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Terapia Intensiva6 novembro 2025

CBMI 2025 - Sessão Temática - Neurointensivismo: Doenças Cerebrovasculares

A sessão trouxe atualizações de alto impacto clínico e apresentou o que há de mais moderno em neurointensivismo contemporâneo. 
Por Hiago Bastos

As doenças cerebrovasculares continuam sendo a principal causa de incapacidade no mundo,  e uma  das principais  causas de internação e mortalidade em unidades de terapia intensiva. No Brasil, a prevalência é particularmente alta, e a realidade clínica coloca o intensivista na posição central para tomada rápida de decisões, muitas vezes no intervalo crítico da chamada “hora de ouro neurovascular”. 

No Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2025), a sessão temática coordenada  por Antonio Luiz  Eiras Falcão (SP) Carla Bittencourt Rynkowski (RS), trouxe atualizações de alto impacto clínico, com ênfase em reperfusão guiada por imagem, fisiopatologia bifásica da hemorragia subaracnoide, evolução nos protocolos de manejo de hemorragias intracranianas e a incorporação progressiva da neuroimagem avançada como ferramenta operacional e não apenas diagnóstica. Esta sessão é, de fato, uma síntese do que há de mais moderno em neurointensivismo contemporâneo. 

AVCi: onde estamos e para onde vamos com as terapias de reperfusão? 

A palestra de abertura da mesa, com Dra. Juliana Caldas, partiu de um ponto fundamental: o AVC isquêmico não é mais uma doença binária (dentro ou fora da janela), mas uma doença dinâmica,  guiada por fisiopatologia individual.  A era da tomografia simples como critério único está ficando para trás. Hoje, o conceito de penumbra  viável e mismatch perfusão-difusão redefine candidaturas a trombólise e trombectomia. A modernização dos fluxos de atendimento traz a realidade de terapias de reperfusão que podem ser indicadas até 24 horas após o início dos sintomas, desde que guiadas por imagem. Há crescente evidência que a decisão baseada  em neuroimagem  avançada, perfusão TC, RM difusão, escalas automatizadas de núcleo isquêmico e softwares validados – garante  mais precisão terapêutica do que a cronologia isolada. 

Para o intensivista, a mensagem prática é outra: o manejo pós-reperfusão é tão determinante para o desfecho quanto a decisão inicial. Isso significa controle agressivo de PA nas primeiras 24h, manejo de edema, vigilância de transformação hemorrágica e individualização da antitrombose. Em resumo: a palestra aborda o presente e projeta o futuro, um futuro em que trombectomia tardia e personalização terapêutica serão o novo normal. 

Injúria cerebral precoce vs. Isquemia cerebral tardia na HSA 

A Dra. Renata abordou um dos temas mais complexos do neurointensivismo moderno: entender a hemorragia  subaracnóidea aneurismática como uma doença em duas fases. A injúria precoce (nas primeiras 48–72 horas) é essencialmente inflamatória, disfuncional, sistêmica. Esse momento inicial é marcado por  neurotoxicidade  por hemoglobina, disfunção de barreira hematoencefálica e instabilidade autonômica. 

Já a isquemia tardia (clássica, antes atribuída exclusivamente ao vasoespasmo) é hoje entendida como um fenômeno  multifatorial: microtromboses, disfunção microvascular e inflamação sustentada. O vasoespasmo arterial proximal  não explica mais tudo. A transição da fase precoce para a tardia não é simplesmente temporal,  é fisiopatológica.  O intensivista deve ser capaz de identificar a virada na curva. 

Esse entendimento muda o tipo de vigilância: não basta acompanhar transcraniano e angiografia. A tendência mundial é incorporar EEG contínuo, PbtO2, NIRS cerebral em cenários selecionados, quando disponíveis, para detectar precocemente isquemia silenciosa. E isso  transforma condutas: otimização individualizada de PAM, hemoglobina-alvo adequada, controle de temperatura, sedoanalgesia estratégica, analgesia multimodal, e, quando indicado, hipertensão permissiva guiada por monitorização multimodal. 

