteral. Essa dose pode então ser dividida a cada quatro a seis horas e a infusão contínua de midazolam é reduzida em 50% após a segunda dose de lorazepam e nas outras subsequentes, com consequente suspensão do midazolam após a quarta dose de lorazepam8,9,11,12. O lorazepam pode ser então reduzido em 20% da dose inicial a cada 24 horas (caso o paciente seja de risco moderado) ou 10% da dose inicial a cada 24 horas, se o paciente for de risco elevado13.

Alguns serviços usam dose equivalente de diazepam enteral ao invés de lorazepam. Para a conversão de midazolam IV para diazepam enteral, calcula-se a dose total diária de midazolam em 24 horas e divide-se o valor encontrado por 3. O resultado é a dose diária total de diazepam enteral para 24h. Essa quantia deve ser dividida para ser administrada a cada quatro ou seis horas7. Para o desmame, pode-se reduzir a infusão de midazolam em 50% 30 minutos após a primeira dose enteral de diazepam. Após, descontinua-se a infusão de midazolam IV 30 minutos após a segunda dose de diazepam enteral1,14.

Outro modo de se efetuar o desmame é reduzindo a dose de midazolam em 1/3 a partir da segunda dose de diazepam, reduzir novamente a dose de midazolam em 1/3 a partir da quarta dose de diazepam, suspender a dose de midazolam após a sexta dose de diazepam e reduzir a dose de diazepam 10-20% a cada 24 horas até chegar a 0,05mg/Kg5. Em seguida, reduzir a frequência para a cada oito horas por 24h. Depois, passe para 12/12h por 24h, depois somente uma vez ao dia e suspenda após1,14,15,16. Para Saul e Robinson (2018), a conversão de midazolam IV para diazepam enteral só pode ser feita se o paciente estiver recebendo uma dose de midazolam igual ou inferior a 1,5 mcg/kg/min (0,09 mg/kg/h)15.

Outros serviços não aplicam dose equivalente e iniciam a terapia com diazepam 0,1 – 0,2 mg/kg/dose (máximo de 2 mg) a cada seis horas ou oito horas, dependendo do quadro clínico da criança1,5,6,16. O lorazepam é preferível ao diazepam, pois esse último apresenta metabólitos ativos com duração de ação e meia-vida variáveis. O principal metabólito do diazepam, o N-desmetildiazepam, apresenta meia-vida aproximada de 60 horas16. Alguns autores sugerem o uso de clorazepato dipotássico como alternativa ao diazepam6. Entretanto, a escolha deve ser baseada no medicamento e na forma de apresentação disponíveis na unidade.

Se sintomas de síndrome de abstinência aos benzodiazepínicos são observados, administra-se uma dose de resgate com lorazepam IV (0,05- 0,1 mg/kg) e a titulação da infusão contínua deve ser reduzida8. Contudo a formulação de lorazepam por via parenteral não se encontra disponível no Brasil17. Sendo assim, podemos utilizar o midazolam como alternativa.

Lembrem-se que:

  • NÃO deve ocorrer nenhuma redução da dose no dia da conversão para a via enteral¹;
  • As doses devem ser arredondadas para cima ou para baixo para assegurar a precisão da administração (por exemplo, 1,95 mL – arredondar para 2 mL)¹;
  • Se não houver sinais de abstinência, o desmame pode ser feito reduzindo a frequência de administração (por exemplo: estava de 6/6h, podemos passar para de 8/8h); Mas, ao se omitir doses, certifique-se de que as doses restantes estão uniformemente espaçadas¹.

