No podcast especial de hoje, conversamos com o otorrinolaringologista Felippe Felix sobre anosmia e alterações de paladar na Covid-19.
No podcast especial de hoje, nossa editora médica associada, Dayanna Quintanilha, especialista em Clínica Médica, conversa com o otorrinolaringologista Felippe Felix, que tem mestrado e doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O tema é anosmia e alterações de paladar na Covid-19. Confira:
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Dayanna Quintanilha: Olá, pessoal, sejam bem-vindos a mais um podcast da PEBMED. O meu nome é Dayanna Quintanilha, eu sou especialista em clínica médica e hoje eu venho falar sobre um tema que tem sido muito recorrente nos atendimentos ambulatoriais, que é a alteração de olfato e de paladar durante e após a Covid-19. No início da pandemia, nós vimos que alterações de olfato e de paladar eram identificadas como marcadores da doença. Um exemplo foi um estudo que foi realizado no Irã, em que 59 dos 60 pacientes hospitalizados com Covid-19 apresentaram alterações de olfato em testes realizados. Hoje, após mais de seis meses de pandemia no Brasil, ainda ficamos atentos para essas alterações, pensando no diagnóstico. Mas também recebido muitos casos ambulatoriais de pacientes com sequelas olfativas e de paladar após a infecção. Para discutir conosco hoje a abordagem dessas questões, chamamos o otorrinolaringologista Felippe Felix. Ele tem mestrado e doutorado pela UFRJ, vai comparecer no nosso podcast hoje para conversar conosco sobre anosmia e alterações de paladar relacionados com o Covid-19. Seja muito bem-vindo, Felippe.
Felippe Felix: Tudo bem, Dayanna? Um olá a todo mundo que acompanha aqui o podcast da PEBMED.
Dayanna Quintanilha: Felippe, quer falar um pouco mais de você ou com o que você trabalha, o que você faz na sua rotina?
Felippe Felix: Eu sou médico otorrinolaringologista, trabalho na UFRJ, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e trabalho no hospital de servidores do estado do Rio de Janeiro.
Dayanna Quintanilha: Ótimo. Felippe, a primeira pergunta que eu queria falar contigo é uma pergunta mais para começarmos mesmo da base. Como ocorre essa fisiopatologia do acometimento de olfato, de paladar pelo SARS-CoV-2?
Felippe Felix: Bom, Dayanna, ótima pergunta. Isso foi algo que nos surpreendeu no início, porque a quantidade de gente que apresentou alteração do olfato e do paladar durante as infecções de Covid-19. Não é comum nas infecções virais essa quantidade grande. A gente tem o vírus influenza e outros vírus rinovírus mesmo que podem afetar o olfato em algumas situações, mas não nessa quantidade que vemos no Covid-19. O que vimos de explicação para isso, mais plausível no momento, é a ligação. Sabemos que o vírus se liga a receptores ECA e foram identificados receptores desse tipo nas células de sustentação ao redor dos neurônios olfatórios, então ali, junto dos receptores olfatórios do teto do nariz, da cavidade nasal. E quando se ligam a esses receptores nessas células de sustentação, e não são nos próprios neurônios olfatórios, essas células se incham e com isso diminuem a chegada da partícula olfatória até o receptor olfatório. Então eu acho que cria uma barreira ali pelo edema ao redor delas, pelo edema nessa região que impede a chegada da partícula olfatória diretamente no receptor olfatório nasal. É essa a principal ideia, então não é uma lesão diretamente no nervo a princípio, e sim uma lesão ao redor das células de sustentação desse nervo. Isso se explica na alteração do paladar. O paladar também parece ter receptores desse tipo, os corpúsculos gustativos, e com isso também alterar paladar. Temos que lembrar também que uma perda do olfato, por si só, já altera de alguma forma o paladar das pessoas. Não o gosto. O gosto, nós temos que diferenciar o que é gosto, o que é sabor. O gosto é azedo, amargo, sal e doce. Isso, a princípio, é preservado. O sabor, que é chocolate, morango, baunilha e qualquer sabor possível, esse depende muito do olfato. Então quando a pessoa perde o olfato, ela, na verdade, vai ter uma alteração do sabor dos alimentos, mas o salgado, o doce, o amargo e o azedo, ela continua sentindo.
