Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o laboratório farmacêutico Cristália, desenvolveram um medicamento experimental que pode mudar a vida de pessoas com lesão na medula espinhal. O fármaco, batizado de Polaminina, tem como base a laminina, molécula encontrada na placenta humana, e mostrou resultados promissores em testes iniciais com seis pacientes.
Como funciona o tratamento?
A laminina é estudada há mais de 25 anos pela professora Tatiana Coelho de Sampaio, da UFRJ. Presente desde formas de vida primitivas, como esponjas marinhas, a molécula tem papel fundamental na sobrevivência celular e no desenvolvimento de neurônios. Sua capacidade de neuroproteção e regeneração chamou a atenção dos cientistas, que decidiram aplicá-la em casos de lesão medular.
O medicamento é administrado diretamente na medula espinhal, em doses mínimas de cerca de 1 μg/kg (um micrograma por quilo) e preferencialmente nos primeiros dias após a lesão. O objetivo é restabelecer a comunicação interrompida entre o cérebro e o corpo, condição que leva a quadros de paraplegia ou tetraplegia.
Resultados obtidos até agora em pessoas com lesão na medula espinhal
Desde 2018, seis pacientes com lesões completas, classificadas como nível A (sem movimento ou sensibilidade), vêm sendo acompanhados. Cinco deles alcançaram o nível C, recuperando parte da força e da mobilidade.
Um dos casos mais marcantes é o de um jovem que sofreu um acidente de trânsito aos 23 anos e perdeu todos os movimentos abaixo do pescoço. Após receber o medicamento nas primeiras 24 horas e iniciar fisioterapia imediata, o rapaz recuperou gradualmente a capacidade de andar e movimentar os braços.
Outra paciente, que iniciou o tratamento três anos após sofrer uma lesão cervical. Mesmo sendo um caso crônico, ela conquistou ganhos significativos, como dirigir a própria cadeira de rodas e integrar a seleção brasileira de rugby em cadeira de rodas.
Segurança e limitações
Até agora, não foram identificados efeitos colaterais graves atribuídos ao fármaco. Sintomas observados, como dores de cabeça e constipação, foram relacionados ao contexto da lesão e não ao medicamento.
Entretanto, os próprios pesquisadores reconhecem limitações. Ainda não se sabe se doses maiores poderiam trazer melhores resultados ou se o tratamento pode ser repetido. Também não há dados suficientes para determinar o tempo de duração dos efeitos ou a eficácia em larga escala, já que o estudo envolveu um número pequeno de pacientes e não contou com grupo de controle.
Próximos passos
Para avançar, o Polaminina precisa passar pelas etapas formais de validação regulatória. O próximo estágio é a fase 1 de ensaios clínicos, que avalia a segurança da substância em um grupo reduzido de voluntários. Essa etapa depende da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A farmacêutica Cristália prevê que a fase inicial envolva pelo menos cinco novos pacientes, em hospitais como o Hospital das Clínicas e a Santa Casa de São Paulo, que já têm contratos pré-aprovados. Caso o processo regulatório siga o ritmo esperado, os pesquisadores estimam que o medicamento poderia estar disponível em cerca de três anos.
O papel da Anvisa
Até o momento, a Anvisa informou não ter recebido pedido formal para iniciar os testes clínicos em humanos. Segundo a agência, desde 2022 têm sido realizadas reuniões técnicas com a farmacêutica para ajustar a documentação e os dados necessários. Atualmente, o órgão aguarda informações adicionais sobre estudos pré-clínicos, etapa indispensável para avaliar a segurança antes da aplicação em pessoas.
Em nota, a Anvisa ressaltou que, apesar dos resultados promissores, não é possível ainda afirmar que a substância seja segura e eficaz. O processo regulatório segue as normas internacionais, que exigem cautela e validação em várias fases antes da liberação de um novo medicamento.
Esperança cautelosa
Embora o Polaminina represente um avanço inédito e desperte expectativas, os especialistas reforçam que se trata de um estudo experimental. O número reduzido de pacientes não permite conclusões definitivas, mas abre caminho para novas pesquisas.
Se comprovada sua eficácia, a substância poderá inaugurar uma nova era no tratamento de lesões medulares, oferecendo a pacientes com tetraplegia e paraplegia uma chance concreta de recuperação da mobilidade, algo até então considerado impossível pela medicina.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.