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Psiquiatria19 junho 2024

Como diferenças moleculares entre os antidepressivos podem guiar a prática clínica

Entender as diferenças moleculares entre os antidepressivos é fundamental para personalizar o tratamento de seu paciente.
Por Julia Campos

Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com GSK de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.

Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) foram a primeira classe de fármacos racionalmente desenhados na psiquiatria. Eles foram revolucionários para a prática clínica, por apresentarem boa efetividade e poucos efeitos colaterais se comparados às classes de antidepressivos preexistentes.1,2,3 Mesmo após décadas de seu surgimento, ainda hoje os ISRS são fármacos rotineiramente utilizados em todo o mundo como a primeira escolha de tratamento para diversos transtornos psiquiátricos, como depressão, ansiedade generalizada, transtorno do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, ansiedade social e transtorno do estresse pós-traumático.1,3

Os principais fármacos comercializados dessa classe são paroxetina, sertralina, fluoxetina, escitalopram, citalopram e fluvoxamina. Todos eles têm um mecanismo de ação em comum: aumentar a disponibilidade de serotonina na fenda sináptica através do bloqueio dos transportadores desse neurotransmissor (receptores 5-HT ).1,3 Apesar dessa semelhança, cada medicação apresenta sua especificidade, podendo atuar em diferentes subtipos desse receptor e em outros receptores, incluindo noradrenérgicos, muscarínicos e histaminérgicos. Essas propriedades secundárias levam a variações terapêuticas e diferentes perfis de efeitos colaterais para cada um dos integrantes dessa família.1

Conhecer essas diferenças moleculares é essencial para indicar a melhor opção de tratamento para cada paciente. Acompanhe abaixo os detalhes sobre cada um dos ISRS mais relevantes para a prática clínica.

Paroxetina

Dentre os antidepressivos disponíveis para uso clínico, a paroxetina apresenta o bloqueio mais potente da recaptação de serotonina. Ela tende a ser o ISRS mais tranquilizante e sedativo no início do tratamento, provavelmente devido ao seu efeito anticolinérgico derivado de sua ação no receptor M1.² Esse efeito é particularmente bem-vindo em pacientes com agitação e insônia, manifestações frequentes em pacientes com transtornos ansiosos e depressão com características ansiosas.1 Em doses mais altas (acima de 40mg por dia), a paroxetina consegue ter um efeito dual, inibindo também a recaptação de norepinefrina.4

Sua meia-vida média é de 21 horas.4 A interrupção súbita da paroxetina pode levar a reações de abstinência especialmente potencializadas pelo rebote anticolinérgico, como acatisia, inquietação, sintomas gastrointestinais, tontura e formigamento.2 Por outro lado, esta medicação é o único ISRS disponível na opção de liberação prolongada no Brasil, e o uso desta formulação pode atenuar os efeitos colaterais possíveis na introdução e no desmame dessa medicação.5

Fluoxetina

Dentre os ISRS, a fluoxetina apresenta o bloqueio mais pronunciado do receptor subtipo 5HT2C. Acredita-se que esse local de ação está associado a um efeito energizante, com melhora na concentração e atenção. Essas consequências podem ser benéficas para pessoas que apresentam maior letargia, fadiga e sonolência. Porém, é preciso ter cautela: isso também pode levar a uma pior adaptação à introdução da fluoxetina em pacientes com insônia, agitação e ansiedade.1,2 Entre os ISRS, essa medicação é a que apresenta a ligação menos específica ao transportador 5-HT, podendo também interagir com receptores noradrenérgicos e dopaminérgicos em altas doses.2,3

A meia-vida da fluoxetina é longa (um a quatro dias) e é maior ainda para o seu metabólito ativo (até duas semanas).2 Dado esse tempo prolongado de depuração, deve-se ter cuidado antes de iniciar outra medicação, como os antidepressivos tricíclicos. A elevada meia-vida, por outro lado, reduz possíveis reações de retirada diante de uma suspensão súbita do remédio.2

Sertralina

Além da ação serotoninérgica, a sertralina inibe o transporte de dopamina e consegue se ligar aos receptores sigma-1 (𝛔1).1,3 A inibição de recaptação da dopamina poderia levar a melhoras na energia, motivação e concentração, de forma semelhante à fluoxetina, porém menos intensa. As ações em 𝛔1 possivelmente contribuem para ações ansiolíticas1. Sua meia-vida varia de 22 a 36 horas.2

Fluvoxamina

A fluvoxamina também apresenta interação com receptores 𝛔1, com maior afinidade que a sertralina. Não se sabe ao certo a relevância clínica que isso pode ter – estuda-se a possibilidade de que isso explique as propriedades ansiolíticas, sedativas e cognitivas desse fármaco.3 Sua meia-vida média é de 15 horas, porém esse intervalo pode aumentar à medida em que doses maiores são administradas.2

Citalopram

Este antidepressivo é composto pela mistura de dois enantiômeros (R e S). Algumas evidências sugerem que o enantiômero S é o composto responsável pela ação antidepressiva; o enantiômero R parece não inibir o receptor de sertralina e pode atrapalhar a ação terapêutica desse fármaco, sobretudo em doses baixas.3 Possui propriedades anti-histamínicas leves.2 Sua meia-vida é de aproximadamente 36 horas.2

Escitalopram

Trata-se do enantiômero S do citalopram, em sua forma isolada. É o fármaco com maior seletividade para o bloqueio da recaptação de serotonina em meio aos ISRS.3 A ausência do isômero R parece remover as propriedades anti-histamínicas e faz com que a menor dose do escitalopram tenha eficácia mais previsível. Por isso, o escitalopram é o ISRS cujas ações terapêuticas são quase todas explicadas pelo bloqueio 5-HT, sem efeitos secundários clinicamente relevantes.1

Diferentes demandas, diferentes antidepressivos

Apesar de parecidos, inibidores da recaptação de serotonina não são todos iguais. Entender as diferenças moleculares entre eles é essencial na busca do melhor antidepressivo para cada paciente. Esse cuidado é de suma importância para fazer uma indicação individualizada e efetiva, visando a uma maior gama de efeitos terapêuticos possíveis, com o menor número de efeitos colaterais.1

 

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Referências bibliográficas

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