As infecções são responsáveis por 26,5% da carga global de doenças e 25% dos óbitos em crianças em todo o mundo. No entanto, as manifestações clínicas dessas infecções variam de sintomas mínimos a falência de múltiplos órgãos e morte. As definições atualmente aceitas de sepse, sepse grave e choque séptico foram desenvolvidas e refinadas usando diferentes critérios para ajudar a identificar, tratar e estudar pacientes com infecções que apresentam maior risco de morbidade e mortalidade significativas. Todavia, variáveis específicas que identificam pacientes pediátricos com sepse e seus desfechos nunca foram rigorosamente avaliados em uma revisão sistemática.
Em 2016, o estudo Sepse-3, que consistiu em uma atualização da definição de sepse em adultos, incluiu uma revisão sistemática dos critérios relatados usados para identificar pacientes com choque séptico. Esta revisão enfocou os critérios hemodinâmicos, mas foi limitada a estudos de países de renda média alta e alta, além de ter excluído estudos pediátricos. Os resultados dos ensaios de adultos não podem ser extrapolados para crianças devido às diferenças na epidemiologia, taxas de mortalidade, doenças subjacentes, desfechos específicos da doença e diferentes respostas à terapia. Dessa forma, a Society of Critical Care Medicine (SCCM) convocou um grupo de trabalho de definição de sepse pediátrica para avaliar, desenvolver e validar critérios para a identificação de sepse em crianças. Como parte desse processo, o Task-Force conduziu uma revisão sistemática com o objetivo de determinar a capacidade das variáveis demográficas, clínicas, laboratoriais, de disfunção orgânica e de gravidade da doença de capturar crianças com infecções mais graves. Para tanto, os pesquisadores avaliaram a associação dessas variáveis com: 1) sepse, sepse grave ou choque séptico em crianças com infecção suspeita ou confirmada e 2) com nova disfunção múltipla de órgãos ou progressiva (NPMODS) ou mortalidade em crianças com sepse grave ou choque séptico. Os resultados desse estudo foram divulgados no artigo Criteria for Pediatric Sepsis—A Systematic Review and Meta-Analysis by the Pediatric Sepsis Definition Taskforce, publicado no jornal Critical Care Medicine.

Metodologia
Foram pesquisadas as bases de dados MEDLINE, Embase e o Cochrane Central Register of Controlled Trials, de 1º de janeiro de 2004 a 16 de novembro de 2020. Foram selecionados estudos de caso-controle, estudos de coorte e ensaios clínicos randomizados em crianças com idade gestacional de 37 semanas ou mais a 18 anos com infecção suspeita ou confirmada, que incluíam os termos “sepse”, “septicemia” ou “choque séptico” no título ou resumo. As características do estudo, dados demográficos do paciente, sinais ou intervenções clínicas, valores laboratoriais, medidas de disfunção orgânica e escores de gravidade da doença foram extraídos de artigos elegíveis. Por fim, uma meta-análise de efeitos aleatórios foi realizada.
Resultados
Um total de 116 estudos preencheram os critérios de elegibilidade, dos quais 81 foram incluídos na meta-análise. Dezesseis estudos (9.629 pacientes) forneceram dados para o desfecho sepse, sepse grave ou choque séptico e 71 estudos (154.674 pacientes) para o desfecho de mortalidade. Em crianças com infecção, a diminuição do nível de consciência e maiores escores de risco pediátrico de mortalidade foram associados com sepse/sepse grave. Em crianças com sepse/sepse grave/choque séptico, condições crônicas, diagnóstico oncológico, uso de agentes vasoativos/inotrópicos, ventilação mecânica, lactato sérico, contagem de plaquetas, fibrinogênio, procalcitonina, síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e a pontuação nos escores Pediatric Logistic Organ Dysfunction score (PELOD), Pediatric Index of Mortality-3 (PIM-3) e Pediatric Risk of Mortality (PRISM) demonstraram, cada um, associações significativas e consistentes com a mortalidade. As taxas de mortalidade combinadas variaram entre países de alta, média alta e média baixa para pacientes com sepse, sepse grave e choque séptico (p < 0,0001).
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Conclusão
Esse estudo avaliou rigorosamente a associação de variáveis individuais com o desenvolvimento de sepse em crianças com infecções e as chances de mortalidade em crianças com sepse, sepse grave e choque séptico. Os estudos incluídos eram de regiões economicamente diversas do mundo, populações com diversas condições subjacentes e definições variadas de sepse. Apesar da heterogeneidade clínica e do número limitado de estudos para algumas variáveis, foram observadas fortes associações com os desfechos de interesse para muitas das variáveis avaliadas, refletindo predominantemente medidas de disfunção orgânica e apoiando a inclusão dessas variáveis na fase de validação de dados do Pediatric Sepsis Definition Taskforce.
Referências bibliográficas:
- Menon K, Schlapbach LJ, Akech S, et al. Criteria for Pediatric Sepsis-A Systematic Review and Meta-Analysis by the Pediatric Sepsis Definition Taskforce [published online ahead of print, 2021 Oct 6]. Crit Care Med. 2021. doi: 10.1097/CCM.0000000000005294
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
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