O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica que pode ser potencialmente fatal e afeta virtualmente qualquer órgão do corpo. Devido a essa característica, o LES é uma condição muito heterogênea, com manifestações clínicas que podem variar desde um envolvimento leve de articulações e pele até complicações mais graves, como acometimento renal e do sistema nervoso central.
O diagnóstico do LES é desafiador, pois não existe um critério diagnóstico específico. Os critérios classificatórios, criados para homogeneização de estudos clínicos, como os do ACR/EULAR 2019, são frequentemente utilizados para auxiliar no diagnóstico, que é baseado em características clínicas, laboratoriais e na exclusão de outras causas possíveis.
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Ainda assim, os critérios classificatórios são bastante explorados em provas de residência médica e devem ser lembrados.

Quadro Clínico
O LES pode afetar praticamente qualquer órgão ou sistema, apresentando uma ampla gama de manifestações clínicas. Entre as manifestações mais comuns estão:
- Sintomas constitucionais: fadiga (queixa mais comum), alteração de peso, febre.
- Acometimento cutâneo: fotossensibilidade, alopecia, lúpus cutâneo agudo (rash malar), subagudo (ex.: papuloescamoso ou anular) ou crônico (ex.: discoide).
- Acometimento articular: Artrite (65-70%), artralgias (presentes em mais de 90% dos paciente).
- Acometimento renal: glomerulonefrite.
- Manifestações neuropsiquiátricas: cefaleia refratária, crises convulsivas, polineuropatia periférica, mononeurite múltipla, mielite transversa.
- Acometimento pulmonar: pleurite, derrame pleural.
- Acometimento gastrointestinal: úlceras orais, disfagia.
- Acometimento cardíaco: miocardite, pericardite, endocardite de Libman-Sacks.
- Manifestações vasculares: fenômeno de Raynaud, vasculite, tromboembolismo.
- Acometimento hematológico: anemia, plaquetopenia, leucopenia/linfopenia.
A nefrite lúpica (NL) manifesta-se clinicamente em até metade dos pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), e cerca de 10% desses pacientes podem evoluir para doença renal em estágio terminal. A incidência de NL é mais elevada entre pacientes negros (34 a 51%), hispânicos (31 a 43%) e asiáticos (33 a 55%) em comparação com pacientes brancos (14 a 23%).
Além disso, pacientes negros e hispânicos tendem a apresentar uma histopatologia mais grave, níveis séricos de creatinina mais elevados e maior proteinúria do que pacientes brancos.
Diagnóstico
O acompanhamento do LES é realizado por meio de reavaliações clínicas e laboratoriais frequentes para monitorar a atividade da doença. Os exames laboratoriais utilizados no acompanhamento incluem hemograma completo, PCR/VHS, anti-DNAds (alta especificidade, tem relação com atividade de doença e com atividade renal), C3, C4, creatinina, urina 1 e relação proteína/creatinina em urina ou proteinúria de 24h.
Para o diagnóstico, são solicitados exames adicionais como FAN, anti-Sm (maior especificidade, mas baixa sensibilidade e sem correlação com atividade de doença), Anti-Ro (relacionado a lúpus subagudo, doença de Sjögren e lúpus neonatal), Anti-La (relacionado a doença de Sjögren), Antifosfolípides (anticoagulante lúpico, anticardiolipina e anti-beta-2-glicoproteína 1 – associados a SAF), coombs direto, sorologias virais e para sífilis, entre outros, a depender do quadro clínico.
As alterações laboratoriais podem incluir queda de complemento, anemia, leucopenia/linfopenia, trombocitopenia, proteinúria, positividade do FAN, entre outros.
Tratamento
O tratamento do LES é personalizado, baseado no órgão ou sistema acometido e na gravidade dos sintomas. Recomenda-se proteção solar, estilo de vida saudável, cessação do tabagismo, vacinação e tratamento de comorbidades para todos os pacientes, além de contracepção eficaz, quando indicado (idade fértil, uso de medicações teratogênicas e atividade de doença).
