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Psiquiatria1 maio 2023

Neurocognição, hospitalização e sociodemografia no transtorno bipolar e depressivo

Análises de covariáveis indicaram que o diagnóstico de transtorno bipolar foi significativamente associado com menor nível educacional.

Por Tayne Miranda

Comprometimento neurocognitivo é sabidamente associado com piores desfechos clínicos e dificuldades de inserção no ambiente laboral. Entre os indivíduos com transtornos afetivos, como o transtorno bipolar e depressivo, 12 a 45% deles apresentam comprometimento neurocognitivo em diversos domínios.

Não obstante, associações entre neurocognição e desfechos de longo prazo nessa população são poucos estudadas, sendo que usualmente se investiga a piora neurocognitiva causada pelas internações, mas a relação inversa (se pior função neurocognitiva predispõe a internação) não é analisada. Foi visando preencher essa lacuna que o trabalho de Sankar e colaboradores foi conduzido.  

Os autores supuseram que a dificuldade em adquirir e fixar novas informações e habilidades compromete o funcionamento cotidiano dessas pessoas, aumentando o estresse, que por sua vez pode ser um desencadeante para novos episódios de humor (que podem demandar internação para seu tratamento).

Leia mais: Transtorno afetivo bipolar: o que você precisa saber para diagnosticar e tratar

Método 

O estudo incluiu 518 pessoas que preenchiam critério diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (TAB) ou transtorno depressivo maior (TDM) de acordo com a Classificação Internacional de Doenças – CID-10, recrutados entre 2009 e 2020, tanto em contextos clínicos quanto a partir de outros ensaios clínicos.

Pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, uso atual de álcool ou outras substâncias e risco de suicídio atual foram excluídos. As informações sobre hospitalização e condições sociodemográficas foram oriundas dos registros dos ensaios clínicos e associadas às informações da base de dados da população dinamarquesa, que cobre quase todos os residentes do país.  

Neurocognição (função executiva e memória verbal) foi avaliada no dia da inclusão no estudo. O desfecho primário foi internação psiquiátrica no período de seguimento desde a inclusão no estudo (registros médicos de internação estavam disponíveis até 2019), com algum CID de transtorno bipolar e transtorno depressivo. A análise da associação entre neurocognição e hospitalização psiquiátrica foi realizada com um subgrupo de 398 pessoas recrutadas antes do término do período de seguimento.  

As variáveis avaliadas no desfecho secundário foram emprego, coabitação, estado civil (essas três primeiras sendo variáveis dicotômicas) e escolaridade mais alta alcançada. Informações sobre as variáveis secundárias estavam disponíveis até o ano de 2020, que foi o término do período de seguimento. A análise dos desfechos secundários foi feita com toda a amostra (n=518).  

Resultados e discussão 

Participantes com TAB (n=438) estavam eutímicos ou em um episódio depressivo no momento da inclusão. Participantes com TDM (n=80) estavam em um episódio depressivo na admissão. Dos participantes, 43,2% tinham comprometimento de função executiva, memória verbal ou ambos, o que condiz com dados prévios da literatura.  

O tempo médio de seguimento dos pacientes quanto à hospitalização foi 58,4 meses. Pior memória verbal esteve associada a maior risco de hospitalização. Por outro lado, pior função executiva não esteve associado com maior risco de internação futura.

Hospitalização no ano anterior à inclusão esteve associado com maior risco de hospitalização subsequente. Internação anterior e baixa memória verbal continuou sendo um fator de risco para hospitalização, mesmo quando a duração da doença foi incluída no modelo de regressão. Não houve outras variáveis associadas a um risco aumentado de hospitalização. Análises post-hoc evidenciaram que o subtipo de transtorno bipolar e o uso de medicações psicotrópicas não estavam associados a maior risco de hospitalização.  

Comprometimentos na função executiva e na memória verbal não estavam associados com piora em condições sociodemográficas, especialmente, emprego, coabitação e estado civil. Análises exploratórias, no entanto, indicaram que pior função executiva esteve associada com menor níveis educacionais. Análises de covariáveis indicaram que o diagnóstico de transtorno bipolar foi significativamente associado com menor nível educacional.  

Estudos prévios em idosos sugeriam que a relação entre declínio cognitivo e hospitalização é bidirecional: o comprometimento pode ocorrer predominantemente antes da internação e pode ser um indicador de hospitalizações futuras.  

Comprometimento na memória verbal é um forte indicador de má adesão medicamentosa no tratamento de transtorno bipolar. Os autores sugerem que o comprometimento de memória pode levar a dificuldades em lidar com demandas cotidianas, em aderir a esquemas medicamentosos complexos, recordar-se das consultas e de informações e aprendizados da terapia. 

Quanto à relação entre funções executivas e nível educacional, considerando que a habilidade para resolução de problemas faz parte do domínio, os autores sugerem que desafios para criar estratégias para essa resolução podem dificultar a progressão dos estudos e a interrupção precoce deles estar associada a um menor desenvolvimento de habilidades que compõem as funções executivas.  

Limitações 

Como os registros de hospitalização só estavam disponíveis até 2019, não foi possível a inclusão de toda a amostra na análise da associação entre neurocognição e hospitalização psiquiátrica. 

Não havia dados suficientes sobre comorbidades psiquiátricas e uso de medicações, variáveis que costumam estar associadas a aumento do risco de hospitalização. Além disso, informações sobre adversidades na infância e funcionamento interpessoal que também podem configurar como variáveis de risco não estavam disponíveis.  

Não havia pacientes com diagnóstico de TAB em mania ou pacientes com diagnóstico de depressão eutímicos. Uma parcela pequena da amostra (15%) tinha diagnóstico de TDM. 

Veja também: O que profissionais de saúde têm a ver com os ataques nas escolas

Take-home messages 

Comprometimentos clinicamente relevantes em memória verbal estão associados com aumento do risco de internação psiquiátrica em pacientes com transtorno afetivo bipolar e transtorno depressivo maior.  

Não há evidências que comprometimento neurocognitivo está associado com a piora de condições sociodemográficas. Os achados podem ter uma importante função clínica, uma vez que estratégias para melhorar memória verbal podem reduzir risco de internação psiquiátrica em pacientes com transtornos de humor.  

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Referências bibliográficas

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