Em 2007 teve início o Human Microbiome Project (HMP) pelo NIH americano com intuito de mapear todos os genes em simbiose com o corpo humano, sobretudo relacionados a bactérias e vírus. Atualmente, sabe-se que possuímos mais genes não humanos do que humanos propriamente ditos vivendo em simbiose em todo o nosso corpo e modulando diversas reações fisiológicas incluindo nosso sistema imunológico.
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Função da microbioma pulmonar
Com o desenvolvimento de técnicas de sequenciamento genético e reação em cadeia da polimerase (PCR) em detrimento dos meios de cultura foi possível identificar inúmeros micro-organismos em praticamente todos os nossos sistemas, sobretudo a pele e o trato gastrointestinal. O pulmão foi considerado um órgão estéril durante muitos anos, muito pela dificuldade de identificação pelos meios de culturas disponíveis. Porém, há mais de uma década já se acredita que a flora pulmonar está constantemente modulando o nosso sistema imunológico em íntima relação com o trato gastrointestinal. A interação entre o pulmão e o microbioma gera toda a metabolômica responsável pela modulação das reações imunes em indivíduos sadios e também em momentos de disbiose, quando ocorrem infecções e doenças que prejudicam o trato respiratório.
Fatores determinantes do microbioma pulmonar incluem a inalação de antígenos e a microaspiração que ocorrem desde o nascimento, gerando a tolerabilidade do sistema imune e sua normofunção. É importante lembrar que a aspiração de conteúdo gástrico no ser humano é fisiológica e ocorre durante vários momentos do dia e durante a noite. Estudos recentes mostram que o microbioma pulmonar pode ser mais semelhante ao microbioma gástrico quando comparado à via aérea superior, por exemplo. No microbioma normal, fazem parte os streptococcus, prevotella, pseudomonas, haemophilus, entre outros, e ele pode variar de acordo com as exposições, alimentação, genética, e é diferente de uma população para outra considerando a etnia. Recentemente, a teoria do influxo-efluxo foi proposta para justificar o que ocorre com o microbioma pulmonar. Segundo ela, a microbiota não é residente e está em constante recolonização, há baixa biomassa microbiana apesar da exposição, e está em constante balanço com o influxo e o efluxo microbiano gerando homeostase.
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Durante episódios de pneumonia, ou seja, infecções do trato respiratório, a homeostase dá lugar à disbiose. Ocorre um aumento de determinadas bactérias a despeito de outras, levando ao aumento da atividade inflamatória e doença. Nesse processo, há uma interferência direta do uso de antibióticos, exposições ambientais e ventilação mecânica, por exemplo. Além disso, pode ocorrer simultaneamente prejuízo e alteração da flora gastrointestinal como consequência da doença pulmonar. Em ventilação mecânica, há uma relação com pior prognóstico e maior tempo de ventilação naqueles pacientes em disbiose do que aqueles com flora pouco alterada. Não apenas na pneumonia associada à ventilação mecânica, mas em doenças como asma, fibrose cística, bronquiectasias e no DPOC há uma relação do microbioma possivelmente associada ao curso da doença.
Na prática, meios de quantificação do microbioma são de difícil acesso, porém há ainda uma gama de estudos e mais perguntas do que certezas sobre o assunto. O papel de vírus e fungos ainda é pouco estabelecido e durante a pandemia de Covid-19 já se observou diversas mudanças na flora pulmonar pela própria infecção.
Mensagens práticas:
- O pulmão não é estéril e sua relação com o meio externo e o trato gastrointestinal são importantes fatores na homeostase do sistema imune;
- A disbiose é predominante em processos infecciosos e o uso indiscriminado de antibióticos é um fator predisponente;
- Há inúmeras doenças relacionadas como a asma, a fibrose cística, o DPOC, tuberculose e o próprio câncer.
Referências bibliográficas:
- Fernández-Barat L, López-Aladid R, Torres A. Reconsidering ventilator-associated pneumonia from a new dimension of the lung microbiome. EBioMedicine. 2020 Oct;60:102995. doi: 10.1016/j.ebiom.2020.102995.
- Budden KF, Shukla SD, Rehman SF, Bowerman KL, Keely S, Hugenholtz P, Armstrong-James DPH, Adcock IM, Chotirmall SH, Chung KF, Hansbro PM. Functional effects of the microbiota in chronic respiratory disease. Lancet Respir Med. 2019 Oct;7(10):907-920. doi: 10.1016/S2213-2600(18)30510-1.
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