As doenças cerebrovasculares continuam sendo a principal causa de incapacidade no mundo, e uma das principais causas de internação e mortalidade em unidades de terapia intensiva. No Brasil, a prevalência é particularmente alta, e a realidade clínica coloca o intensivista na posição central para tomada rápida de decisões, muitas vezes no intervalo crítico da chamada “hora de ouro neurovascular”.
No Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2025), a sessão temática coordenada por Antonio Luiz Eiras Falcão (SP) e Carla Bittencourt Rynkowski (RS), trouxe atualizações de alto impacto clínico, com ênfase em reperfusão guiada por imagem, fisiopatologia bifásica da hemorragia subaracnoide, evolução nos protocolos de manejo de hemorragias intracranianas e a incorporação progressiva da neuroimagem avançada como ferramenta operacional e não apenas diagnóstica. Esta sessão é, de fato, uma síntese do que há de mais moderno em neurointensivismo contemporâneo.
AVCi: onde estamos e para onde vamos com as terapias de reperfusão?
A palestra de abertura da mesa, com Dra. Juliana Caldas, partiu de um ponto fundamental: o AVC isquêmico não é mais uma doença binária (dentro ou fora da janela), mas uma doença dinâmica, guiada por fisiopatologia individual. A era da tomografia simples como critério único está ficando para trás. Hoje, o conceito de penumbra viável e mismatch perfusão-difusão redefine candidaturas a trombólise e trombectomia. A modernização dos fluxos de atendimento traz a realidade de terapias de reperfusão que podem ser indicadas até 24 horas após o início dos sintomas, desde que guiadas por imagem. Há crescente evidência que a decisão baseada em neuroimagem avançada, perfusão TC, RM difusão, escalas automatizadas de núcleo isquêmico e softwares validados – garante mais precisão terapêutica do que a cronologia isolada.
Para o intensivista, a mensagem prática é outra: o manejo pós-reperfusão é tão determinante para o desfecho quanto a decisão inicial. Isso significa controle agressivo de PA nas primeiras 24h, manejo de edema, vigilância de transformação hemorrágica e individualização da antitrombose. Em resumo: a palestra aborda o presente e projeta o futuro, um futuro em que trombectomia tardia e personalização terapêutica serão o novo normal.
Injúria cerebral precoce vs. Isquemia cerebral tardia na HSA
A Dra. Renata abordou um dos temas mais complexos do neurointensivismo moderno: entender a hemorragia subaracnóidea aneurismática como uma doença em duas fases. A injúria precoce (nas primeiras 48–72 horas) é essencialmente inflamatória, disfuncional, sistêmica. Esse momento inicial é marcado por neurotoxicidade por hemoglobina, disfunção de barreira hematoencefálica e instabilidade autonômica.
Já a isquemia tardia (clássica, antes atribuída exclusivamente ao vasoespasmo) é hoje entendida como um fenômeno multifatorial: microtromboses, disfunção microvascular e inflamação sustentada. O vasoespasmo arterial proximal não explica mais tudo. A transição da fase precoce para a tardia não é simplesmente temporal, é fisiopatológica. O intensivista deve ser capaz de identificar a virada na curva.
Esse entendimento muda o tipo de vigilância: não basta acompanhar transcraniano e angiografia. A tendência mundial é incorporar EEG contínuo, PbtO2, NIRS cerebral em cenários selecionados, quando disponíveis, para detectar precocemente isquemia silenciosa. E isso transforma condutas: otimização individualizada de PAM, hemoglobina-alvo adequada, controle de temperatura, sedoanalgesia estratégica, analgesia multimodal, e, quando indicado, hipertensão permissiva guiada por monitorização multimodal.
