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Psiquiatria21 março 2025

Duloxetina no tratamento da depressão

Estudo avaliou os efeitos benéficos e prejudiciais da duloxetina versus placebo, ‘placebo ativo’ ou nenhuma intervenção no tratamento de adultos com depressão
Por Tayne Miranda

Os inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSNs) constituem uma classe relativamente nova de antidepressivos, sendo a duloxetina, um dos seus representantes, muito prescrita para tratamento de depressão nos EUA e na Europa. No entanto, o impacto clínico do seu efeito antidepressivo é incerto. Há ainda certa dúvida sobre se os efeitos adversos relacionamentos ao aumento do risco e das tentativas de suicídio, presente em outros antidepressivos, também se aplica a duloxetina. 

Com isso em mente, o estudo de Siddiqui e colaboradores avaliou os efeitos benéficos e prejudiciais da duloxetina versus placebo, ‘placebo ativo’ ou nenhuma intervenção no tratamento de adultos com transtorno depressivo maior. 

Método 

A revisão foi realizada de acordo com as diretrizes Preferred Reporting Items for
Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Foram incluídos todos os ensaios clínicos randomizados (ECRs) comparando duloxetina versus placebo, “placebo ativo” ou nenhuma intervenção para o tratamento do transtorno depressivo maior em adultos, independentemente do tipo de publicação, status da publicação, ano da publicação e idioma.  

Os desfechos primários foram sintomas depressivos medidos pela Hamilton Depression Rating Scale (HDRS-17) e eventos adversos graves. Os desfechos secundários foram suicídio, tentativas de suicídio, ideação suicida e qualidade de vida. Os seguintes desfechos exploratórios foram incluídos: qualquer efeito colateral, sintomas depressivos medidos por qualquer forma de HDRS, Montgomery-Asberg Depression Rating Scale ou Beck’s Depression Inventory, resposta ao tratamento (definida como redução de 50% da pontuação basal em qualquer escala) e remissão.  

As seguintes bases de dados foram avaliadas para publicações até 23 de janeiro de 2023: Cochrane Central Register of Controlled Trials, MEDLINE, Embase, PsycINFO, Science Citation Index Expanded, Social Sciences Citation Index, Conference Proceedings Citation Index-Science and Conference Proceedings Citation Index-Social Science & Humanities, Chinese Databases (CNKI, Wanfang, VIP, Sinomed) e Google Scholar. Também foram pesquisados registros de ensaios de indústrias farmacêuticas no WHO trial registry, ClinicalTrials.gov, incluindo o site da Food and Drug Administration (FDA) e da European Medicines Agency (EMA).  

Foram excluídos ensaios nos quais os participantes apresentavam uma doença somática e transtorno depressivo maior comórbido, bem como ensaios sobre transtorno depressivo maior durante ou após a gravidez.  

Como foram avaliados cinco desfechos principais e secundários e um limite de significância mais rigoroso (p ≤ 0,016) foi adotado para minimizar erros do tipo I. 

Uma pessoa com experiência vivida de tomar antidepressivos para depressão foi incluída no grupo de pesquisa para auxiliar na tomada de decisões. Durante o desenvolvimento do protocolo, foram escolhidos resultados importantes da perspectiva dos pacientes. 

Leia mais: Uma nova classe de antidepressivos: os moduladores serotoninérgicos

Resultados 

Foram incluídos 28 ECRs com um total de 7872 participantes (4562 participantes randomizados para duloxetina, 3310 para o placebo). Todos os ensaios incluídos apresentavam alto risco de viés e foram financiados pela indústria farmacêutica, excetuando-se um que não possuía informação sobre financiamento. Os desfechos foram avaliados no final do período de tratamento (6-16 semanas) e nenhum relatou desfechos de longo prazo.  