Todos os pacientes devem usar hidroxicloroquina, salvo contraindicações, devido aos seus benefícios metabólicos e na redução de riscos cardiovasculares e de tromboembolismo.
O tratamento específico por órgão pode incluir o uso de corticosteroides e imunossupressores como azatioprina, micofenolato de mofetil, metotrexato, leflunomida, tacrolimus, ciclosporina e ciclofosfamida.
Nos casos de nefrite lúpica, uma condição mais grave, é necessária uma terapia de indução, geralmente com Ciclofosfamida ou Micofenolato de Mofetil, além de pulsoterapia com corticoide. O tratamento não deve esperar a biópsia renal, mas esta deve ser realizada quando possível para diagnóstico e prognóstico. Espera-se encontrar o padrão full house na imunofluorescência (depósito de IgG principalmente, associado a depósitos de IgA, IgM, C3 e C1q).
Entre os tratamentos biológicos, o rituximabe é reservado para casos graves e refratários, enquanto o belimumabe é usado em associação com outros imunossupressores para controle de manifestações cutâneo-articulares refratárias ou na indução de remissão em nefrite lúpica.
A Voclosporina também pode ser utilizada em associação com terapia padrão no tratamento da nefrite lúpica. Já o anifrolumabe também foi aprovado para o tratamento do LES, em especial para casos cutâneos refratários. Outros biológicos e medicamentos alvo específicos estão em estudo, mas é importante lembrar que os anti-TNFs não devem ser utilizados em pacientes com LES.
Pontos importantes
- Em geral, provas de residência demandam o reconhecimento de um possível quadro de LES (incluindo critérios classificatórios), as alterações laboratoriais esperadas (positividade de FAN, queda de complemento, positividade de autoanticorpos, citopenias) e o significado clínico dos autoanticorpos.
- Sintomas constitucionais, articulares e cutâneos são os mais frequentes.
- Acometimento renal é grave e frequente (~50% durante o curso da doença) – Biópsia renal com padrão full house – Só trata classes III, IV e V.
- Proteinúria é o marcador de resposta renal ao tratamento.
- Anti-DNAds é um anticorpo específico do LES e está relacionado a atividade de doença geral e renal (deve ser dosado de rotina para acompanhamento).
- Anti-Sm é o anticorpo de maior especificidade (serve para diagnóstico, mas não para acompanhamento).
- Antifosfolípides estão associados a síndrome antifosfolípide (SAF). Se anticorpos presentes e SAF ausente, pode-se indicar uso de AAS profilático em baixas doses. A anticoagulação terapêutica é feita em quem tem diagnóstico de SAF trombótica. Em casos de SAF gestacional, o AAS pode ser mantido enquanto não houver gravidez e, caso a paciente engravide, fazer anticoagulação profilática + AAS durante a gestação.
- Anti-P está associado a psicose e hepatite lúpicas.
- Todos os pacientes devem fazer uso de hidroxicloroquina a menos que haja contraindicação, tanto na indução quanto na manutenção.
- Para todos: orientar proteção solar, cessação de tabagismo, atividade física e dieta, atualização de cartão vacinal e contracepção eficaz (não deve engravidar com LES em atividade ou em uso de medicações incompatíveis com a gestação).
LES no dia a dia do médico
O LES é uma doença relativamente rara e desafiadora. O diagnóstico muitas vezes não é simples e o tratamento demanda acompanhamento de um profissional com experiência, visto que a escolha das medicações vai depender das manifestações clínicas e gravidade de doença.
Devido ao potencial de morbimortalidade relacionados à condição, o reconhecimento precoce é fundamental.
Autoria

Guilherme Balbi
Médico Reumatologista pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). Membro da Comissão de Síndrome Antifosfolípide da SBR. Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Residência em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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