Hemorragias intracranianas: novidades 

O Dr. Salomon tratou de um campo que avançou mais nos últimos 7 anos do que nos 30 anteriores. O paradigma “hemorragia não tem o que fazer” foi sepultado. A expansão do hematoma dependente de PA é hoje um alvo  terapêutico concreto. A literatura mais recente aponta para redução agressiva e precoce da PA sistólica (em minutos, não em horas) com meta inicial < 140 mmHg como estratégia prática de rotina. Além disso, a correção precoce de coagulopatias e a reversão dirigida de anticoagulantes com agentes específicos (incluindo antídotos diretos de NOACs) já são realidade. 

Outro eixo de inovação é a ideia de “minimally invasive surgery”, técnicas minimamente invasivas que removem hematomas evitando craniotomias amplas, com promissor impacto em desfecho funcional em populações selecionadas. A apresentação promete trazer dados concretos, protocolos e evidências emergentes que sustentam esse novo horizonte. 

Neuroimagem avançada. Para quem e por quê? 

A neuroimagem avançada deixou de ser artigo acadêmico e está se tornando uma ferramenta operacional da UTI. O desafio atual não é “o que existe”, mas “quem se beneficia” e “como isso muda nossa conduta”. 

O Dr. Rogério falou da aplicabilidade prática da RM perfusão, difusão, angiografia avançada, quantificação de microinfartos, volumetria de lesão, cálculo automatizado de penumbra, e uso de IA em softwares de decisão assistida. O intensivista precisa saber o que cada técnica mede, o que cada técnica responde e, principalmente, quando aquilo muda a conduta. 

A neuroimagem avançada é, atualmente, o principal marcador de personalização terapêutica no AVCi e na HSA. Não se trata mais de obter uma imagem bonita: trata-se de guiar meta de PA, decidir trombectomia, calibrar meta de volemia, definir se há isquemia tardia microvascular e proteger tecido viável. A decisão não é diagnóstico; é terapia. 

Doenças Cerebrovasculares: Passado, Presente e Futuro 

O Dr. Pedro finalizou o painel trazendo a linha histórica e o salto conceitual. O passado era suporte. O presente é intervenção. O futuro é modulação ativa. A tendência é clara: 

  • Individualização terapêutica Estratificação por fenótipo fisiopatológico
  • Decisão guiada por biomarcadores e imagem
  • Intervenção precoce e personalizada 

O neurointensivismo é o campo que mais cresce dentro da terapia intensiva moderna e não por acaso.  As doenças  cerebrovasculares são a área onde a fisiopatologia é mapeável, prognosticável e modificável. A inteligência clínica e a tecnologia avançada se unem para intervir em cascatas biológicas específicas. 

O Dr. Pedro sinalizou um futuro de medicina de precisão em doenças cerebrovasculares. O intensivista será cada vez mais decisor, e cada vez menos mero observador. 

Conclusão 

Esta sessão do CBMI 2025, sintetizou o momento atual: o neurointensivismo deixou de ser uma ilha e passou a ser o eixo central da terapia intensiva moderna. A mensagem é inequívoca: a próxima era das doenças cerebrovasculares será guiada por fisiologia, por imagem de alta resolução, por monitorização multimodal,  e por decisões individualizadas  de tempo e alvo terapêutico. 

O CBMI 2025 marca, de forma definitiva, a transição para esse paradigma. O intensivista brasileiro precisa estar pronto. É agora. É este o momento da virada. 

Autoria

Foto de Hiago Bastos

Hiago Bastos

Graduação em Medicina pela Universidade Ceuma (2016), como bolsista integral do PROUNI ⦁  Especialista em Terapia Intensiva no Programa de Especialização em Medicina Intensiva (PEMI/AMIB 2020) no Hospital São Domingos ⦁  Fellowship in Intensive Care at the Erasme Hospital (Bruxelles, Belgium) ⦁  Especialista em ECMO pela ELSO ⦁ Médico plantonista na UTI II do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2016, na UTI do Hospital São Domingos desde 2018 e Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2017 ⦁  Fundador e ex-presidente da Liga Acadêmica de Medicina de Urgência e Emergências do Maranhão (LAMURGEM-MA) ⦁  Experiência na área de Emergências e Terapia intensiva.

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