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Terapia Intensiva19 outubro 2021

Qual papel do qSOFA na sepse?

Desde a publicação do SEPSIS-3, tem-se discutido a respeito do escore derivado do SOFA (Sequential Organ Failure Assesment), o qSOFA.

Por Filipe Amado

Desde a publicação do SEPSIS-3 em 2016, muito se tem discutido a respeito do escore derivado do SOFA (Sequential Organ Failure Assesment), o quick SOFA (qSOFA). De acordo com o consenso, o qSOFA consiste em analisar três variáveis:

  • PAS (pressão arterial sistólica) ≤ 100 mmHg;
  • Glasgow < 15;
  • Frequência Respiratória ≥ 22 ipm.

O qSOFA é considerado positivo quando dois ou mais desses três critérios estiverem presentes. Portanto, ao ser aplicado em um paciente com suspeita de infecção ou infecção confirmada, um qSOFA positivo indica a necessidade de prosseguir a investigação para sepse, com avaliação da presença de disfunção orgânica através do cálculo do SOFA (SOFA ≥ 2 associado à infecção representa SEPSE) . No entanto, pelo próprio consenso, mesmo em casos de qSOFA negativo, se ainda assim existir uma forte suspeita para disfunção orgânica associada (sepse), deve-se prosseguir a investigação (avaliação do SOFA) e encarar aquele paciente como sepse até que se prove o contrário.

Leia também: Guidelines da Surviving Sepsis Campaign 2021: cuidados iniciais na sepse e choque séptico

Qual papel do qSOFA na sepse?

O qSOFA pode servir então como screening para sepse?

Não. Inclusive, na recente publicação (outubro de 2021) das novas guidelines do Surviving Sepsis Campaign sobre o manejo da sepse e choque séptico, o painel de especialistas recomenda contra o uso do qSOFA como ferramenta exclusiva de rastreio para o diagnóstico de sepse ou choque séptico. 

Qual papel do qSOFA então?

O qSOFA tem papel preditor de mortalidade e de maior tempo de internação em UTI em pacientes com suspeita de sepse ou sepse confirmada. Assim, sua ligação é com DESFECHO e PROGNÓSTICO. As análises realizadas pelo SEPSIS-3 identificaram o qSOFA como um marcador de pior desfecho em pacientes com infecção suspeita ou conhecida. Nenhuma análise foi feita no sentido de validá-lo como ferramenta de screening para o diagnóstico de sepse. 

No estudo original de derivação do qSOFA, os autores reportaram que apenas 24% dos pacientes infectados apresentavam um qSOFA de 2 ou 3 (isso representa baixa sensibilidade). No entanto, esses pacientes representaram 70% dos desfechos piores (isso representa maior especificidade). 

Desde a publicação do SEPSIS-3, inclusive, vários estudos investigaram a potencial aplicação do qSOFA como ferramenta para screening diagnóstico. Os resultados foram contraditórios, não corroborando seu uso para esse fim. As evidências mostram até o momento que o qSOFA, em comparação aos critérios de SIRS (dois ou mais dos 4 critérios), é mais específico e menos sensível para o diagnóstico de disfunção orgânica associada à infecção. Por fim, nem o qSOFA nem SIRS são ferramentas ideais de screening diagnóstico para sepse.  

Como interpreto o qSOFA?

Imagine que você tenha então uma população de três pacientes com suspeita de infecção:

  • Paciente A: qSOFA = 0
  • Paciente B: qSOFA = 2
  • Paciente C: qSOFA = 1

O paciente B é o único com qSOFA positivo. Isso significa que, em uma população de três pacientes com suspeita de infecção, o paciente B tem maior probabilidade de ter um desfecho pior em relação aos outros dois. Logo, se existe um indicativo de pior desfecho em um paciente com suspeita de infecção, é possível que não se trate de infecção simples, mas de um provável quadro de sepse, que leva à maior gravidade que outras condições infecciosas não-sépticas.

O raciocínio acima não exclui o diagnóstico de SEPSE para os pacientes A e B, uma vez que qSOFA positivo não significa diagnóstico de sepse, mas sim pior prognóstico. Se, através de parâmetros clínicos e de história do paciente, a suspeita para sepse existir mesmo assim, prossiga a investigação com avaliação do SOFA do seu paciente. 

Para ilustrar, vamos à próxima e última pergunta da nossa discussão sobre o qSOFA. 

Saiba mais: Meu paciente séptico é cardiopata ou renal. Devo expandir a volemia?

Meu paciente com qSOFA negativo pode ter sepse?

J.A.S, 87 anos, Alzheimer avançado, restrito ao leito. Familiares referem que o mesmo cursa com oligúria, diurese concentrada e de odor fétido em fralda, há 3 dias, além de febre diária. Trouxeram ao PS para avaliação. Glasgow 4 + 2 + 5 – 11 (habitual do paciente) PA: 134/67 FC: 110 FR: 18 ipm SpO2: 95% (ar ambiente) Nesse caso, aplicamos o qSOFA por conta da suspeita de sepse: qSOFA de 1, pelo Glasgow do paciente (já inclusive se tratando de disfunção crônica sem descompensação). 

Com o qSOFA de 1, podemos então excluir o diagnóstico de sepse desse paciente?

Veja que nesse caso, nosso paciente tem história de oligúria e diurese concentrada. Neste momento, não temos acesso à função renal do mesmo, nem o qSOFA pode representar disfunção renal. No entanto, após solicitação dos exames do SOFA, que inclui a avaliação da função renal, podemos flagrar disfunção renal pelo aumento, por exemplo, da creatinina. Sendo assim, mesmo com qSOFA negativo, existe alta suspeita que a infecção (provavelmente urinária) esteja levando à prejuízo da função renal. Ou seja, trata-se de infecção levando à disfunção orgânica, o que representa um quadro de sepse. 

A discussão desse caso está aberta no Fórum do Portal PEBMED. E queremos ouvir sua contribuição e aumentar ainda mais nossa discussão. Aguardamos sua participação. Acesse aqui

Mensagens Práticas

  • O qSOFA não deve ser usado como screening para diagnóstico de sepse;
  • O qSOFA está ligado à maior mortalidade e maior tempo de internação em UTI, sendo marcador de pior desfecho, quando positivo;
  • Um qSOFA negativo não exclui sepse;
  • Avalie dados clínicos e da história do paciente. Se suspeita alta para disfunção orgânica associada à infecção, continue a investigação e conduza como sepse até que se prove o contrário. 

Referências bibliográficas:

  • Evans L, Rhodes A, Alhazzani W, et al. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of sepsis and septic shock 2021 [published online ahead of print, 2021 Oct 2]. Intensive Care Med. 2021;1-67. doi:10.1007/s00134-021-06506-y
  • Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-810. doi:10.1001/jama.2016.0287
  • Fernando SM, Tran A, Taljaard M, et al. Prognostic accuracy of the quick sequential organ failure assessment for mortality in patients with suspected infection: A systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med 2018; 168:266–275. doi10.7326/M17-2820
  • Herwanto V, Shetty A, Nalos M, et al. Accuracy of quick sequential organ failure assessment score to predict sepsis mortality in 121 studies including 1,716,017 individuals: A systematic review and meta-analysis. Crit Care Explor. 2019; 1:e0043. doi: 10.1097/CCE.0000000000000043
  • Serafim R, Gomes JA, Salluh J, et al. A comparison of the quick-SOFA and systemic inflammatory response syndrome criteria for the diagnosis of sepsis and prediction of mortality: A systematic review and meta-analysis. Chest. 2018; 153:646–655. doi10.1016/j.chest.2017.12.015
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