Em meio a novos vírus com potencial pandêmico, um surto de pneumonia bilateral na Argentina chamou a atenção. Inicialmente de causa desconhecida, o número crescente de casos próximos preocupou as autoridades pela possibilidade de se tratar de uma doença respiratória e de fácil transmissão.
Após alguns dias de investigação, a etiologia dos casos foi determinada: Legionella spp. Apesar de ser pouco comum, essa bactéria é um agente conhecido de surtos intra-hospitalares. Sendo uma doença potencialmente grave, pneumonias por Legionella spp. devem ser rapidamente reconhecidas e tratadas.
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Etiologia e epidemiologia
Legionella spp. é um gênero de bactérias Gram-negativas intracelulares, popularmente conhecidas como bactérias atípicas. Dentro do gênero, L. pneumophila é a espécie de maior importância médica, podendo ser causa de pneumonias comunitárias ou hospitalares.
Dentre os pacientes com pneumonia comunitária por atípicos, os com legionelose apresentam maior probabilidade de terem doença grave, caracterizada por maior anormalidade de sinais vitais, presença de infiltrados pulmonares mais extensos e necessidade de internação em unidades de terapia intensiva (UTI).
Os sorotipos 1, 4 e 6 são os mais comumente isolados em indivíduos com pneumonia comunitária grave por L. pneumophila, com 90% de todos os casos de legionelose sendo causados pelo sorotipo 1. Outras espécies, como L. micdadei, L. bozemanae, L. longbeachae e L. dumoffi, correspondem aos outros casos de pneumonia por Legionella spp.
Fatores associados a maior gravidade e mortalidade incluem extremos de idade, aquisição intra-hospitalar, presença de comorbidades e atraso no início de antibioticoterapia. Tabagismo também é considerado como um fator predisponente para doença, e imunossupressão, envolvimento bilateral com hipoxemia grave e necessidade de oxigenoterapia e hiponatremia estão associados a pior prognóstico.
A transmissão não é pessoa-a-pessoa, mas por inalação de aerossóis ou aspiração de água contaminados. Surtos nosocomiais estão relacionados à contaminação de uma fonte comum, geralmente em equipamentos que armazenam ou acumulam água, como tanques ou redes de ar-condicionado.
Casos na Argentina
Até as últimas atualizações, foram identificados 11 casos em uma clínica privada em São Miguel de Tucumã, no noroeste da Argentina, com 4 óbitos. Os indivíduos infectados são, em sua maioria profissionais de saúde e exibiram sintomas como febre, mialgia, dor abdominal, diarreia e dispneia.
Quadro clínico e alterações laboratoriais
A infecção por Legionella spp. pode resultar em doença respiratória de diferentes gravidades. Os sinais e sintomas são inespecíficos e isoladamente não permitem distinguir casos de legionelose de casos de outras etiologias. Os sintomas mais frequentes são febre, tosse, calafrios, dispneia, anormalidades neurológicas, mialgia ou artralgia, diarreia, dor torácica, cefaleia e náuseas ou vômitos.
Apesar da inespecificidade, algumas características sugerem Legionella spp. como agente. Sintomas respiratórios costumam ser menos proeminentes no início do quadro e sintomas gastrointestinais, como dor abdominal súbita e diarreia aquosa, podem ser as primeiras manifestações. Também não há achados radiológicos específicos de legionelose. Entretanto, os casos estão tipicamente associados à piora rápida de infiltrados pulmonares, que pode continuar mesmo após início de antibioticoterapia adequada. Cavitações podem estar presentes, sendo mais encontradas em pacientes imunossuprimidos.
Outras alterações clínicas e laboratoriais, embora mantenham inespecificidade, classicamente vêm sendo associadas com infecções por Legionella spp., tais como hiponatremia, hipofosfatemia, aumento de transaminases, alterações de consciência, cefaleia, diarreia, dor pleurítica precoce e disfunção renal aguda concomitante. Os achados mais consistentemente encontrados na literatura incluem hiponatremia, sintomas gastrointestinais, dissociação pulso-temperatura com bradicardia relativa (sinal de Faget), presença de neutrófilos sem identificação de bactérias na bacterioscopia e surtos intra-hospitalares.
Tratamento
O tratamento de escolha envolve a administração de quinolonas respiratórias ou macrolídeos. Terapia combinada dessas duas classes pode ser utilizada em casos graves e refratários. A duração da terapia é de 7 a 10 dias para os quadros moderados a graves e um curso de 21 dias de levofloxacino é recomendado em imunossuprimidos. Doxiciclina também é considerada uma opção terapêutica. Embora alguns trabalhos sugiram benefício de corticoides, mais estudos são necessários para sua recomendação.
A recuperação pode ser lenta, não sendo incomum a presença de sintomas persistentes, especialmente fadiga, sintomas neurológicos e sintomas neuromusculares.
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