Dayanna Quintanilha: Entendi. Tem algumas pessoas também que se queixaram comigo. Eu não cheguei a ter esses sintomas. Tive anosmia, mas não cheguei a ter, você cheirar, por exemplo, cheirar café e sentir gosto de lixo.
Felippe Felix: Isso.
Dayanna Quintanilha: Então eu vi algumas pessoas dizendo que estavam com essa distorção. Como funcionaria isso?
Felippe Felix: Existem dois tipos de distorção que podemos ter. Existe a parosmia, em que cheiramos, por exemplo, como você citou, o café e temos uma percepção diferente do odor do café. A pessoa sente o cheiro de alguma coisa podre ou alguma coisa diferente. Isso é uma parosmia. Existe ali uma substância, ela está sentindo o cheiro daquilo, mas o cheiro vem distorcido para o cérebro. Pode ser também por conta dessa captação diferente dos receptores olfatórios. Esse que é o momento de transição quase melhorando. Ele pode sentir essa parosmia. E alguns pacientes relataram também fantosmia, que é diferente da parosmia. A fantosmia, a pessoa sente o cheiro mesmo sem nada estar no ambiente. Na parosmia estava lá o café, por exemplo, que ela estava tentando sentir o cheiro. Na fantosmia, ela sente o cheio ruim ou diferente, mas não existe substância nenhuma ali perto que ela esteja sentindo o cheiro.
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Dayanna Quintanilha: Interessante. Essa fantosmia, eu não conhecia. Parosmia, eu vi esse termo agora. Fantosmia para mim é novo. Muito bom. Uma outra dúvida que eu tenho: o paciente que chega com anosmia, você consegue diferenciar clinicamente de outras causas de anosmia quando a anosmia é pelo SARS-CoV-2?
Felippe Felix: Não. Infelizmente não. Ele vai estar com anosmia. Eu acho que tem toda a questão clínica ao redor, vamos ver se teve febre, se teve alguma alteração desse tipo, nesse momento de pandemia. É lógico que a principal hipótese vai ser SARS-CoV-2, mas é difícil diferenciar. Vou te falar que é quase impossível.
Dayanna Quintanilha: Entendi. E na sua vivência ambulatorial, com esses casos que tem chegado pós-Covid, como tem sido? Tem chegado bastante caso? E quais seriam as orientações gerais que deveríamos dar para esses pacientes?
Felippe Felix: Tem. Tem chegado bastante caso, muito maior acima do que recebemos normalmente, mesmo com infecções virais que já tínhamos contato antes. Bom, primeira coisa que temos que falar para o paciente é que ele tem que tomar alguns cuidados nesse período. Se ele perder o olfato, ele tem alguns riscos que ele pode estar sofrendo, por exemplo, em casa, ele pode inalar gás sem ele ter percepção de que está inalando gás, que está vazando gás na casa e não ter essa noção. Então é importante usar detector de gás, de vazamento de gás no ambiente. Existe isso facilmente encontrado em loja, Internet ou lojas físicas. Detector de fumaça também é importante. Isso é fácil também encontrar para detectarmos intoxicação ou incêndio na sua casa, que você sem olfato perde essa noção também. Outra coisa que é importante, dependendo do tempo que a pessoa ficar sem o olfato, tornar bem visíveis as etiquetas dos alimentos. Alimentos vão estragar e não vão ser percebidos e com isso é importante ver a validade dos alimentos, porque a pessoa sem olfato perde essa noção de que o alimento está estragado, está com cheiro característico e não vai ter isso. O que eu recomendo nesse momento para os pacientes que chegam com perda de olfato? A primeira coisa é o treinamento olfatório. Podemos usar óleos essenciais de quatro substâncias que têm o odor bem característico, bem rico, que é o eucalipto, a rosa, o limão e o cravo-da-índia. Pedimos para o paciente cheirar cada produto desse por dez segundos fazendo um intervalo entre um produto e outro, a cada dez segundos, para não confundir o cheiro, e repetir isso duas vezes por dia como se fosse uma fisioterapia do olfato. Com esse treinamento olfatório, notamos que ele vai começar ter uma certa estimulação e vai percebendo. Ele vai conseguindo até graduar uma anosmia mudando para uma hiposmia. Ele fala: ” – Olha, eu já estou sentindo o cheiro do eucalipto lá longe”, ou da rosa: ” – Estou sentido o cheiro da rosa longe”. Então já estamos tendo uma noção de que está voltando alguma função daquela parte olfatória dele.
