Na prática médica ortopédica é comum nos depararmos com 3 tipos principais de queixas:
- Traumáticas, que irão incluir as entorses, contusões, lesões musculares, fraturas e até períodos pós-operatórios (trauma cirúrgico).
- Espasmódicas, que incluem as contraturas musculares com bastante frequência em região cervical (torcicolo), lombar e em membros inferiores como na região posterior da coxa e perna.
- Crônicas, como decorrência da não cicatrização das lesões anteriores e possível associação com componente neuropático ou decorrentes de processos degenerativos (artrose).
Falando das queixas traumáticas, no tratamento de uma das patologias mais comuns do pronto-socorro, por exemplo, que são as entorses de tornozelo, são medidas importantes no início: 1- período curto de imobilização; 2- uso de AINE para redução da dor e edema;1 3- crioterapia e 4- reabilitação precoce.2 O benefício dos AINEs em lesões musculares também já foi provado, porém parece que um potencial efeito benéfico na fase inicial após uma lesão não é mantido a longo prazo, ou é até mesmo anulado por um déficit de reparo.3
Se formos nos atentar às fraturas, há uma discussão histórica se o uso de AINEs poderia ocasionar um retardo de consolidação. Isso foi baseado em um estudo antigo em modelo animal, porém, os estudos iniciais de avaliação em seres humanos sempre colocaram em dúvida a teoria, atentando para descartar outros fatores confundidores como tabagismo e diabetes.4 Uma metanálise de 2019 demonstrou que esse efeito de retardo de consolidação aconteceria apenas em doses altas e duração prolongada de tratamento, não acontecendo em tratamentos curtos.5
No pós-operatório de cirurgias ortopédicas, os analgésicos comuns como o paracetamol e dipirona são sempre boas opções podendo ser associados aos AINEs e até mesmo a opioides dependendo do caso.6 Nós sabemos que na prática da nossa especialidade isso irá variar muito de cirurgia a cirurgia. Um pós-operatório de uma fratura de úmero não demanda a mesma analgesia de uma ressecção de cisto sinovial e cabe a nós ajustar a escolha, combinação e dose da medicação.
No tratamento de contraturas musculares, em especial do torcicolo e dor lombar, é indicado o uso dos AINEs, analgésicos (dipirona, paracetamol), ibuprofeno, que a depender da dose apresenta maior efeito analgésico ou anti-inflamatório e relaxantes musculares (carisoprodol ou ciclobenzaprina) para controle da situação.7 Uma revisão recente da Cochrane demonstrou efeito moderado na melhora da dor com uso de AINEs em lombalgias agudas, assim como efeito leve com o uso de relaxantes musculares.8 Uma outra revisão da Cochrane de 2020 já havia comparado os AINEs não-seletivos (nimesulida, diclofenaco, ibuprofeno e cetoprofeno, por exemplo) com os inibidores seletivos da COX-2 (etoricoxibe e celecoxibe) sem diferenças significativas entre eles.9
Outros estudos mais antigos demonstraram que os relaxantes musculares, principalmente ciclobenzaprina e carisoprodol, tem bons resultados como adjuvantes no controle da dor miofascial, em doses que não levam a aumento de efeitos colaterais como sonolência e cansaço.10 Da mesma forma, um ensaio clínico randomizado controlado por placebo demonstrou sucesso do carisoprodol 250 mg 3 vezes ao dia no tratamento do espasmo muscular de região lombar com redução significativa da dor em metade do tempo em relação ao grupo placebo (3 vs 6 dias), sem eventos adversos significativos.11
Uma revisão de 2022 sugeriu no tratamento das síndromes miofasciais como lombalgias e torcicolos em idosos a combinação de AINE e paracetamol, mantendo sempre o cuidado com nefrotoxicidade e interações medicamentosas nessa população. O mesmo estudo também sugeriu o uso de relaxantes musculares para a condição, porém mantendo o cuidado relacionado a quedas.12 Uma metanálise baseada em recomendações europeias também enumera uma lista de medidas não-farmacológicas para ajuda na resolução da dor cervical e lombar como aconselhamento e educação, terapia manual, fisioterapia e até psicoterapia ou tratamento multidisciplinar para subgrupos específicos.13
Quando a causa da dor lombar é mista, com cronificação, se associando a um componente neuropático, muitas das vezes é interessante a titulação e introdução de analgésicos opioides e fármacos que atuam no sistema nervoso central como pregabalina e duloxetina.14 No caso da artrose, por se tratarem de pacientes mais idosos, além do paracetamol e medidas locais de controle da dor como as compressas mornas ou geladas, o uso de AINEs orais deve ser mais cuidadoso e reservado para momentos de agudização. Nos últimos anos o uso tópico dessa substância tem avançado com mais segurança e bons resultados nessa população.15,16,17
Casos clínicos
O primeiro paciente, de 23 anos, sofreu uma entorse durante prática de futebol evoluindo com edema em maléolo lateral, porém sem fratura.
Na prescrição desse paciente deixaríamos um anti-inflamatório como a nimesulida 400 mg de 12 em 12 horas por 5 a 7 dias associado aos cuidados de crioterapia durante 20 minutos 4 a 6 vezes ao dia, imobilização com bota robofoot por um curto período (3 a 5 dias no máximo) e orientação de seguimento ambulatorial para iniciar mobilização precoce e reabilitação.
O segundo paciente, de 45 anos, chega com queixa de excesso de horas de trabalho na última semana, tendo acordado com um torcicolo, estando impossibilitado de girar o pescoço para o lado direito. Depois de excluirmos a presença de qualquer tipo de déficit neurológico e examinarmos o paciente, seria orientada uma prescrição com associação entre um relaxante muscular como o carisoprodol, um AINE como o diclofenaco e um analgésico como o paracetamol. Hoje em dia, existem medicações que associam os 3 em um único comprimido podendo ser administrados a cada 12 ou 8 horas por um período de 5 a 7 dias. Nesse caso, a compressa morna local pode ajudar a relaxar a musculatura e a fisioterapia também entra como possibilidade de incrementar o tratamento.
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