Um relatório de pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) reconhece o pioneirismo do Brasil no combate às hepatites virais nas últimas décadas. Foram mencionadas iniciativas como a criação do Programa Nacional de Hepatites Virais (PNHV) dez anos antes da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecê-las como um problema global de saúde pública.
“O Brasil sem dúvida foi pioneiro na América Latina na estruturação do programa do enfrentamento em hepatites virais e um dos primeiros países do mundo a estruturar um programa ministerial com políticas públicas de saúde para o enfrentamento da hepatite viral”, recordou o médico hepatologista Raymundo Paraná, professor titular da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que não participou do relatório, em entrevista ao Portal PEBMED.
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O médico completou: “A partir do ano de 2002, o PNHV tomou corpo e envolveu maior complexidade, gerando um dos melhores programas de enfrentamento dessa enfermidade em nosso meio. Naquela época, a situação era difícil no país, com a estimativa que teríamos no país entre 1.500.000 e 3.000.000 somente de portadores de hepatite C”.
De acordo com a autora principal do relatório, Andreza Davidian, o PNHV tem como base a experiência bem-sucedida do Programa de HIV/Aids. No escopo do Programa Nacional, a coordenação do Ministério da Saúde viabilizou negociações com a indústria farmacêutica para ampliar o acesso a medicamentos e reduzir o custo do tratamento. Simultaneamente, a estrutura de assistência gratuita do Sistema Único de Saúde (SUS) garantiu o manejo dessas doenças na atenção primária.
Enfrentamento em conjunto
O segundo grande marco da área de saúde no país foi a integração das estratégias de enfrentamento das hepatites virais e IST/Aids em um mesmo departamento do Ministério da Saúde a partir de 2010 e, mais recentemente, de outras condições crônicas e transmissíveis, como tuberculose e hanseníase.
O estudo aponta que, embora as mudanças recentes tenham sido avaliadas como um retrocesso na visão de diversos setores da sociedade, elas correspondem a um processo global consoante à preconização da atenção primária, como estratégia principal para promover saúde para todos. Ainda assim, o Brasil também foi pioneiro, visto que somente em 2015 as estratégias globais de enfrentamento a essas condições passaram a ser conjuntas.
“Durante 20 anos o PNHV se estruturou, passou por processo de fusão e de separação com o programa de AIDS, mas sempre se manteve firme das suas políticas públicas no sentido de oferecer acesso ao diagnóstico e ao tratamento desta doença. Assim sendo, somos um dos poucos países que oferecem acesso ao tratamento e ao diagnóstico de hepatite B e C no serviço público de saúde, embora ainda tenhamos sérias dificuldades, uma vez que para o sucesso do programa é necessário ter atenção básica de saúde muito engajada, o que ainda não é possível na realidade atual brasileira”, lamentou o médico Raymundo Paraná, que também foi ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) e da Associação Latino-Americana para o Estudo do Fígado (ALEH).
Avaliação da resposta nacional às hepatites virais
Segundo a autora do relatório, a pesquisa tem por objetivo contribuir para uma avaliação da resposta nacional às hepatites virais e às novas crises de saúde pública. Dentres essas crises, está a emergência da hepatite aguda infantil de origem desconhecida, notificada pelo Ministério da Saúde em maio deste ano.
Para o médico Raymundo Paraná, o grande desafio é o diagnóstico precoce. “A ausência de um plano de carreira para os médicos no SUS faz com que atenção básica seja povoada por médicos jovens, algumas vezes oriundos de faculdades de medicina que não tiveram condições de aplicar o treinamento mínimo para a formação de um jovem médico capacitado para atuar nas unidades básicas de saúde. Ademais, as equipes das unidades básicas de saúde, justamente pela falta de um plano de carreira, são voláteis, o que dificulta o treinamento e o engajamento em políticas públicas de saúde”, concluiu Paraná.
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