Dayanna Quintanilha: Entendi. E tem alguma evidência de algum outro tipo de terapia, alguma medicação? Eu li sobre vitamina A intranasal, ômega 3, algumas dessas terapias têm evidência comprovada?
Felippe Felix: Bom, Dayanna, evidência comprovada, não. Existiram alguns trabalhos, 2015, 2012, em revistas importantes que revisaram isso, estudos duplo-cegos randomizados que tentaram achar evidência, mas não encontraram evidência ainda benéfica. Sabemos que é usado vitamina A intranasal, ômega 3 e outras substâncias, mas não existe nenhuma evidência científica de melhora com esse tipo de substância ainda comprovada.
Dayanna Quintanilha: Felippe, e com relação ao corticoide nasal, eu vi algumas pessoas já prescrevendo. Tem alguma evidência?
Felippe Felix: Se a pessoa já era usuária de corticoide nasal anteriormente, seja por uma rinite alérgica, um quadro de rinite crônica, sim, vai melhorar de alguma forma, ou melhor, a chegada da partícula odorífera até os receptores olfatórios, mas falar que tem evidência especificamente na anosmia pelo Covid-19, pelo SARS-CoV-2, não temos essa evidência ainda não. A não ser, lógico, nos pacientes que já eram usuários por rinites crônicas, e esses pacientes não têm benefício como já tinham antes pela doença de base deles.
Dayanna Quintanilha: Entendi. E quando deveríamos pedir alguns exames específicos para investigar?
Felippe Felix: Bom, boa pergunta, Dayanna. Devemos pedir exames específicos quando o quadro está demorando a se reverter. Pela fisiopatogenia que conhecemos, imaginamos que vá diminuir aquele edema em volta dos receptores olfatórios até 14 dias. Boa parte dos pacientes vão melhorar dentro de 14 dias. A pequena parte que mantém esse quadro de anosmia, além do período normal, que estamos vendo no momento para o Covid-19, esses pacientes merecem uma investigação por imagem para vermos a região do bulbo olfatório, para saber se está tendo outra coisa concomitante ou como sequela dessa infecção por Covid. Então, vale a pena nesses pacientes que estão mantendo um quadro além de um mês, pelo menos, da infecção.
Dayanna Quintanilha: Bom, Felippe, muito obrigada. Nossas perguntas foram essas. Foi muito importante para eu fazer esse podcast, porque eu tenho recebido muitos casos desses no meu ambulatório e queria agora pedir para você deixar uma mensagem prática final para quem está com anosmia, ou com parosmia, ou para quem está atendendo pacientes com essa sequela.
Felippe Felix: Primeiro passar tranquilidade para as pessoas. Acho que a maior parte, grande parte das pessoas que estão desenvolvendo hiposmia ou anosmia tem um quadro reversível em até uma semana, 14 dias, isso varia um pouco de pessoa para pessoa. Ficarmos atentos a infecções bacterianas que vão aparecer logo depois. Não é incomum aparecer um quadro de sinusite pós-SARS-CoV-2, então o paciente acaba desenvolvendo uma sinusite bacteriana após a infecção viral, e aí o quadro fica mais arrastado de perda de olfato. Então, ficar atento também para ver se não tem um quadro de sinusite bacteriana que apareça depois. Isso acaba perpetuando também esse quadro. E o treinamento olfatório é o que mostra resultado e incentiva o paciente a estar sempre estimulando de alguma forma aquele nervo olfatório dele, e vale muito a pena, e nós estamos conseguindo muito benefício através desse tipo de recurso. Está certo?
Dayanna Quintanilha: Muito obrigada, Felippe, foi muito importante sua participação conosco aqui hoje. Queria agradecer a todo mundo que está nos ouvindo até agora e pedir para que vocês entrem no portal da PEBMED, que é o pebmed.com.br. Postaremos todas as novidades sobre Covid-19 e sobre os outros assuntos para quem já nos acompanha. Você já sabe que nós estamos ligados em todos os artigos que têm saído nas últimas semanas, nos últimos meses.
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