Em março de 2023, a revista médica JAMA Pediatrics publicou uma revisão sistemática e metanálise muito interessante sobre a relação da idade de introdução de alimentos alergênicos e o risco de alergia alimentar mediada por IgE em crianças de até 5 anos.
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Metodologia
Os pesquisadores investigaram, como desfechos primários, o surgimento de alergia alimentar mediada por IgE diagnosticada através de teste de provocação oral (TPO), diagnóstico médico ou relato do responsável, sendo avaliado ainda com que frequência os pacientes foram excluídos dos estudos por não seguir a intervenção recomendada.
Como desfrecho secundário, foi analisada a sensibilização a quaisquer alimentos através do teste de puntura (prick test) e/ou IgE específica, além da sensibilização para ao menos um dos seguintes alimentos comumente relacionados a alergias alimentares: leite, ovo, soja, trigo, amendoim, nozes, peixe e mariscos (crustáceos e moluscos).
Os resultados foram descritos como risco relativo (RR) com um intervalo de confiança (IC) de 95%, sendo considerada significância estatística valores de p < 0,05. Para avaliar o nível de evidência, foi utilizado o sistema GRADE (The Grading of Recommendations, Assessment, Development, and Evaluation).
Resultados
Dentre 9.283 títulos, foram selecionados 23 estudos, sendo um total de 53 artigos e 13.794 participantes randomizados. A intervenção mais frequente nos estudos incluídos foi a introdução precoce do ovo de galinha (nove estudos), seguido do leite de vaca (8 estudos). A introdução alimentar foi iniciada antes dos 6 meses em 80% dos estudos que avaliavam o início da alimentação complementar.
Introdução precoce de múltiplos alimentos alergênicos: a meta-análise de 4 estudos (3.295 participantes) mostrou, com nível moderado de evidência, que a intervenção em pacientes entre 2-12 meses (mediana de 3-4 meses) está relacionada com a redução do risco de qualquer alergia entre 1 e 3 anos de idade (RR de 0,49; IC 95%, 0,33-0,74). O nível de evidência no que tange à sensibilização alérgica foi baixo devido a inconsistências nos estudos.
Há nível moderado de evidência de que a introdução precoce de múltiplos alimentos alergênicos se associou com a saída do participante do estudo devido a intervenção designada (RR de 2,29; IC 95%, 1,45-3,63).
Considerações
- Introdução precoce de ovo de galinha: como citado, os autores identificaram nove estudos (4.811 participantes) sobre o tema, havendo alto nível de evidência de que a introdução do alimento entre 3-6 meses de vida seja protetora para alergia alimentar ao ovo (RR de 0,60; IC 95%, 0,46-0,77) e moderado grau de evidência de que a intervenção reduz a sensibilização ao ovo (RR de 0,81; IC 95%, 0,69-0,96). O nível de evidência sobre a saída dos participantes nestes trabalhos foi baixo.
- Introdução precoce de amendoim: foram incluídos quatro artigos (3.796 participantes) que demonstraram alto nível de evidência com relação à redução do risco de alergia quando o alimento é introduzido na dieta precocemente (RR de 0,31; IC 95%, 0,19-0,51). O nível de evidência de que retardar o consumo do alimento reduz a sensibilização alérgica é baixo. Com relação à perda de participantes devido à intervenção, o nível de evidência no caso do amendoim é muito baixo.
- Introdução precoce de leite de vaca: na comparação de introdução precoce ou tardia do leite de vaca, os níveis de evidência foram todos baixos ou muito baixos, devido a imprecisões e pela oferta estudada para o alimento não ser a oferta típica, ou seja, não seria representativa. A meta-análise de 6 estudos (3.900 participantes) sobre a evidência de que a introdução do leite no primeiro dia de vida ou no quarto mês de vida reduz o risco de alergia foi muito baixa, assim como sobre o desfecho de sensibilização alérgica.
- Introdução precoce de outros alimentos alergênicos: a quantidade de evidências sobre outros alimentos era limitada. Foram incluídos cinco estudos sobre trigo (4.658 participantes), seis sobre soja (2.215 participantes), três sobre peixe (2.098 participantes) e dois sobre crustáceos e nozes, todos geralmente em um contexto de introdução de múltiplos alimentos alergênicos e não individualmente. Apenas um pequeno número de pacientes com alergia foi incluído, não sendo identificada diferença entre os grupos no caso da alergia e sensibilização ao trigo e também à soja.
Tabela 1 – Resumo dos resultados da meta-análise.
Introdução precoce de: | Número de estudos | Desfecho | Nível de evidência | RR | IC 95% |
Múltiplos alimentos | 4 | Alergia Sensibilização Perda | Moderado Baixo Moderado | 0,49 – 2,9 | 0,33-0,74 – 1,45-3,63 |
Ovo de galinha | 9 | Alergia Sensibilização Perda | Alto Moderado Baixo | 0,60 0,81 – | 0,46-0,77 0,69-0,96 – |
Amendoim | 4 | Alergia Sensibilização Perda | Alto Baixo Muito Baixo | 0,31 – – | 0,19-0,51 – – |
Leite de vaca | 8 | Alergia Sensibilização Perda | Baixo Baixo Baixo | – – – | – – – |
Legenda: IC95% – intervalo de confiança de 95%; RR – risco relativo.
Conclusões
A revisão e meta-análise identificou que a introdução precoce de alimentos alergênicos em geral, assim como especificamente de ovo e amendoim, está associada à redução do risco de alergia a estes alimentos. Ficou claro também que intervenções com múltiplos alimentos geram menor aderência. Dessa forma, embora a introdução precoce pareça ser protetora, se destaca a necessidade de definir um número de alimentos mais aceitável nesta orientação. As evidências não permitem conclusões com relação a introdução precoce de leite de vaca.
Os achados do estudo sugerem que aproximadamente 38 famílias precisariam ser orientadas sobre introdução precoce de alimentos alergênicos para prevenir 1 criança com alergia alimentar, embora o número certamente seja reduzido em famílias com alto risco de alergia.
Os autores também salientaram que a maiores das intervenções se iniciaram antes dos 6 meses de idade, o que vai contra a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Uma preocupação é com a possibilidade de a introdução precoce dos alimentos favorecer o desmame, especialmente em países menos desenvolvidos.
Os achados deste estudo estão alinhados com os maiores trials sobre o assunto, como o Preventing Atopic Dermatitis and Allergies in Children (PreventADALL) e o Learning Early About Peanut Allergy (LEAP).
Leia também: Introdução do amendoim a lactentes como forma de prevenção de alergia
Mensagem prática
As urticárias, especialmente aquelas com caráter crônico e espontâneo, são um grande desafio para o médico e são causa importante de ansiedade e prejuízo de qualidade de vida para o paciente.
Apesar do surgimento e maior disponibilidade de tratamentos para a doença nos últimos anos, especialmente de imunobiológicos, ainda são necessários estudos para melhor compreender os mecanismos preponderantes nos diferentes subtipos da doença.
A possibilidade de revisão e criação de um consenso a partir de um grupo tão rico que conta com os maiores especialistas no assunto mundialmente é extremamente valioso para o médico especialista e não especialista que lida com estes pacientes.
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