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Saúde25 novembro 2025

Novembro Azul: Panorama atual do câncer de próstata

Neste Novembro Azul, nosso especialista Gabriel Madeira fala sobre alguns tópicos de grande importância no trato do câncer de próstata

No âmbito do Novembro Azul e com o objetivo de discutir alguns tópicos atuais sobre o câncer de próstata, o Portal Afya entrevistou nosso colaborador, Gabriel Madeira Werberich, médico especialista em Oncologia Clínica pelo INCA e mestre em medicina pela UFRJ.   

Nesse mês de novembro de 2025, devido a campanha do Novembro Azul, foram publicadas notícias sobre o aumento dos atendimentos por câncer de próstata entre homens mais jovens, o que explica essa tendência?   

Primeiro, é importante colocarmos as coisas em perspectiva.  

No Brasil, o câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais frequente entre homens, com estimativa de 71.730 novos casos por ano entre 2023 e 2025. A maioria acontece em homens mais velhos: cerca de 75% dos casos no mundo ocorrem a partir dos 65 anos, e, no Brasil, 9 em cada 10 homens diagnosticados têm mais de 55 anos. Mesmo assim, a gente está vendo mais jovens chegando no consultório com o diagnóstico. Em um estudo brasileiro com registros de dois municípios, só 2,6% dos casos eram em homens com menos de 50 anos, mas esse grupo existe e vem chamando mais atenção.  

Estudos internacionais também mostram que algo em torno de 10% dos diagnósticos ocorrem em homens com 55 anos ou menos. Temos mais homens fazendo o exame: acesso a campanhas como o Novembro Azul; maior acesso a PSA e mais informação fazem com que homens procurem o urologista mais cedo (quando você olha mais, você acha mais); alterações de estilo de vida (obesidade, sedentarismo, alimentação rica em gordura animal e ultraprocessados, além de consumo de álcool e tabagismo, estão ligados a maior risco de vários cânceres.  

No câncer de próstata, sobrepeso e obesidade já são reconhecidos como fatores de risco); genética e história familiar (uma parte dos casos em homens jovens está ligada a herança genética, especialmente quando há vários parentes de primeiro grau com câncer de próstata ou mutações como BRCA2). Uma comparação simples para entender melhor: pense no corpo como um terreno. A genética é o “tipo de solo”; o estilo de vida são as “condições do clima” (alimentação, peso, atividade física). Um solo mais sensível somado a um “clima ruim” pode fazer o tumor aparecer mais cedo.  

Leia também: Câncer de próstata pode ter uma taxa de cura de até 98%, diz especialista da SBU

Então esse crescimento indica uma maior incidência real da doença por questões de estilo de vida ou apenas uma melhora na detecção do câncer de próstata?  

É um pouco dos dois. Temos a melhora na detecção, como vemos em muitos países, inclusive o Brasil, houve aumento no uso do PSA e de consultas com urologistas, o que leva a achar tumores que antes passariam despercebidos. Por exemplo, nos Estados Unidos, estimativas mostram que 1 em cada 350 homens abaixo de 50 anos será diagnosticado com câncer de próstata em algum momento da vida, mas a chance sobe muito mais com a idade. 

Também temos a maior incidência real em pessoas mais jovens. Vários estudos mostram um aumento global de cânceres em menores de 50 anos, não só de próstata, associado a dieta ocidental, sedentarismo, obesidade e outros fatores ambientais. 

Então, não é somente porque estamos olhando mais e detectando mais. Parte desse aumento parece ser realmente um crescimento da doença, ainda que em números menores quando comparados aos homens acima de 60.  

E como o médico deve interpretar esses dados em relação às estratégias de rastreamento?  

Aqui entra um ponto delicado: rastreamento em massa (todo mundo fazer exame) não é a mesma coisa que diagnóstico precoce bem-feito. 

No Brasil, existe um certo “choque de visões”. O Ministério da Saúde e o INCA não recomendam rastreamento de rotina (PSA e toque) para todos os homens sem sintomas, porque as evidências mostram um equilíbrio complicado entre benefícios e riscos. Há risco de achar tumores muito indolentes, tratar demais e causar efeitos colaterais como incontinência urinária e disfunção erétil.  

Já a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e outras sociedades especializadas defendem que o rastreamento seja discutido de forma individualizada, recomendando que homens a partir de 50 anos, e aqueles de 45 anos se forem negros ou tiverem parente de primeiro grau com câncer de próstata, conversem com o médico sobre fazer PSA e toque retal. 

Na prática, o médico precisa fazer três coisas: 

  • Avaliar o risco individual: idade, cor/raça, história familiar, obesidade, acesso à saúde. 
  • Explicar claramente os prós e contras: chance de salvar vidas detectando tumores agressivos cedo x risco de detectar tumores que nunca causariam problema e levar a tratamentos desnecessários. 
  • Decidir junto com o paciente: isso se chama decisão compartilhada. Não é só o médico “mandar fazer”, nem o paciente “decidir” sem ficar sabendo dos prós e dos contras da decisão que ele tomar. 

Com o aumento de diagnósticos em pacientes mais jovens, a mensagem não é “todo mundo tem que rastrear cedo”, mas sim “não tratar todos os homens como iguais”. Quem tem mais risco merece começar a ser acompanhado mais cedo e de forma mais próxima.  

