Diferentes vacinas contra a Covid-19 receberam aprovação emergencial para uso no Brasil e em diversos países do mundo. Dentre elas, a CoronaVac, uma vacina composta por vírus inativado, foi e continua sendo amplamente utilizada nos esforços de vacinação em nosso país. Apesar do seu grande uso, sua imunogenicidade em pacientes com doenças autoimunes não é conhecida.
Para responder a essa questão, pesquisadores da disciplina de Reumatologia da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um estudo de fase 4 no qual avaliaram a eficácia e segurança da CoronaVac em pacientes com doenças reumáticas imunomediadas (DRIM). O artigo foi publicado na revista Nature Medicine (fator de impacto 2019: 36.130).
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Métodos
Trata-se de um estudo fase 4 conduzido em centro único (Hospital das Clínicas da USP), com registro no ClinicalTrials.gov sob o número NCT04754698. O esquema vacinal utilizado foi o padrão recomendado para a CoronaVac (2 doses, aplicadas no D0 e D28).
Foram incluídos pacientes com DRIM (artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, espondiloartrites axiais, artrite psoriásica, vasculites sistêmicas primárias, síndrome de Sjögren primária, esclerose sistêmica, miopatias inflamatórias idiopáticas e síndrome antifosfolípide) ≥ 18 anos de idade. O grupo controle foi obtido a partir de pareamento para sexo e idade (até ± 5 anos). Nenhum dos casos ou dos controles havia sido vacinado contra a Covid-19. Doenças bem controladas foram permitidas no grupo controle, exceto doenças autoimunes, uso de imunossupressores ou infecção pelo HIV.
Diversos critérios de exclusão foram aplicados e podem ser consultados no artigo original ou no ClinicalTrials.gov.
Foram realizadas análises de imunogenicidade (níveis séricos de IgG contra as proteínas S1/S2 do SARS-CoV-2, títulos médicos geométricos [GMT] e fator de incremento no GMT [FI-GMT], além da análise de anticorpos neutralizantes, todos avaliados através da coleta de sangue em 3 momentos diferentes: D0 [antes da primeira dose], D28 [antes da segunda dose] e D69 [6 semanas após a segunda dose]) e de segurança. Dentre eles, o desfecho primário definido foi a presença de IgG contra as proteínas S1/S2 do SARS-CoV-2 e de anticorpos neutralizantes 6 semanas após o esquema vacinal completo.
Pacientes com positividade prévia para IgG ou anticorpo neutralizantes foram excluídos da análise de imunogenicidade, assim como casos incidentes de Covid-19 após a primeira dose da vacina.
Resultados
Foram incluídos 910 pacientes com DRIM e 182 controles. A maioria dos pacientes eram do sexo feminino (76,9%), com uma mediana de idade de 50 (40-60) e 51 (41-60) anos, respectivamente.
Com relação ao desfecho primário, os sujeitos do grupo controle apresentaram taxas de soroconversão maiores do que os do grupo com DRIM (95,5% vs. 70,4%, p < 0,0001). Isso também foi observado para a positividade de anticorpos neutralizantes (79,3 vs. 56,3%, p < 0,0001).
Os desfechos secundários, como GMT, FI-GMT e atividade neutralizante, também foram menores no grupo de pacientes com DRIM, exceto para a atividade neutralizante no D28 (antes da segunda dose).
Dentre os fatores que influenciaram negativamente a soroconversão e a positividade para anticorpos neutralizantes em pacientes com DRIM, os autores encontraram: idade avançada, sexo feminino, uso de prednisona (principalmente se doses ≥ 20 mg/dia ou equivalente) ou imunossupressores. Após a análise multivariada, idade ≥ 60 anos, prednisona, metotrexato, micofenolato mofetil, anti-TNF, abatacepte e rituximabe foram preditores independentes do risco de não ocorrer soroconversão/positividade para anticorpos neutralizantes.
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Já para os desfechos de segurança, nenhum evento adverso moderado ou grave foi descrito.
Foram identificados 39 casos incidentes de Covid-19. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (4% no DRIM vs. 1,6% nos controles, p = 0,186).
Comentários
Esse estudo é extremamente importante no nosso contexto. Os autores descreveram menores taxas de soroconversão em pacientes com DRIM utilizando CoronaVac. Dentre os fatores relacionados à ausência de soroconversão, destacam-se a idade e o uso de prednisona/imunossupressores.
Esses dados reforçam a necessidade de uma possível terceira dose na população idosa e/ou imunossuprimida, que já está em discussão/programação no nosso país, na tentativa de garantir melhores taxas de soroconversão.
Referências bibliográficas:
- Medeiros-Riberio AC, Aikawa NE, Saad CGS, et al. Immunogenicity and safety of the CoronaVac inactivated vaccine in patients with autoimune rheumatic diseases: a phase 4 trial. Nature Med. 2021. doi:10.1038/s41591-021-01469-5.
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