Diversos autores alertam para os riscos à saúde e ao meio ambiente ligados a produção e consumo de carne, especialmente carnes vermelhas e processadas. Síndrome metabólica, diabetes, doença coronariana, acidente vascular cerebral, câncer colorretal e mortalidade por todas as causas são alguns dos desfechos consistentemente associados ao consumo de carne.
No entanto, alguns autores relataram que dietas com baixo teor de carne ou sem carne podem aumentar o risco de depressão, outro importante problema de saúde pública. Quatro revisões sistemáticas e meta-análises prévias abordaram essa associação, apresentando alta heterogeneidade em suas análises e importantes questões metodológicas que tornam seus resultados inconsistentes.
Nesse sentido, o estudo conduzido por Luque-Martínez e colaboradores buscou quantificar a associação entre dietas sem consumo de carne ou com baixo teor de carne e o desenvolvimento de depressão de acordo com estudos longitudinais e analisar potenciais fontes de heterogeneidade a partir de uma perspectiva biopsicossocial.
Método
A revisão foi realizada de acordo com as diretrizes Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). As seguintes bases de dados foram utilizadas, considerando trabalhos publicados até janeiro de 2024: Medline,
Web of Science, Scopus e Psychinfo.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: estudos que a exposição fosse consumo reduzido ou ausente de carne. Foram incluídas nesse grupo dietas vegetarianas, veganas ou flexitarianas, bem como estudos que analisaram apenas a ingestão de carne (padrões alimentares de acordo com a quantidade de carne consumida); estudos que considerassem o desenvolvimento de depressão como desfecho, medido por meio de registros clínicos, diagnóstico feito por profissional de saúde mental ou utilizando escalas validadas para depressão clínica, sintomas depressivos ou risco de depressão; estudos observacionais longitudinais (coorte ou caso-controle) ou experimental; resultados apresentados como medidas de força de associação (razão de risco (RR), razão de chances (OR) ou razão de risco instantâneo (HR)), com intervalos de confiança de 95% ou informações suficientes para calculá-los.
Resultados
17 artigos foram incluídos no estudo. Os estudos incluídos foram publicados entre os anos de 2009 e 2021, embora 50% deles tenham sido publicados a partir de 2017. O número total de participantes na meta-análise foi 65.339. 3 (15%) estudos apresentaram alto risco de viés, 4 (20%) apresentaram baixo risco de viés e 13 (65%) apresentaram risco médio de viés.
A análise principal mostrou que dietas com baixo consumo de carne (agrupando os estudos de dietas sem carne e com pouca carne) estavam associadas de forma protetora ao risco de depressão (RR = 0,82; IC95%: 0,72–0,91), com heterogeneidade moderada (I² = 58,9%; p = 0,065). Dada a heterogeneidade observada, foram realizadas análises de subgrupos de acordo com as variáveis mais relevantes.
Os resultados mostraram uma associação protetora entre uma dieta sem carne e o risco de depressão (RR = 0,74; IC95%: 0,59–0,89), com heterogeneidade moderada (I² = 53,9%; p = 0,013). O grupo “dieta com pouca carne” incluiu 8 amostras em que a exposição foi um padrão alimentar obtido por métodos “a posteriori”, que comparavam consumidores com menor ingestão de carne com aqueles de maior ingestão. Os resultados obtidos para esse grupo apresentaram uma associação inconclusiva e inconsistente entre os subgrupos com o risco de depressão, com o limite superior do intervalo de confiança próximo ao valor nulo (RR = 0,90; IC95%: 0,81–0,99) e heterogeneidade moderada-baixa (I² = 34,8%; p = 0,150).
A razão de risco combinada (RR) para depressão nos estudos de coorte mostrou um efeito protetor (RR = 0,74; IC95%: 0,64–0,84), sem heterogeneidade (I² = 0,0%), enquanto os estudos caso-controle apresentaram alta heterogeneidade (I² = 85,2%) e uma associação não conclusiva com a depressão (RR = 0,70; IC95%: 0,22–1,18).
As principais fontes de heterogeneidade identificadas foram o desenho do estudo, a qualidade do estudo, o ano de publicação (antes de 2018), a localização geográfica (países asiáticos), presença de grande desigualdade de gênero no país da coorte e a ausência de ajuste dos modelos para depressão prévia, idade, tabagismo e para variáveis sociais.
Na análise de subgrupos houve uma tendência a uma associação mais protetora entre uma dieta sem carne e depressão quando mais variáveis sociais foram usadas para ajustes.
Veja também: A complexa relação entre hábitos alimentares, depressão e obesidade em pediatria
Discussão
O trabalho mostrou uma associação protetiva entre dieta sem carne e o risco de depressão. Essa associação foi consistente em estudos de coorte, estudos de maior qualidade e os estudos mais recentes. A análise de subgrupos indicou que a relação entre uma dieta sem carne e a depressão pode ser influenciada por variáveis psicossociais. No entanto, esses resultados não foram confirmados para a dieta com pouca carne. Embora também tenha mostrado um efeito protetor, os resultados foram inconclusivos, já que o valor superior do intervalo de confiança ficou muito próximo do valor nulo.
Diferenças nas motivações para interromper o consumo de carne podem estar ligadas aos achados da pesquisa. Normalmente aqueles que apresentam uma dieta sem carne têm motivações éticas (anti-especismo ou ambientais), enquanto as pessoas que mantêm um consumo baixo, mas flexível, geralmente o fazem por razões ligadas à saúde, como perda de peso ou o tratamento de alguma doença grave que poderia se beneficiar de uma dieta mais saudável. Normas culturais, status socioeconômico, preocupação com a saúde, a situação político-econômica do país ou práticas religiosas estão entre os fatores que podem influenciar tanto a dieta quanto o risco de depressão. Um estudo de 2021 mostrou uma associação entre preocupação excessiva com alimentação saudável e depressão nos flexitarianos, o que, nesse grupo, pode confundir a associação entre a dieta e o risco de depressão. É importante destacar que não há dados primários nos estudos que confirmem tais assunções, bem como não foi possível quantificar a influência de algumas variáveis psicossociais porque não estavam disponíveis nos estudos primários.
Limitações
- Alta heterogeneidade da medição da exposição, frequente em estudos dietéticos ou nutricionais;
- Dietas vegetarianas e veganas foram agrupadas na mesma categoria, mas os veganos são mais propensos a consumir suplementos nutricionais que podem estar associados a um menor risco de depressão;
- Não foi possível determinar se a associação protetora se deve à exclusão da carne da dieta, aos aspectos sociopsicológicos associados a essas dietas ou à ingestão de suplementos;
- O autorrelato de depressão, ainda que utilizando escalas validadas, pode ter afetado o resultado;
- Nenhum estudo da América ou da África atendeu aos critérios de inclusão;
- Graças a ausência de dados brutos dos estudos originais não foi possível realizar técnicas de meta-regressão precisas;
- A falta de perspectiva social na maioria dos estudos primários levou à ausência de variáveis sociais relevantes, como gênero, status socioeconômico, cultura, religião e motivações para a adoção de uma dieta sem carne ou com baixo teor de carne.
Impactos para a Prática Clínica
- Uma dieta sem carne protegeu contra a depressão nesta meta-análise. Os resultados não foram conclusivos em relação a dieta com baixo teor de carne;
- Variáveis psicossociais influenciam a associação, e estudos futuros devem analisá-las.
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