Há poucos ensaios clínicos que comparam diretamente psicoterapia e medicação para tratamento de depressão em adolescentes e as recomendações das diretrizes são derivadas de comparações indiretas dos tratamentos. O National Institute of Health and Care Excellence (NICE) recomenda psicoterapia ao invés de medicação na maioria dos casos, baseando-se em metanálises de ensaios clínicos que põem em dúvida a eficácia dos antidepressivos, com exceção da fluoxetina e comprovam a eficácia da psicoterapia. No entanto, uma metanálise em rede recente conclui que somente fluoxetina (isoladamente ou associada a TCC) foi estatisticamente mais efetiva que os controles medicamentosos e psicoterápicos.
Uma criança ou um adolescente deve receber psicoterapia ou medicação para depressão e quais informações devem ser usadas para orientar a tomada de decisão? Essa é pergunta que o estudo de Argyris Stringaris et al. buscou responder.
Duas condições precisam ser consideradas para comparações indiretas de diferentes modalidades de tratamento: se os participantes dos ensaios são comparáveis entre as modalidades ou diferem em potenciais modificadores de efeito e se as condições-chave do ensaio, como os efeitos do controle ou o número de locais envolvidos, são comparáveis.
A suposição que as amostras de ensaios com medicação e psicoterapia são análogas pode não ser válida uma vez que pacientes e pais possuem suas preferências de tratamento, sendo provável que haja um viés de auto seleção em quem participa de cada tipo de ensaio. Além disso, a escolha do tratamento pode estar ligada a características dos pacientes, como gravidade, o que pode mediar a resposta ao tratamento e confundir as comparações. Diferenças no desenho dos estudos, como a falta de cegamento dos estudos com psicoterapia também pode impactar nas comparações, uma vez que a expectativa está muito associada com os desfechos do tratamento e se as expectativas são diferentes nos ensaios clínicos com medicação (que são cegos) e com psicoterapia, então a comparação entre eles é questionável.
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Método
Foram avaliados ensaios clínicos de psicoterapia e medicação para crianças e adolescentes com depressão (média de idade de 4-18 anos). Os autores supunham que havia diferenças importantes entre os ECRs de psicoterapia e medicação, tornando sua comparação problemática. A avaliação foi realizada da seguinte maneira:
- Foi feita uma meta-análises para comparar características das amostras de ensaios de medicação e psicoterapia, incluindo a gravidade da depressão no início do estudo, a porcentagem de mulheres e a idade média;
- Avaliou-se as características do ensaio, incluindo a eficácia dos braços de controle, usando meta-regressão de efeitos aleatórios e o número de locais de ensaio;
- Examinou-se até que ponto os controles de psicoterapia corresponderam à intervenção ativa em aspectos como o número e a frequência das sessões e, portanto, se eles representam uma comparação justa.
Os ensaios clínicos incluídos foram retirados de meta-análises recentes comparando psicoterapia com controle, psicoterapia vs antidepressivos e a eficácia de antidepressivos. Ensaios clínicos com medicações publicados até 2021 também foram incluídos.
Resultados
Foram incluídos 92 ECRs, com 48 braços de intervenção e 36 controles em ensaios com medicação e 67 braços de intervenção e 62 controles em ensaios com psicoterapia. O placebo foi o controle de todos os ensaios com medicação. Nos ensaios com psicoterapia, 14 usaram lista de espera, 28 tratamento de rotina e 20 outros tipos de controle.
A gravidade da depressão no início dos estudos foi significativamente mais alta nos ensaios com medicação quando comparados com psicoterapia. Mesmo excluindo ECRs que usaram lista de espera como controle, a gravidade permanecia significativamente maior nos ensaios com medicação. Quando os estudos que recrutaram pacientes com depressão subclínica foram excluídos, a diferença de gravidade entre os ensaios não foi estatisticamente significante.
Os ensaios de psicoterapia apresentaram uma porcentagem significativamente maior de mulheres (61,36%) quando comparados com os ensaios de medicamentos (53,72%). Os resultados se mantiveram quando estudos com pacientes subclínicos e usando lista de controle foram excluídos.
Não houve diferença de idade entre os ensaios de psicoterapia (14,3 anos) e medicação (13,7 anos), resultado que se manteve nas análises de sensibilidade.
Houve diferenças importantes entre os quatro braços da meta-análise, especialmente entre os braços de medicação e os controles da psicoterapia. Em particular, o grupo placebo com comprimido apresentou uma SMD (Diferenças de Médias Padronizadas) = -1,9 (IC 95%: -2,1 a -1,7), enquanto os controles da psicoterapia tiveram uma SMD = -0,6 (IC 95%: -0,9 a -0,3). Os resultados encontrados se mantiveram nas análises de sensibilidade.
Dos estudos com dados disponíveis, 26 de 28 (93%) ensaios com medicação foram multicêntricos, em comparação com 24 de 45 (54%) estudos de psicoterapia.
Os grupos de intervenção tiveram significativamente mais sessões (e sessões mais longas e frequentes, resultando em mais horas de intervenção) comparados com os controles. Na análise de sensibilidade excluindo ensaios que utilizavam lista de espera, as diferenças entre os grupos intervenção e controle não foram estatisticamente significantes (com exceção do número de sessões), embora permanecessem substanciais.
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Discussão
As idades dos participantes dos diferentes ensaios foram semelhantes, mas os ensaios com medicações tinham mais pacientes do sexo masculino e com maior gravidade da depressão, o que pode modificar o efeito das intervenções. O estudo não pode demonstrar modificação de efeito, logo não se pode inferir que diferenças nas características dos participantes expliquem diferenças observadas no efeito.
Em relação a diferença de tamanho de efeito entre os controles de psicoterapia e medicação, os pesquisadores argumentam que não necessariamente há diferença na eficácia das intervenções, mas que os resultados podem se dever as diferenças nos participantes de cada tipo de estudo, o que atrapalharia as comparações entre as modalidades.
Os achados deste trabalho estão alinhados com uma metanálise em rede anterior, desenhada para preservar a estrutura de randomização. Nessa análise, as estimativas para os controles de psicoterapia, tratamento de rotina e lista de espera favoreceram o placebo, assim como as estimativas da terapia psicodinâmica e comportamental. Além disso, a TCC não apresentou diferença significativa em relação ao placebo. Esse resultado levanta a discussão se qualquer intervenção na qual se forme um vínculo entre os pacientes e profissionais seria igualmente terapêutica e se intervenções psicológicas específicas conduzidas por terapeutas altamente treinados são realmente necessárias.
Os ensaios de psicoterapia normalmente não são cegos e por suas características podem ser impossíveis de cegar. No entanto, visando comprovar que um determinado tratamento psicológico é efetivo por si (e não por causa de efeitos genéricos como um contato humano agradável), questões como o tempo de contato com o terapeuta precisam ser análogas, de modo a evitar o aumento artificial da eficácia.
Impactos para a Prática Clínica
- A base empírica para comparar psicoterapia e medicação para depressão em adolescente é fraca e, portanto, é difícil criar diretrizes e recomendar um tratamento em detrimento de outro.
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