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Referências:

  1. SAUL, R.; ROBINSON, L. Drug (opioid or benzodiazepine) withdrawal syndrome – prevention and management. Acesso em: 10 de jul. 2018.
  2. BEST, K. et al. Patterns of Sedation Weaning in Critically Ill Children Recovering from Acute Respiratory Failure. Pediatric Critical Care Medicine, v. 17, n. 1, p. 19-29, jan. 2016.
  3. BEST, K.; BOULLATA, J.; CURLEY, M. Risk factors associated with iatrogenic opioid and benzodiazepine withdrawal in critically ill pediatric patients: a systematic review and conceptual model. Pediatric Critical Care Medicine, v. 16, n. 2, p. 175-83, Feb. 2015.
  4. HARRIS, J. et al. Clinical recommendations for pain, sedation, withdrawal and delirium assessment in critically ill infants and children: an ESPNIC position statement for healthcare professionals. Intensive Care Medicine, v. 42, p. 972-86, 2016.
  5. BENNETT, M. et al. Sedation and analgesia withdrawal. Nottingham: Nottingham University Hospitals, 2013.
  6. FERNÁNDEZ-CARRIÓN, F. et al. Withdrawal syndrome in the pediatric intensive care unit. Incidence and risk factors. Medicina Intensiva, v. 37, n. 2, p. 67-74, mar. 2013.
  7. BUCKLEY, D. Starship Withdrawal of Analgesia and Sedation. Starship Children’s Hospital, 2016. Disponível em: <http://www.adhb.govt.nz/PICU/Protocols/General/Drug%20Withdrawal%20Protocol.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2016.
  8. PIRES, R. B.; FIORETTO, J. R.; MYLLER, G. Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular. In: FIORETTO, J.R.; BONATTO, R. C.; CARPI, M. F.; RICCHETTI, S. M.Q.; MORAES, M. A. UTI pediátrica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. Cap. 8. p. 58-76.
  9. SIMONE, S.; SORCE, L. Analgesia, Paralytics, Sedation and Withdrawal. In: REUTER-RICE, K.; BOLICK, B. Pediatric Acute Care. A Guide for Interprofessional Practice. Burlington: Jones & Bartlett Learning, 2012. Chapter 21, p. 151-87.
  10. DAS-TASKFORCE. Evidence and consensus based guideline for the management of delirium, analgesia, and sedation in intensive care medicine. Revision 2015 (DAS-Guideline 2015). German Medical Science, v. 13, doc. 19, Nov. 2015.
  11. TOBIAS, J. Tolerance, withdrawal, and physical dependency after long-term sedation and analgesia of children in the pediatric intensive care unit. Critical Care Medicine, v. 28, n. 6, p. 2122-32, June 2000.
  12. KUDCHADKAR, S. R. et al. Pain and Sedation Management. In: NICHOLS, D. G.; SHAFFNER, D. H. Rogers’ Textbook of Pediatric Intensive Care. 5. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health, 2016. Chapter 14, p. 132-64.
  13. STARSHIP CHILD HEALTH. Weaning of Opioids and Benzodiazepines, 2017. Disponível em: https://www.starship.org.nz/for-health-professionals/starship-clinical-guidelines/w/weaning-of-opioids-and-benzodiazepines/. Acesso em: 10 de jul. 2018.
  14. ST GEORGE’S HEALTHCARE. PICU Sedation and analgesia weaning Guideline, 2016. Disponível em: <http://www.georgespicu.org.uk/wp-content/uploads/bsk-pdf-manager/2016/12/Sedation-Weaning-PICU-2016.pdf>. Acesso em: 10 de jul. 2018.
  15. CUNLIFFE, M. et al. Managing sedation withdrawal in children who undergo prolonged PICU admission after discharge to the ward. Paediatric Anaesthesia, v. 14, n. 4, p. 293-8, 2004.
  16. TOBIAS, J. Pain management for the critically ill child in the pediatric intensive care unit. In: SCHECHTER, N.L.; BERDE, C.D.; YASTER, M. Pain in Infants, Children, and Adolescents. 2. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2003. Chapter 44. p. 807-40.
  17. LAGO, P. M.; MOLON, M. E.; PIVA, J. P. Síndrome de Abstinência e Delirium em UTI Pediátrica. In: PIVA, J. P.; GARCIA, P. C. R. Medicina Intensiva Pediátrica. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2015. Cap. 50, p. 1127-52.
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