Como abordar o edema na atenção primária à saúde?
Na atenção primária à saúde recebemos pacientes em diferentes estágios do processo saúde-doença, neste texto abordaremos os casos de edema.
Na atenção primária à saúde (APS) recebemos os pacientes em diferentes estágios do processo saúde-doença:
- Antes de adoecer.
- No início de uma doença quando os sintomas ainda são indiferenciados e inespecíficos.
- No “auge” da doença, com os sinais e sintomas clássicos manifestos.
- Pós-complicações de determinada situação, cabendo a nós promover reabilitação quando possível e qualidade de vida em todos os casos.
Vamos abordar o tema edema. Para isso, vamos recapitular sua fisiopatologia, principais causas e diagnósticos diferenciais, a fim de nos orientar na primeira abordagem de um paciente que se encontre com edema.
Edema é um acúmulo anormal de líquido no espaço intersticial. A constituição desse líquido e o que o fez ficar acumulado no interstício é o que vai nos auxiliar na abordagem do paciente, pensando nas possíveis causas e, portanto, em seus tratamentos.
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Entendendo a fisiopatologia do edema
Para isso, precisamos lembrar de cinco conceitos básicos:
- Pressão hidrostática: é a força exercida pelo sangue contra a parede do vaso — “empurrando” o líquido para fora do vaso.
- Pressão oncótica: é a força exercida pelas proteínas plasmáticas (albumina é a maior responsável), que são impermeáveis à parede do vaso — “puxando” líquido para dentro do vaso.
- Vasos sanguíneos: são a base do nosso sistema circulatório, responsáveis pelo transporte sanguíneo e pelas trocas. A pressão hidrostática é maior na porção arteriolar do que na porção venular. Por sua vez, a pressão oncótica é basicamente constante, já que a composição de proteínas plasmáticas é igual nas duas porções.
- Interstício: espaço entre células e vasos que recebe os excessos de líquidos provenientes da resultante de forças hidrostáticas e oncóticas arteriolares e venulares. Conhecido como “terceiro espaço”.
- Vasos linfáticos: responsáveis por drenar o líquido excedente do interstício.
Entendendo esses conceitos, podemos pensar nas alterações fisiopatológicas possíveis que levam nosso organismo a gerar o edema e presumir suas etiologias.
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Alterações possíveis
- Aumento do extravasamento de líquido pelo vaso sanguíneo por elevação da pressão hidrostática: pode acontecer se o paciente está hipervolêmico (insuficiência cardíaca, insuficiência renal) ou se existe algum tipo de obstrução na circulação venosa (insuficiência venosa, cirrose hepática).
- Aumento do extravasamento de líquido pelo vaso sanguíneo por alteração da permeabilidade capilar: diversas situações podem alterar a permeabilidade capilar gerando edema, por exemplo: trauma, infecção, queimadura, reação alérgica. Dica: nesses casos o edema será localizado.
- Redução do retorno de líquido para o vaso por redução da pressão oncótica capilar: o que pode reduzir a pressão oncótica é a perda proteica ou redução de sua produção, podendo estar presente na desnutrição, insuficiência hepática, síndrome nefrótica, enteropatia perdedora de proteínas.
- Redução da captação de líquido do interstício por alteração no sistema linfático: o exemplo clássico é a filariose (elefantíase). Mas pode acontecer como sequela pós-cirúrgica, compressão tumoral, doenças congênitas, entre outras.
Sabendo de onde pode vir o edema e quais são suas principais causas, podemos ir para a abordagem prática de um paciente que chega com a queixa de edema.
O que devemos avaliar primeiro?
- Qual a localização do edema? É bem localizado ou está generalizado, sugerindo anasarca (nos fazendo pensar em doenças sistêmicas)?
- É agudo ou crônico? Esmiuçar a evolução do edema. Alguns casos são urgência, exemplo: edema agudo de membro inferior unilateral doloroso, devemos excluir trombose venosa profunda.
- É pulmonar ou periférico? Pesquisar ativamente sinais de edema pulmonar e outros derrames cavitários (pleural, pericárdico, peritoneal e articular).
Depois da avaliação, podemos chegar a hipóteses diagnosticas mais acuradas. Assim, podemos guiar nossos exames complementares e testes terapêuticos de forma mais segura, evitando intervenções desnecessárias e potencialmente maléficas ao paciente.
Quanto ao tratamento, certamente dependerá da causa e da evolução. Traumas, alergias, infecções e edema linfático pós-cirúrgico requerem tratamento específico, como imobilização ou cirurgia; antialérgicos e investigação; drenagens linfáticas. Outros como insuficiência cardíaca e insuficiência renal exigirão otimização da patologia de base e controle sintomático rigoroso. Nos casos de hipervolemia, os diuréticos, principalmente os de alça, tem um papel de destaque devido a sua capacidade de reduzir volume intravascular (cuidar com baixo débito).
Caso clínico: mulher com edema labial e periorbital
Enfim…
O edema é uma queixa comum na APS. Entender sua fisiopatologia é necessário para realizar um raciocínio clínico e melhorar a avaliação diagnóstica. Nem sempre precisamos de muitos exames complementares, as respostas podem estar na anamnese e no exame físico. Devemos nos atentar para a duração, localização e evolução do edema. Os diuréticos são drogas importantes no tratamento e alívio dos sintomas, porém, não funcionam para todo tipo de edema, por isso, é mandatório seguir com hipóteses diagnosticas bem estruturadas.
E você, tem dificuldade na abordagem do edema na atenção primária? Já atendeu algum caso de difícil manejo? Ficou com alguma dúvida?
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Referências bibliográficas:
- Kasper DL, et al. Manual de Medicina de Harrison. McGraw Hill Brasil, 2017, capítulo 36.
- Guyton AC, Hall JE, Guyton AC. Tratado de fisiologia médica. Elsevier Brasil, 2006.
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