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Neurologia8 março 2019

Demência: quando desconfiar de causas reversíveis?

As causas reversíveis de demência são raras, porém quando diagnosticadas e tratadas impactam diretamente na qualidade de vida dos pacientes.

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Alteração da memória é uma das queixas mais comuns nos ambulatórios de neurologia, porém uma pequena parcela das causas pode ser reversível e tratável. Comprometimento cognitivo ou piora de um quadro demencial pré-existente estão relacionados com quadro depressivo, deficiência de vitamina B12 e hipotireoidismo.

Alterações estruturais raras também podem ser responsáveis como hematoma subdural e tumores primários ou secundários. A investigação dessas condições é de suma importância, e após seu diagnóstico e tratamento impactam diretamente na qualidade de vida do paciente, além de alterar a progressão da doença.

demência

Como começar a investigar por demência?

Tudo começa com uma boa e detalhada anamnese. Saber quando os sintomas iniciaram, se o comprometimento cognitivo é súbito e progressivo, história de traumatismo craniano recente, alteração de humor, uso de medicações (por exemplo o topiramato) podem fornecer pistas para uma avaliação minuciosa seguinte. Exame neurológico alterado sugere uma investigação de imagem subsequente para afastar hematomas, tumores ou demais causas. Teste de memória, como o mini-mental, é uma ferramenta importante para identificação das áreas afetadas e avaliação comparativa seguinte.

Quais são os pontos-chaves a serem avaliados?

Na avaliação de demência reversível os “red flags” devem ser procurados. Eles podem fornecer indícios que estamos a frente de um quadro demencial atípico. São eles:

Rápido e inexplicado declínio cognitivo

Qualquer acometimento com essa característica deverá ser avaliado amplamente e com urgência para identificação e tratamento. Pesquisa laboratorial, realização de ressonância magnética, avaliação liquórica e eletroencefalográfica, pois poderá estar a frente de uma doença grave em que o tempo é primordial para sobrevivência do paciente e redução de sequelas.

Faixa etária não esperada para os sintomas – paciente jovem

Pacientes jovens com alteração aguda da memória devem ser investigados de forma ampla e rápida, principalmente quando associados a déficit focal progressivo. Suspeita de encefalite deve ser considerada mesmo após exame liquórico normal e neuroimagem sem achados específicos. Teste para encefalite autoimune é indicado em caso de alteração de memória ou estado mental, transtorno psiquiátrico associado a um dos achados: alteração na ressonância magnética de crânio, alteração focal de SNC, pleocitose no líquor ou crises convulsivas inexplicadas.

Em maiores de 60 anos, o teste é indicado quando há presença de alteração de memória, crises distônicas fasciobraquial inexplicadas, alteração de estabilidade, sintomas de tronco encefálico, alteração de sono, mudança de comportamento ou confusão mental. A Afasia Progressiva Primária e a Doença de Creutzfeldt-Jakob são diagnósticos diferenciais de doenças neurodegenerativas a serem considerados pelo aumento da prevalência nessa faixa etária.

Flutuação dos sintomas

Doenças como hipotensão liquórica, distúrbios tóxico-metabólicos, uso de medicamentos, doenças psiquiátricas, distúrbios do sono (incluindo a apneia obstrutiva do sono) e amnésia epiléptica transitória causam alternância de períodos de piora e melhora da cognição e devem ser pesquisados de acordo com a queixa. Vale ressaltar que além dessas causas supracitadas, demência com corpúsculos de Lewy tem como característica esse padrão de flutuação.

Exposição de risco

Medicamentos da classe dos opioides, benzodiazepínicos e anticolinérgicos são medicações que podem alterar a cognição e merecem ser questionados durante a anamnese. O uso de anticolinérgico em pacientes com Doença de Alzheimer gera piora do quadro clínico, acarretando em grande problema.

A deficiência de tiamina, associada à carência nutricional e ao abuso de álcool, está relacionada com a encefalopatia de Wernicke, caracterizada por distúrbio da marcha, nistagmo ou oftalmoplegia e confusão mental, devido alteração do metabolismo da glicose. Caso não seja diagnosticada e tratada precocemente, pode haver progressão para Síndrome de Korsakoff, mais grave e irreversível, ou até a morte.

Comportamento de risco no passado ou no presente

Pesquisa para sífilis deve ser feita em pacientes em zonas endêmicas, histórico de múltiplos parceiros sexuais, outras infecções sexualmente transmissíveis e usuários de drogas venosas como causa da demência. Presença de imunodepressão medicamentosa, hereditária ou adquirida, esta em portadores do vírus HIV por exemplo, associada a alteração cognitiva torna esta investigação mandatória, já que pode haver reativação de infecção latente em pacientes expostos previamente.

Leia maisDemência: fatores de risco, manejo dos sintomas e cuidados

Presença de goma sifilítica em neuroimagem ou hiperproteinorraquia, aumento de bandas oligloconais e pleocitose mononuclear no líquor são achados que evidenciam o diagnóstico. Outras infecções sexualmente transmissíveis ou oportunistas devem ser pesquisadas em pacientes com imunodepressão, como vírus HIV, vírus JC e neurocriptococose, em histórico de comportamento de risco ou sífilis.

Exame neurológico alterado sem causa aparente

Um exame neurológico alterado requer uma investigação ampla. A presença de distúrbio de marcha, incontinência urinária e alteração cognitiva reforçam a suspeita de hidrocefalia normobárica. Importante relembrar que apenas um ou dois sintomas podem ocorrer e, portanto, a tríade não se faz necessária para o diagnóstico. Causas secundárias de hidrocefalia normobárica, como meningite, hemorragia subaracnóide, e traumatismo fazem parte da investigação.

Hidrocefalia hiperbárica, isquemias ou demais causas vasculares, desmielinização, lesões inflamatórias, neoplasias e hematoma subdural são outras etiologias responsáveis por um exame neurológico com sinais focais com disfunção cognitiva, que merecem cuidado na abordagem.

Avaliação neurocognitiva não compatível com a história clínica

Uma atenção especial deve ser dada em casos como este, pois pode ser uma causa reversível. Pacientes com distúrbios do sono, alteração do humor, uso de medicações e comprometimento sensorial, como perda auditiva, possuem boa resposta quando diagnosticados.

Entre as causas de distúrbios de sono, a apneia obstrutiva do sono, embora prevalente na população, mas pouco diagnosticada, está relacionada com comprometimento da homeostase amiloide, favorecendo o desenvolvimento de doença de Alzheimer, segundo estudos recentes. Quando diagnosticada precocemente, há obtenção de uma melhora cognitiva.

Um diagnostico diferencial importante a ser pesquisado nesses casos é a demência frontotemporal, doença irreversível, a qual apresenta uma avaliação não compatível com a história inicial, sendo subdiagnosticada inicialmente.

As causas reversíveis de demência são raras na prática clínica, porém quando diagnosticadas e tratadas impactam diretamente na qualidade de vida dos pacientes, interrompendo a história natural da doença. Uma busca ampla e detalhada faz-se necessária através da anamnese e exame físico na presença dos famosos “red flags” descritos acima, a fim de solicitar corretamente os exames complementares para auxilio num diagnóstico rápido e, posteriormente, seu tratamento adequado.

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Referências:

  • CONTINUUM (MINNEAP MINN) 2019;25(1, DEMENTIA):234–253.
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