Hemorragias intracranianas: novidades
O Dr. Salomon tratou de um campo que avançou mais nos últimos 7 anos do que nos 30 anteriores. O paradigma “hemorragia não tem o que fazer” foi sepultado. A expansão do hematoma dependente de PA é hoje um alvo terapêutico concreto. A literatura mais recente aponta para redução agressiva e precoce da PA sistólica (em minutos, não em horas) com meta inicial < 140 mmHg como estratégia prática de rotina. Além disso, a correção precoce de coagulopatias e a reversão dirigida de anticoagulantes com agentes específicos (incluindo antídotos diretos de NOACs) já são realidade.
Outro eixo de inovação é a ideia de “minimally invasive surgery”, técnicas minimamente invasivas que removem hematomas evitando craniotomias amplas, com promissor impacto em desfecho funcional em populações selecionadas. A apresentação promete trazer dados concretos, protocolos e evidências emergentes que sustentam esse novo horizonte.
Neuroimagem avançada. Para quem e por quê?
A neuroimagem avançada deixou de ser artigo acadêmico e está se tornando uma ferramenta operacional da UTI. O desafio atual não é “o que existe”, mas “quem se beneficia” e “como isso muda nossa conduta”.
O Dr. Rogério falou da aplicabilidade prática da RM perfusão, difusão, angiografia avançada, quantificação de microinfartos, volumetria de lesão, cálculo automatizado de penumbra, e uso de IA em softwares de decisão assistida. O intensivista precisa saber o que cada técnica mede, o que cada técnica responde e, principalmente, quando aquilo muda a conduta.
A neuroimagem avançada é, atualmente, o principal marcador de personalização terapêutica no AVCi e na HSA. Não se trata mais de obter uma imagem bonita: trata-se de guiar meta de PA, decidir trombectomia, calibrar meta de volemia, definir se há isquemia tardia microvascular e proteger tecido viável. A decisão não é diagnóstico; é terapia.
Doenças Cerebrovasculares: Passado, Presente e Futuro
O Dr. Pedro finalizou o painel trazendo a linha histórica e o salto conceitual. O passado era suporte. O presente é intervenção. O futuro é modulação ativa. A tendência é clara:
- Individualização terapêutica Estratificação por fenótipo fisiopatológico
- Decisão guiada por biomarcadores e imagem
- Intervenção precoce e personalizada
O neurointensivismo é o campo que mais cresce dentro da terapia intensiva moderna e não por acaso. As doenças cerebrovasculares são a área onde a fisiopatologia é mapeável, prognosticável e modificável. A inteligência clínica e a tecnologia avançada se unem para intervir em cascatas biológicas específicas.
O Dr. Pedro sinalizou um futuro de medicina de precisão em doenças cerebrovasculares. O intensivista será cada vez mais decisor, e cada vez menos mero observador.
Conclusão
Esta sessão do CBMI 2025, sintetizou o momento atual: o neurointensivismo deixou de ser uma ilha e passou a ser o eixo central da terapia intensiva moderna. A mensagem é inequívoca: a próxima era das doenças cerebrovasculares será guiada por fisiologia, por imagem de alta resolução, por monitorização multimodal, e por decisões individualizadas de tempo e alvo terapêutico.
O CBMI 2025 marca, de forma definitiva, a transição para esse paradigma. O intensivista brasileiro precisa estar pronto. É agora. É este o momento da virada.
Autoria

Hiago Bastos
Graduação em Medicina pela Universidade Ceuma (2016), como bolsista integral do PROUNI ⦁ Especialista em Terapia Intensiva no Programa de Especialização em Medicina Intensiva (PEMI/AMIB 2020) no Hospital São Domingos ⦁ Fellowship in Intensive Care at the Erasme Hospital (Bruxelles, Belgium) ⦁ Especialista em ECMO pela ELSO ⦁ Médico plantonista na UTI II do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2016, na UTI do Hospital São Domingos desde 2018 e Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2017 ⦁ Fundador e ex-presidente da Liga Acadêmica de Medicina de Urgência e Emergências do Maranhão (LAMURGEM-MA) ⦁ Experiência na área de Emergências e Terapia intensiva.
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