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Psiquiatria10 julho 2024

Estudo mostra solidão como fator de risco para AVC em americanos de meia idade  

Estudo investigou se a solidão pode ser considerada como fator de risco potencial para Acidente Vascular Cerebral (AVC)
Por Danielle Calil

O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das grandes causas de morbimortalidade global. Embora esse dado epidemiológico seja amedrontador e a sobrecarga nos sistemas de saúde sejam altas, há dados que reportam que as taxas de mortalidade e de incidência para essa condição têm caído nas últimas décadas. 

Hipertensão, diabetes e tabagismo são fatores de risco atrelados ao AVC. Sem dúvidas, esforços direcionados ao controle de fatores de risco modificáveis contribuem para uma mudança do paradigma dessa doença. 

A solidão é conceituada como uma experiência subjetiva pessoal, refletida entre a lacuna entre o desejo e a disponibilidade de relacionamentos. Logo, possui uma definição diferente de isolamento social, que geralmente se refere à falta de contato social com outros.  

Estudos recentes já investigaram a associação entre solidão como potencial fator de risco para AVC ou outras doenças cardiovasculares. Contudo, alguns métodos desses estudos pregressos, na visão dos autores, poderiam comprometer o estudo dessa associação, como: avaliação em um único momento sobre a solidão (que pode ser situacional ou crônica), análise estatística com ajustes para sintomas depressivos além de controlar variável de isolamento social, estudos longitudinais com longo follow-up. 

Em 2024, o jornal eClinicalMedicine publicou estudo longitudinal com amostra representativa de norte-americanos acima de 50 anos com objetivo de investigar a solidão como fator de risco potencial para AVC. 

Estudo mostra solidão como fator de risco para AVC em americanos de meia idade  

Imagem de Pexels

Métodos 

O estudo apresentou um desenho de uma coorte prospectiva com dados coletados a partir do Health and Retirement Study entre 2006 e 2018.  Nessa coorte, foi introduzido o Psychosocial and Lifestyle Questionnaire em que 50% da amostra respondeu em 2006 (amostra A) e a amostra remanescente em 2008 (amostra B). Nesse questionário, a solidão foi mensurada através da HRS loneliness scale, uma escala simplificada e derivada da 20-item Revised UCLA Loneliness Scale (R-UCLA). Foi considerado presença de solidão para àqueles participantes que possuíssem escore acima de 6, em questionário cujo escore varia entre 3 e 9. 

A avaliação da variável de exposição da coorte (solidão) foi avaliada em T1 (período entre 2006 e 2008, na qual toda a amostra respondeu o questionário para solidão) e em T2 (entre 2010 e 2012, na qual toda a amostra novamente respondeu e finalizou o segundo questionário que contemplasse também avaliação para solidão). Portanto, o período de avaliação para a variável de exposição nesse estudo foi entre 2006 e 2012. 

Leia também: Como manejar a pressão arterial no AVC hemorrágico?

A partir da aplicação do questionário para solidão no T1 e no T2, quatro padrões de solidão foram formulados: (1) padrão “consistentemente baixo” (escores baixos no T1 e T2), (2) padrão “início recente” (presença de solidão apenas no T2), (3) padrão “remissão” (solidão detectada no T1 e não no T2) e (4) padrão “consistentemente alto” (presença de solidão no T1 e T2). 

A amostra foi composta por participantes acima de 50 anos, na qual foi excluído os participantes que apresentassem histórico de acidente cerebrovascular antes do T1. 

A avaliação do desfecho para acidente cerebrovascular foi realizada a partir de entrevistas futuras com os participantes da coorte nos quais foi interrogado ativamente a presença dessa morbidade. Em casos de indisponibilidade ou de óbito dos participantes, informantes próximos foram interrogados. Os autores do estudo descrevem que os autorrelatos de AVC na coorte foram correspondidos com códigos do CID em registros do Medicare e Medicaid Services com 74% de sensibilidade e 93% de especificidade.  

Variáveis que pudessem interferir na associação entre exposição e desfecho desse estudo foram mensurados, como o caso de isolamento social e de depressão através de escalas como a Berkman-Syme Social Network Index e a Center for Epidemiologic Studies-Depression Scale, respectivamente. 

Resultados 

A amostra estudada contemplou 8.936 participantes, com média de 67,4 anos, sendo 60,6% mulheres e 79,8% caucasianos. 

A partir de análise de regressão de Cox, a presença de solidão no baseline apresentou associação com incidência de AVC. A partir de ajustes no modelo de regressão, para aumento de 1 ponto na escala de solidão houve associação com 5% de risco de incidência de AVC [HR 1,05, (IC 95% 1,01-1,08)]. Ao avaliar a solidão como variável dicotômica (presente ou não), também foi demonstrado que os indivíduos com presença de solidão apresentaram aumento para incidência de AVC em 25% [HR 1,25, (IC 95% 1,06-1,47)].  

Participantes categorizados no padrão “consistentemente alto” para solidão também apresentaram maior risco para incidência de AVC [HR 1,56%, IC 95% 1,11-2,18)] quando comparados àqueles com solidão “consistentemente baixo”. 

Comentários 

Nesse estudo de coorte prospectivo, solidão se apresentou como um potencial fator de risco para incidência de AVC. Os autores do estudo postulam mecanismos que podem estar envolvidos nessa associação: fisiológicos (aumento pressórico, aumento de atividade hipotalâmica-pituitária-adrenal etc.), comportamentais (baixa adesão medicamentosa, consumo de álcool e tabaco, baixa qualidade de sono etc.) e psicossociais.  

A principal contribuição desse estudo foi avaliar de modo mais minucioso a variável de exposição. Além da solidão ter sido quantificada a partir de aplicação de escala validada, foi também mensurada quanto à sua cronicidade ao aplicar o questionário em dois espaços temporais distintos. Além disso garantir uma melhor análise estatística entre a associação da exposição e do desfecho, a amostra dessa coorte foi considerada uma amostra representativa para norte-americanos de meia-idade. 

Uma limitação desse estudo foi a faixa etária dos participantes ao contemplar indivíduos acima de 50 anos e, portanto, o resultado desse estudo não pode ser generalizado para os mais jovens. Outra ressalva seria a exposição ter sido examinada em período de 4 anos, de forma que ainda seja incerto para determinar o papel da solidão na etiologia do AVC. 

Considerações finais: solidão e AVC 

Nesse estudo, a solidão resultou em maior risco para incidência em AVC, principalmente naqueles que experimentam uma maior cronicidade dessa solidão. Pesquisas futuras são necessárias, seja para investigar períodos mais longos de trajetórias de solidão para verificar se essa associação com AVC permanece sustentada, para avaliar os mecanismos subjacentes atrelados nessa potencial associação, assim como explorar intervenções em solidão como medida de prevenção para AVC.

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