Abordando outra questão, hoje, quais os principais desafios para garantir o diagnóstico precoce no Brasil?  

Temos pelo menos quatro grandes obstáculos: 

  • Acesso desigual à saúde: em grandes capitais, é relativamente fácil encontrar urologista e fazer PSA. Em muitas regiões do interior, o homem demora meses para conseguir consulta e exame. Especialistas apontam que 30% a 35% dos brasileiros ainda descobrem o câncer de próstata em estágio avançado, segundo dados citados pelo próprio INCA. 
  • Tabu e preconceito: muitos homens ainda evitam o consultório por medo do toque retal, vergonha ou aquela ideia de que “homem não adoece, homem aguenta”. Isso faz com que eles cheguem tarde, muitas vezes já com dor óssea indicando metástases ou dificuldade para urinar. 
  • Desinformação sobre sintomas: o câncer de próstata no início quase sempre não dá sintomas. Quando aparecem sinais como jato fraco de urina, levantar muitas vezes à noite para urinar, sangue na urina, esses sintomas muitas vezes são atribuídos ao “envelhecer” ou à hiperplasia benigna, e o paciente olha só como algo “normal da idade”. 
  • Falta de políticas contínuas: temos campanhas fortes em novembro, mas pouca continuidade o resto do ano. Não há um programa nacional de rastreamento organizado como existe, por exemplo, para câncer de colo de útero ou mama em alguns lugares, ainda mais quando há divergências entre o Ministério da Saúde/INCA e a Sociedade Brasileira de Urologia quanto ao rastreamento (e ambas estão corretas, uma vez que é um assunto de intenso debate, como falei acima) 

No fim, o diagnóstico precoce depende de informação + acesso + acompanhamento. Não adianta falar de PSA se o paciente não consegue chegar ao urologista.  

Saiba mais: SUS terá cirurgia robótica para câncer de próstata após decisão da Conitec 

Pensando agora no manejo do paciente, em quais casos o rastreamento deve começar mais cedo e como individualizar a decisão?  

De forma simples, dá para pensar em três grupos: 

  • Risco habitual (homens sem histórico familiar e não negros): muitas sociedades sugerem conversar sobre rastreamento por volta dos 50 anos. 
  • Maior risco (homens negros, que têm maior risco de ter câncer de próstata e, muitas vezes, tumores mais agressivos; e homens com pai, irmão ou avô com câncer de próstata, principalmente se o diagnóstico foi antes dos 60 anos): para esse grupo, SBU e outras entidades recomendam começar a discutir rastreamento a partir dos 45 anos, podendo até pensar em 40 anos em famílias com vários casos ou com mutações genéticas conhecidas. 
  • Quem não deve ser rastreado de rotina: Homens com expectativa de vida menor que 10 anos (por outras doenças graves, idade muito avançada etc.), porque é pouco provável que um tumor de próstata localizado vá causar problema antes de outras condições. 

E como individualizar na prática? O médico olha idade, histórico familiar, raça/cor, comorbidades e expectativa de vida, além de valores e preferências do paciente. Deve conversa sobre o que é PSA; o que é toque retal; que nem todo PSA alterado é câncer; e que nem todo câncer precisa ser operado (há casos de vigilância ativa).  

Campanhas como o Novembro Azul contribuem para fortalecer o cenário de cuidado com o câncer de próstata?  

Campanhas como o Novembro Azul têm um papel fundamental, mesmo com todas as discussões sobre rastreamento. 

O Novembro Azul nasceu inspirado no movimento Movember, na Austrália, em 2003, voltado à saúde do homem com foco em câncer de próstata e outros temas como câncer de testículo, saúde mental e prevenção do suicídio. No Brasil, virou uma grande campanha de conscientização, com participação da Sociedade Brasileira de Urologia e de várias entidades. 

Essas campanhas já ajudaram a mudar muitas coisas. Elas colocaram o tema de saúde do homem na conversa do dia a dia, e podemos perceber isso porque se fala muito mais em próstata, PSA, toque retal e saúde do homem hoje em dia do que há 10-15 anos. Isso por si só já é uma quebra de tabu. Elas fazem o homem dar o primeiro passo para procurar o serviço de saúde, abrem espaço para falar de rastreamento com mais maturidade e não falam somente “vá fazer exame”, mas sim para o homem entender os ricos e benefícios do rastreamento e cuidar da saúde como um todo (peso, alimentação, atividade física, parar de fumar). 

Há, claro, críticas importantes: alguns autores brasileiros apontam que parte das mensagens do Novembro Azul, no começo, simplificava demais o tema, como se todo homem precisasse obrigatoriamente fazer PSA todo ano. Hoje a tendência é sofisticar a conversa, falando em decisão compartilhada e evitando alarmismo. 

Em resumo, campanhas como o Novembro Azul ainda são muito necessárias. Elas funcionam como uma “porta de entrada”, aproximando o homem do consultório, quebrando preconceitos e ajudando a salvar vidas quando o câncer é descoberto cedo. O desafio agora é dar o próximo passo, que é levar uma informação mais completa, que fale não só de fazer exame, mas de fazer isso de forma consciente, individualizada e com acompanhamento adequado. 

Autoria

Foto de Raphael Martins Lisboa

Raphael Martins Lisboa

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