A cefaleia em trovoada é uma das emergências neurológicas mais desafiadoras da prática clínica. Trata-se de uma dor súbita, de início abrupto e intensidade máxima em segundos ou minutos — uma verdadeira “explosão” cefálica — que pode indicar condições potencialmente fatais, como a hemorragia subaracnóidea (HSA).
Um artigo publicado na BMJ (2025) reuniu as principais orientações práticas sobre o diagnóstico e investigação da cefaleia em trovoada, destacando como o reconhecimento precoce e a abordagem sistemática são determinantes para o prognóstico do paciente .
Principais mensagens do artigo sobre cefaleia em trovoada
A revisão reforça que a cefaleia em trovoada exige uma avaliação imediata e estruturada, pois atrasos no diagnóstico estão associados a piores desfechos clínicos. O artigo apresenta uma síntese prática das principais causas e do passo a passo da investigação.
1. Diagnósticos que não podem ser perdidos
As causas potencialmente graves incluem:
- Hemorragia subaracnóidea (HSA) — principal diagnóstico a ser descartado;
- Hemorragia intracraniana (HIC);
- Dissecção arterial (carótida, vertebral ou basilar);
- Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível (SVCR);
- Trombose venosa cerebral (TVC);
- Meningite e encefalite;
- Glaucoma agudo de ângulo fechado e apoplexia hipofisária .
O diagnóstico de cefaleia em trovoada primária deve ser considerado apenas após a exclusão rigorosa de todas as causas secundárias.
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Hemorragia subaracnóidea: o diagnóstico mais crítico
A HSA continua sendo a principal preocupação inicial. O artigo destaca que 40% a 50% dos pacientes com HSA estão alertas e têm apenas cefaleia intensa, sem sinais neurológicos focais. Isso explica por que cerca de um em cada quatro casos é inicialmente subdiagnosticado.
A mortalidade global é de 34% a 38%, e apenas metade dos sobreviventes recupera independência funcional após 12 meses .
Ferramentas diagnósticas recomendadas
1. Tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste
- Deve ser realizada nas primeiras seis horas após o início da cefaleia;
- Sensibilidade próxima de 100% nesse período;
- Após seis horas, caso o exame seja normal, deve-se realizar punção lombar (PL) ou angiotomografia computadorizada (ATC) .
2. Punção lombar (PL)
- Indicada quando a TC é negativa, mas a suspeita de HSA persiste;
- O líquor é diagnóstico se houver xantocromia ou persistência de hemácias nas últimas amostras;
- A acurácia é maior se o exame for realizado até sete dias após o início da cefaleia.
3. Angiotomografia computadorizada (ATC)
- Útil para confirmar aneurismas e outras causas vasculares;
- Pode substituir a PL em situações específicas, como: contraindicação ao procedimento, recusa do paciente, ou suspeita de outras etiologias vasculares (dissecção, SVCR, TVC).
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Regra de Ottawa para HSA
O artigo reforça a importância da Regra de Ottawa para HSA, uma ferramenta clínica com sensibilidade de 100%, destinada a identificar pacientes com baixo risco de hemorragia subaracnóidea e evitar exames desnecessários.
Os critérios que indicam necessidade de investigação incluem:
- Idade ≥ 40 anos;
- Início durante esforço;
- Perda de consciência;
- Rigidez de nuca ou dor cervical;
- Limitação da flexão cervical no exame
- Cefaleia tipo Trovoada (Pico em < 1 min)
Ou seja basta 1 dos critérios acima para investigar o paciente.
Outras causas importantes
Além da HSA, o artigo destaca outras condições que podem se apresentar com cefaleia em trovoada:
- Dissecção arterial: dor localizada no pescoço ou face, podendo preceder acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI);
- SVCR: cefaleia recorrente, mais frequente em mulheres e no período pós-parto;
- Meningite: cefaleia associada a febre e rigidez de nuca, devendo ser tratada imediatamente, sem atrasos para exames de imagem;
- Glaucoma agudo de ângulo fechado: dor ocular intensa, visão borrada e pupila média fixa.
Por que este artigo é importante?
A cefaleia em trovoada é uma emergência neurológica. Cada hora de atraso pode significar maior risco de morte ou incapacidade permanente.
O estudo da BMJ (2025) mostra que uma estratégia sequencial — TC sem contraste nas primeiras seis horas, seguida de PL ou ATC conforme a evolução — é a forma mais segura e eficaz de conduzir o caso.
Além disso, o artigo propõe integrar protocolos clínicos, neurologia, neuroimagem e educação médica continuada para reduzir erros diagnósticos e melhorar o cuidado de pacientes com cefaleia súbita e intensa.
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Conclusão
A cefaleia em trovoada não é apenas uma dor de cabeça intensa — é um sinal de alerta. O reconhecimento precoce, a aplicação da Regra de Ottawa, a realização de TC de crânio sem contraste nas primeiras horas e a investigação complementar adequada são medidas fundamentais para reduzir mortalidade e sequelas.
A mensagem é clara: toda cefaleia súbita e devastadora deve ser tratada como uma emergência neurológica até prova em contrário.
Autoria

Thiago Nascimento
Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.
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