A presença de depósitos de cristais de cálcio, conhecida radiograficamente como condrocalcinose (CC), é frequente nas articulações acometidas por osteoartrite (OA), especialmente nos joelhos.
Muito se discute sobre o papel do estresse e da inflamação sinovial causados por esses depósitos de cálcio e se eles poderiam contribuir com o dano à cartilagem articular. Apesar disso, ainda desconhecemos qual é o seu real papel na patogênese e na progressão da OA.
Diversos estudos transversais correlacionaram a presença de CC com maior dano estrutural à articulação, presença de osteófitos e maior impacto negativo causado pela OA. No entanto, um estudo prospectivo com RM não demonstrou que a presença de CC se associa com maior dano à cartilagem com o passar do tempo.
O estudo aqui apresentado tem como objetivo avaliar se a presença de CC se associa com pior desfecho a longo prazo, o que inclui maior progressão radiográfica e necessidade de artroplastia total de joelho (ATJ).
Osteoatrite de joelhos
O desfecho primário avaliado foi a ocorrência de ATJ (percentual de pacientes que realizaram ATJ, tempo da inclusão até ATJ e tempo da inclusão até artroplastia total de joelho ou quadril) e os desfechos secundários, progressão estrutural (piora na classificação de Kellgren-Lawrence [KL] ≥1) e piora clínica (aumento ≥ 17/100 mm no escore de dor ou ≥ 12/100 mm no escore de função do WOMAC) com 5 anos.
Os autores utilizaram os dados da coorte multicêntrica francesa chamada KHOALA (Knee and Hip OsteoArthritis Long-term Assessment). Ela incluiu 878 pacientes entre 40 e 75 anos de idade, com OA sintomática de joelhos e quadris (classificação pelos critérios ACR + KL ≥2). Os critérios de exclusão para entrada na coorte KHOALA foram: artroplastia ou osteotomia prévia, comorbidade grave com limitação da qualidade de vida, OA patelofemoral isolada ou presença de outra doença articular.
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Os dados foram obtidos através de questionários anuais e avaliação clínica e radiográfica nos anos 0 (baseline), 3 e 5. As informações coletadas foram: variáveis sociodemográficas, dados clínicos, tratamentos recebidos (incluindo infiltrações com corticoides e ácido hialurônico), escala visual analógica (EVA) de dor, escore de índice de WOMAC e número de pacientes que evoluíram com artroplastia.
Todas as radiografias foram realizadas nas incidências AP com carga, PA com joelhos semifletidos e axial e foram avaliadas por 2 leitores treinados independentes e cegados para dados clínicos, os quais forneceram a classificação de KL (k interobservador = 0,58; e k intraobservados = 0,78 e 0,73).
Resultados
Esse estudo incluiu 656 pacientes (70,3% do sexo feminino) com média de idade de 62,2±8,5 anos. Desses, 93 (14,2%) tinha CC de joelho no baseline, sendo que 50 deles (53,8%) apresentavam CC bilateral. Pacientes com ou sem CC apresentavam EVA dor, WOMAC e classificação de KL semelhantes entre si no baseline.
Com relação ao desfecho primário, 91 (13,9%) foram submetidos a ATJ. Quando foram avaliadas artroplastias totais de joelho ou quadris, esse número subiu para 105 (16%). O risco de ATJ em pacientes com CC não foi maior ao longo de 5 anos de seguimento (RR 1,26; IC95% 0,74-2,17; p=0,39). Além disso, a presença de CC não impactou no tempo para necessidade de ATJ (RR 1,01; IC95% 0,58-1,77; p=0,97). Os autores encontraram que o sexo feminino, altos graus na classificação de KL na radiografia inicial e EVA dor aumentado foram os principais determinantes para o aumento no risco de ATJ.
Na análise dos desfechos secundários, a presença de CC também não se associou com pior evolução clínica ou radiográfica ao longo de 5 anos.
Comentários
O estudo apresentado agrega importantes informações sobre a evolução dos pacientes com OA e CC, ao longo de 5 anos de seguimento.
Apesar disso, ele apresenta algumas limitações importantes, como o baixo número de eventos (ATJ e piora radiográfica), o que pode comprometer o poder desse estudo, e a possibilidade de viés de colisão (tanto a OA quanto o depósito de cristais de cálcio [CPPD] seriam capazes de levar à ATJ; dessa maneira, não seriámos capazes de detectar a diferença entre os grupos, que estaria subestimada, no que diz respeito a incidência e progressão da OA).
Mesmo com essas limitações, considerando o longo tempo de seguimento, a presença de CC não parece ser um bom fator prognóstico na avaliação de pacientes com OA.
Referências bibliográficas:
- Latourte A, Rat A-C, Sime WN, et al. Chondrocalcinosis of the Knee and the Risk of Osteoarthritis Progression: Data From the Knee and Hip Osteoarthritis Long‐term Assessment Cohort. Arthritis Rheumatol. 2020.
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