A traqueostomia é um procedimento cirúrgico amplamente utilizado em unidades de terapia intensiva (UTI) para o manejo de pacientes que necessitam de ventilação mecânica prolongada ou que apresentam risco de obstrução das vias aéreas superiores. Estudos mostram que cerca de 5% dos pacientes em cuidados intensivos e 19,6% dos pacientes em ventilação mecânica necessitam deste procedimento durante a permanência na UTI. Embora seja uma intervenção essencial em muitos cenários, sua realização envolve uma série de desafios e potenciais complicações que devem ser avaliadas.
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Indicações da Traqueostomia
A traqueostomia é indicada em diversas ocasiões, sendo as mais comuns:
– Ventilação mecânica prolongada: Reduz a necessidade de sedativos e analgesia, facilita o desmame ventilatório e cursa com maior conforto ao paciente.
– Obstrução das vias aéreas superiores: Tumores, edema laríngeo grave ou trauma que contraindicam ou dificultam a intubação orotraqueal.
– Proteção da via aérea: Em pacientes com alterações neurológicas severas que cursam com disfagia ou outras alterações de vias aéreas.
– Facilidade nos cuidados: melhora na aspiração traqueal e remoção de possíveis secreções.
A decisão sobre o momento ideal para a traqueostomia permanece controversa. Estudos sugerem que a traqueostomia precoce (<10 dias após intubação) pode reduzir o tempo de ventilação mecânica e a duração da internação na UTI, embora não haja consenso sobre impacto na mortalidade.
Benefícios da Traqueostomia
– Redução do tempo de ventilação mecânica: Pacientes com traqueostomia são frequentemente desmamados mais rapidamente em comparação àqueles que permanecem intubados por longos períodos.
– Diminuição do uso de sedativos: Reduz a necessidade de sedativos e opioides, facilitando a interação do paciente com a equipe de reabilitação.
– Melhora no conforto ao paciente: Permite maior mobilização e comunicação com as equipes. A melhora da comunicação é um benefício importante aos pacientes e mostrado em vários estudos com diminuição dos efeitos negativos emocionais ocasionados pela ventilação mecânica.
– Facilitação da higiene: Melhora a aspiração de secreções das vias aéreas, o que diminui a ocorrência de pneumonias associadas à ventilação mecânica.
Ainda, houve relatos que, embora continue sendo um procedimento invasivo, o uso da cânula de traqueostomia quando comparada ao tubo da intubação orotraqueal (ambos do mesmo diâmetro) possibilitou uma redução da PEEP, melhora do drive ventilatório e diminuição do efeito espaço morto de 76-100mL. Dessa forma, há ainda um benefício da manutenção do paciente em normocapnia e redução da hipóxia.
O período correto para realização da traqueostomia permanece em discussão, visto que evidências (estudo TrachMan) mostram que caso indicada após longo período de intubação há um questionamento quanto à sua real necessidade (cerca de 53,7% dos pacientes). Além desse fator, não foram demonstradas diferenças significativas no desfecho da mortalidade.
Contraindicações da Traqueostomia
Pode-se citar como contraindicações:
- Hipoxemia severa (relação P/F < 100mmHg ou FiO2 > 70%).
- Necessidade de manutenção de PEEP > 10cmH20)
- Instabilidade hemodinâmica
- Hipertensão intracraniana
- Distúrbios de coagulação
A traqueostomia é um procedimento eletivo que deve ser bem avaliado com base nos riscos que pode causar ao paciente.
Complicações à Traqueostomia
Como todo procedimento invasivo, temos complicações inerentes que devem estar em mente quando indicada adequadamente. Algumas dessas complicações incluem: lesão vascular, infecção, pneumotórax, formação de granulomas, obstrução da cânula e parada cardiorrespiratória decorrente dos efeitos causados por tais complicações.
As complicações laríngeas são uma preocupação significativa após a traqueostomia e a intubação prolongada. Estudos recentes apontam que até 76% dos pacientes desenvolvem alterações na laringe, incluindo:
– Paralisia ou paresia das cordas vocais: Decorrente de compressão ou lesão do nervo laríngeo recorrente.
– Estenose subglótica: Associada à pressão do cuff e à formação de tecido cicatricial. Em casos de COVID-19 houve um aumento da incidência dessa complicação relacionada à traqueostomia.
– Disfonia persistente: Observada em até 49% dos pacientes após decanulação.
– Disfagia: Pode ocorrer devido a alterações estruturais da laringe e disfagia neurogênica.
A despeito dos benefícios mostrados, pacientes submetidos ao procedimento podem apresentar um aumento da taxa de mortalidade em 29% no momento da alta hospitalar e de 50% após a intervenção. Ainda, os pacientes estão sujeitos a conviver com complicações que favorecem a reinternação. Temos que ter atenção aos pacientes com doenças pulmonares crônicas e alinhar risco-benefício quanto à intervenção.
Nos pacientes admitidos com COVID-19 que necessitam de posição prona, apesar de não ser contraindicação formal, há uma preocupação quanto ao desposicionamento da cânula. Durante o período da pandemia, observou-se uma postergação do procedimento visto a necessidade de manutenção de PEEP elevada (o que contraindica o procedimento) além da dificuldade do manejo de aerossóis.
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Técnicas de Traqueostomia
A via percutânea mostra-se como preferencial para abordagem, podendo ser realizada no leito do paciente, diminuindo também o risco de transporte e possível estabilização do paciente grave. Há descrição na literatura de seis técnicas e guidelines sugerem o uso de ultrassonografia para auxiliar o procedimento e identificar potencial risco.
Apesar dessa indicação, a depender da expertise do cirurgião, a traqueostomia cirúrgica pode ser de escolha quando o paciente apresenta condições anatômicas que dificultam o procedimento e podem aumentar os riscos (dificuldade na anatomia cervical e obesidade).
Para minimizar a ocorrência de eventos durante a realização do procedimento, pode-se adequar a técnica a alguns cuidados a saber:
– Uso de balonetes de baixo volume e alta pressão para minimizar o impacto na mucosa.
– Monitorização rigorosa da pressão do cuff para evitar lesões traqueais.
– Escolha adequada do local da incisão para reduzir o risco de estenose.
Cuidados Pós-Traqueostomia
Para minimizar os efeitos adversos, existem uma série de cuidados como:
– Fisioterapia respiratória precoce para facilitar a remoção de secreções.
– Reabilitação fonoaudiológica para reduzir disfagia e disfonia.
– Videolaringoscopia para monitorar alterações laríngeas e intervir precocemente.
Mensagens prática
– A traqueostomia é uma opção para pacientes em ventilação prolongada, mas requer monitorização cuidadosa para prevenir complicações.
– As complicações laríngeas são frequentes e devem ser identificadas precocemente para otimizar a reabilitação.
– A prevenção de estenose traqueal e lesões laríngeas passa por técnicas adequadas de traqueostomia e manejo pós-operatório.
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