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Terapia Intensiva23 agosto 2021

Análise de pacientes com Covid-19 em UTIs brasileiras: o que aprendemos?

Um estudo analisou uma coorte de pacientes graves com Covid-19 internados em 126 UTIs nos oito primeiros meses da pandemia no Brasil. Saiba mais.

Por Filipe Amado

A pandemia por Covid-19 demanda pesquisa constante por intervenções e estratégias que ajudem a reduzir o número de infectados e a mortalidade. Estudar as características dos pacientes graves com essa nosologia é de suma importância. A análise de um grande número de pacientes permite a identificação de características epidemiológicas e temporais que podem nortear a alocação de recursos e o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas.

Nesse sentido, um grupo brasileiro publicou, na Intensive Care Medicine, o estudo Evolving changes in mortality of 13,301 critically ill adult patients with COVID-19 over 8 months. O estudo analisou uma coorte de 13.301 pacientes graves com Covid-19, internados em 126 UTIs brasileiras, no período dos oito primeiros meses da pandemia no Brasil (27 de fevereiro de 2020 a 28 de outubro de 2020). O objetivo principal do estudo foi analisar as mudanças na taxa de mortalidade durante o período e sua relação com as características clínicas e estratégias de suporte respiratório utilizadas. 

UTIs brasileiras na Covid-19

Sobre o estudo

Os pacientes incluídos na análise apresentavam Covid-19 como primeiro diagnóstico no momento  da admissão à UTI. Um total de 126 UTIs de 42 hospitais do país (maior parte deles na região sudeste) teve pacientes incluídos na amostra. O desfecho primário pesquisado foi a mortalidade hospitalar em 60 dias. Desfechos secundários como mortalidade intra-hospitalar e na UTI, assim como tempo de internação foram analisados. 

Resultados

No período do estudo, 61.471 pacientes consecutivos foram admitidos nas UTIs do estudo. Desse total, 13.301 pacientes (22%) apresentavam Covid-19, dos quais 4.188 (31%) pacientes apresentavam insuficiência respiratória aguda com necessidade de suporte ventilatório (invasivo ou não-invasivo). A mediana da idade foi de 54 anos com IQR: [41, 69]. Quase metade dos pacientes com PaO2/FiO2 disponíveis apresentaram lesão pulmonar moderada a grave. A mortalidade em 60 dias foi de 13% (1785/13.301). 

Quatro períodos de tempo foram caracterizados

Tomando como base a análise estrutural da curva de mortalidade e suas principais mudanças, quatro períodos diferentes foram determinados, visando estratificar a população estudada. Período 1 englobou os dias entre 27 de fevereiro e 25 abril. Período 2 entre 26 de abril e 06 de junho. Período 3 entre 07 de junho e 10 de agosto. Período 4 entre 11 de agosto e 28 de outubro. 

A mortalidade em 60 dias conforme período foi de: Período 1: 17%; Período 2: 18%; Período 3: 10%; Período 4: 9,6%. Os pacientes dos períodos 1 e 2 eram mais velhos e com maior fragilidade.  A maior gravidade clínica foi observada no período 2 (SAPS-3, 44 IQR: [39, 54]). Além disso, houve um aumento progressivo no uso do suporte ventilatório não-invasivo ao longo dos quatro períodos. 

Leia também: Qual o impacto da ventilação não invasiva com o Helmet na Covid-19 grave?