A meta-análise mostrou que a duloxetina em comparação com o placebo reduziu os sintomas depressivos (diferença média −1,81; IC95% −2,34 a −1,28; p<0,01; I²=0,0%; 12 ensaios; fator de Bayes 2,88×10-6). Contudo, o tamanho do efeito de -1,81 ficou abaixo da diferença clinicamente importante mínima (é a menor mudança em um desfecho clínico que um paciente percebe como significativa e que pode justificar uma mudança no tratamento) pré-definida de -3,0. A análise sequencial de ensaios confirmou o resultado da metanálise (alto risco de viés e a certeza da evidência baixa).  

Nenhuma das análises de subgrupos apresentou uma diferença estatisticamente significante: ECRs com escores médios iniciais da HDRS <23 pontos (n=11 ensaios) comparados com um ensaio com escores médios iniciais ≥23 pontos (p=0,28); Ensaios que excluíram participantes com depressão crônica ou resistente ao tratamento (n=9) comparados com ensaios que não excluíram (n=2) (p=0,19); Estudos com dose de duloxetina ≤60 mg/dia (n=8) comparados com >60 mg/dia (n=4) e com dose variável (n=2) (p=0,99); ECRs sem período de washout do placebo (n=11) comparados com um estudo onde alguns participantes passaram por um período de washout (p=0,73).  

40 de 3948 participantes do grupo duloxetina (1,01%) e 45 de 2816 do grupo placebo (1,59%) relataram efeitos adversos graves. Não houve diferença na ocorrência entre os dois grupos (RC: 0,67; IC95% 0,44-1,02; p=0,06; I²=0,0%; 19 ensaios). A análise sequencial de ensaios mostrou que não há informações suficientes para confirmar ou refutar a hipótese que duloxetina diminui a ocorrência de efeitos adversos graves em 25% (alto risco de viés e a certeza da evidência muito baixa). Não houve diferença estatisticamente significante nas análises de subgrupo. 

7 de 1683 participantes do grupo duloxetina (0,4%) e 2 de 1165 do grupo placebo (0,2%) tentaram suicídio. Não houve diferença na ocorrência entre os dois grupos (RC: 1,23; IC95% 0,43-3,53; p=0,69; I²=0,0%; 6 ensaios). A análise sequencial de ensaios mostrou que não há informações suficientes para confirmar ou refutar a hipótese que duloxetina reduz o risco de suicídio ou as tentativas em 25% (alto risco de viés e certeza da evidência muito baixa). Não houve diferença estatisticamente significante nas análises de subgrupo. 

3 ensaios avaliaram qualidade de vida usando Quality of Life in Depression Scale (diferença média −3,79; IC95% −5,11 a −2,46; p<0,001; I²=0,0%; 3 ensaios; fator de Bayes 1,88×10-7). Contudo, o tamanho do efeito ficou abaixo da diferença clinicamente importante mínima pré-definida de 4,14. A análise sequencial de ensaios confirmou o resultado da metanálise (alto risco de viés e certeza da evidência baixa).  

20 de 873 participantes do grupo duloxetina (2,3%) e 26 de 891 do grupo placebo (2,9%) apresentaram ideação suicida. Não houve diferença na ocorrência entre os dois grupos (RR: 0,94; IC95% 0,39 a 2,27; p=0,36; I²=31,4%; 6 ensaios). Não foi realizada análise sequencial de ensaios.  

2625 de 4061 participantes do grupo duloxetina (64,6%) versus 1549 de 2941 do grupo placebo (52,7%) apresentaram efeitos colaterais comuns. Houve um aumento do risco de efeitos colaterais no grupo da duloxetina comparado com o placebo (RR: 1,27; IC95% 1,22 a 1,32; p<0,01; I²=73,0%; 24 ensaios, fator de Bayes 0,11).  

 Meta-análises mostraram um aumento da ocorrência de efeitos colaterais comuns individuais com a Duloxetina: 

  • Náusea: RR: 2,92; IC95% 2,38 a 3,58; p<0,0001, 30 ensaios, NNH (número necessário para causar dano): 6; 
  • Boca seca: RR: 2,05; IC95% 1,67 a 2,52; p<0,0001, 30 ensaios, NNH: 12; 
  • Sonolência: RR: 2,40; IC95% 1,81 a 3,18; p<0,0001, 26 ensaios, NNH: 17; 
  • Síndrome de descontinuação: RR: 2,09; IC95% 1,35 a 3,24; p<0,0009, 1 ensaio, NNH: 19; 
  • Sudorese: RR: 2,88; IC95% 1,95 a 4,26; p<0,0001, 27 ensaios, NNH: 20; 
  • Tontura: RR: 1,88; IC95% 1,49 a 2,38; p<0,0001, 30 ensaios, NNH: 21; 
  • Constipação: RR: 1,79; IC95% 1,30 a 2,47; p<0,0004, 28 ensaios, NNH: 21; 
  • Diminuição do apetite: RR: 3,33; IC95% 1,80 a 6,15; p<0,0001, 9 ensaios, NNH: 24; 
  • Anorexia: RR: 2,85; IC95% 1,60 a 5,06; p<0,0004, 15 ensaios, NNH: 25; 
  • Insônia: RR: 1,64; IC95% 1,27 a 2,11; p<0,0001, 25 ensaios, NNH: 29; 
  • Fadiga: RR: 2,06; IC95% 1,28 a 3,3; p<0,0029, 13 ensaios, NNH: 30; 
  • Vômito: RR: 2,28; IC95% 1,4 a 3,71; p=0,0009, 22 ensaios, NNH: 32; 
  • Diarreia: RR: 1,38; IC95% 1,12 a 1,71; p<0,0028, 30 ensaios, NNH: 42; 
  • Diminuição da libido: RR: 2,37; IC95% 1,22 a 4,61; p<0,0111, 13 ensaios, NNH: 50. 

Discussão 

A meta-análise e a análise sequencial mostraram que a duloxetina versus placebo reduz os sintomas depressivos e aumenta a qualidade de vida com um efeito estatisticamente significante, mas os tamanhos dos efeitos ficaram abaixo da diferença clinicamente importante mínima. Não houve informações suficientes para confirmar ou rejeitar os efeitos da duloxetina em efeitos adversos graves e suicídios ou tentativas de suicídio. Observou-se um risco aumentado de efeitos adversos não-graves em participantes que receberam duloxetina em comparação com placebo. 

A presente meta-análise confirmou o pequeno efeito estatisticamente significativo da duloxetina sobre os sintomas depressivos, conforme observado em revisões sistemáticas anteriores. No entanto, esse efeito pode ser ainda menos clinicamente significativo, já que se acredita que uma diferença de 7 a 8 pontos na HDRS seria necessária para observar um efeito clínico. Além disso, fatores como quebra do cegamento devido a efeitos adversos, curta duração do tratamento e viés de publicação tendem a superestimar os efeitos do tratamento. 

Limitações 

  • Falta de informações sobre longo prazo (considerando que 50 a 70% dos pacientes que tomam antidepressivos podem usá-los por mais de 2 anos, ensaios clínicos com acompanhamento de longo prazo são necessários para avaliar todos os benefícios e danos da duloxetina);  
  • Todos os ensaios incluídos na revisão foram financiados pela indústria farmacêutica; 
  • A certeza da evidência de todas as meta-análises foi baixa a muito baixa. Portanto, é provável que os resultados superestimem os efeitos benéficos e subestimem os efeitos deletérios da duloxetina; 

Impactos para a Prática Clínica 

  • A diferença apresentada pela Duloxetina nos sintomas depressivos e na qualidade de vida ficaram abaixo da diferença clinicamente importante mínima pré-definida; 
  • O efeito clínico da Duloxetina pode ser ainda menor do que o observado se considerarmos que uma diferença de 7 a 8 pontos na HDRS é necessária para que ocorram mudanças clínicas; 
  • Os pequenos efeitos terapêuticos da duloxetina sobre os sintomas depressivos observados nesta meta-análise estão de acordo com meta-análises anteriores, ressaltando a necessidade de ponderar esses benefícios mínimos em relação aos efeitos adversos na prática clínica. 

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Referências bibliográficas

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