Suporte ventilatório invasivo e não-invasivo nas UTIs

Quanto ao suporte ventilatório, vamos aos principais pontos:

  • Houve um progressivo aumento do uso do suporte ventilatório não-invasivo ao longo dos quatro períodos – Período 1: 8,3%; Período 2: 16%; Período 3: 20%; Período 4: 25%.
  • Suporte ventilatório (invasivo e não-invasivo) foi utilizado em 31% dos pacientes (4188 pacientes de 13.301). Destes, 42% demandaram ventilação mecânica invasiva;
  • Nos pacientes (2423) que receberam suporte ventilatório não-invasivo, 2061 (85%) usaram ventilação não-invasiva por pressão positiva (NIPPV), 136 (6%) utilizaram cânula nasal de alto fluxo (CNAF) e 226 (9%) utilizaram ambos os métodos. 
  • A mortalidade intra-hospitalar em 60 dias foi maior nos pacientes que foram submetidos apenas à ventilação mecânica invasiva ou falharam na estratégia não-invasiva quando comparados aos pacientes que receberam apenas a estratégia não-invasiva ( 58 ou 51% vs. 4,6%);
  • As melhores probabilidades de sobrevida estiveram nos pacientes que utilizaram o suporte ventilatório não-invasivo como a primeira medida de suporte. Até mesmo em pacientes com falência ao suporte ventilatório não-invasivo e subsequente intubação, a sobrevida foi maior do que nos pacientes que foram colocados em ventilação mecânica invasiva como primeira medida;

Fatores associados de forma independente com mortalidade

Após análise multivariada, os autores identificaram dois fatores associados, de forma independente, à maior mortalidade em 60 dias. Foram eles: idade avançada (> 60 anos) e presença de fragilidade (Índice de Fragilidade Modificado ≥ 3). Além disso, o uso do suporte ventilatório não-invasivo como primeira medida de suporte respiratório esteve associada com maior sobrevida em 60 dias. 

Destaques dos autores

A dinâmica abordada no estudo reflete os primeiros oito meses de pandemia em áreas metropolitanas da região sudeste do país (> 70% da amostra). A amostra coletada pode não refletir a epidemiologia e as práticas adotadas na maioria das UTIs brasileiras. O estudo representa uma das maiores coortes de pacientes graves com Covid-19 da América do Sul publicada até então. Além disso, os autores reconhecem que a menor mortalidade ao longo dos períodos pode ter sido influenciada pelos avanços no tratamento da doença, como anticoagulação, corticoterapia, entre outros. Porém, o estudo não analisou dados nesse sentido.

Os autores concluíram que após um pico de hospitalizações ocorrido em Maio de 2020, a idade e a taxa de mortalidade caíram ao longo dos 5 meses subsequentes. Além disso, identificaram a associação entre o uso do suporte ventilatório não-invasivo e maior sobrevida, mesmo após ajustes para idade, fragilidade, disfunções orgânicas e conversão para ventilação mecânica. 

Mensagens práticas

  • Primeiro ponto é ter cautela na interpretação dos dados, uma vez que são de natureza observacional;
  • O refletido pelo estudo é o que de fato vimos em várias regiões do país. Inicialmente, um elevado número de mortes. Muitos pacientes sendo intubados como primeira medida e um menor uso do suporte ventilatório não-invasivo;
  • Ao longo da pandemia, percebemos uma menor taxa de mortalidade em alguns centros e um maior uso do suporte não-invasivo;
  • Chama atenção fatores clínicos ligados à mortalidade em 60 dias, como presença de disfunção de múltiplos órgãos, uso de ventilação mecânica invasiva, idade (> 60 anos) e fragilidade. Estes dois últimos associados de forma independente a maior mortalidade; 
  • Um destaque que a evidência traz é a associação independente do uso do suporte ventilatório não-invasivo com maior sobrevida; 
  • Estudo brasileiro bem desenhado e conduzido. Uma das maiores amostras já publicadas até o momento entre países da América do Sul. Ajuda a entender o comportamento da Covid-19 no nosso país, norteando pesquisas adicionais. 

Referências bibliográficas:

  • Kurtz P, Bastos LSL, Dantas LF, et al. Evolving changes in mortality of 13,301 critically ill adult patients with COVID-19 over 8 months. Intensive Care Med. 2021;47(5):538-548. doi: 10.1007/s00134-021-06388-0

 

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