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Pediatria23 fevereiro 2025

Prevalência e fatores de risco para o sobrediagnóstico de APLV

Estudo investigou o que poderia estar por trás do aumento de diagnósticos de alergia à proteína do leite de vaca
Por Jôbert Neves

A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) afeta cerca de 1% das crianças com menos de 2 anos, mas a taxa de prescrição de fórmulas hipoalergênicas é até 15 vezes maior do que o esperado em países como Reino Unido, Estados Unidos, Noruega e Austrália. Dados nacionais não estão amplamente disponíveis no momento, mas o crescente número de diagnósticos nos últimos anos é alarmante e requer cuidado. Isso sugere um aumento no diagnóstico excessivo dessa condição, o que pode resultar em consequências negativas, como: 

  • Uso desnecessário de fórmulas hipoalergênicas; 
  • Desmame precoce e impactos psicológicos das mãe/cuidadores; 
  • Maior custo para os sistemas de saúde devido à prescrição inadequada de fórmulas especiais. 

Um estudo utilizou uma coorte de crianças do ensaio clínico BEEP (Barrier Enhancement for Eczema Prevention) para investigar o que poderia estar por trás desse aumento no número de casos. O estudo foi baseado em uma análise retrospectiva de dados coletados no ensaio clínico BEEP. Algumas informações sobre o desenho do estudo: 

  • População: 1.394 crianças nascidas na Inglaterra entre 2014 e 2016. 
  • Critérios de APLV sobrediagnosticada: A APLV foi classificada em três categorias: 
  • Relato dos pais – Pais relataram que seus filhos tiveram reações ao leite. 
  • Prontuários médicos – Diagnósticos de hipersensibilidade ao leite feitos por médicos de atenção primária. 
  • Prescrição de fórmulas hipoalergênicas – Uso de fórmulas especiais sem um diagnóstico formal.  
  • Avaliação do Diagnóstico: Crianças com suspeita de APLV passaram por testes formais, incluindo testes cutâneos, histórico clínico e testes de provocação oral (TPO) para confirmar ou descartar a condição. 

Leia mais: Probióticos para alergia à proteína do leite de vaca: revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados

Resultados Principais 

Prevalência do Excesso de Diagnóstico 

  • Apenas 1,4% das crianças foram diagnosticadas formalmente com APLV. 
  • 16,1% dos pais relataram hipersensibilidade ao leite nos filhos. 
  • 11,3% tiveram registros médicos de hipersensibilidade ao leite sem confirmação formal. 
  • 8,7% receberam prescrição de fórmula hipoalergênica sem diagnóstico confirmado. 

Isso indica que um grande número de crianças sem APLV estava sendo tratadas como se tivesse a condição. 

Fatores de risco para o diagnóstico excessivo 

Os principais fatores associados ao excesso de diagnósticos de APLV  foram: 

  • Prescrição elevada de fórmulas hipoalergênicas por médicos de atenção primária 
  • Crianças atendidas por médicos que prescreviam muitas fórmulas hipoalergênicas no ano anterior ao nascimento tinham maior probabilidade de receber o diagnóstico excessivo de APLV. 
  • Uso materno de antibióticos durante a gravidez 
  • O uso de antibióticos pelas mães foi um fator associado ao excesso de diagnóstico de APLV (OR 2,36; IC 95% 1,33–4,18; p=0,003). 
  • De acordo com os autores, isso pode estar relacionado a um aumento na procura por serviços de saúde e na percepção de vulnerabilidade infantil. 
  • Alimentação com fórmula desde o nascimento 
  • Crianças que foram exclusivamente alimentadas com fórmula tiveram maior chance de receber prescrição de fórmula hipoalergênica (OR 2,50; IC 95% 1,31–4,75; p=0,005). 
  • Características das reações relatadas 
  • Muitas crianças que receberam diagnóstico excessivo apresentavam sintomas gastrointestinais inespecíficos, como diarreia e refluxo. 
  • Segundo os dados apresentados pelos autores, apenas 40% das crianças com diagnóstico excessivo tinham sintomas cutâneos, comparado com 94% das crianças realmente alérgicas ao leite. 

Impactos e implicações 

Uso de fórmulas hipoalergênicas 

  • O uso de fórmulas hipoalergênicas durou em média 10 meses e a quantidade consumida foi de 272 litros por criança. 
  • O custo médio das prescrições foi de £1.214 por criança, o equivalente a R$8.728,49, gerando um impacto econômico significativo no sistema de saúde. 

Consequências do diagnóstico excessivo 

  • Exposição desnecessária a fórmulas hipoalergênicas, que podem impactar a microbiota intestinal e contribuir para o aumento da obesidade. 
  • Restrição alimentar materna, o que pode levar a deficiências nutricionais e estresse psicológico para as mães. 
  • Geração de ansiedade nos pais, aumentando a dependência do sistema de saúde sem necessidade real. 

Conclusão e recomendações 

O estudo confirma que há um excesso de diagnóstico de APLV em crianças pequenas, especialmente associado à prescrição inadequada de fórmulas hipoalergênicas. Os principais fatores de risco são a prática médica de prescrição excessiva, o uso materno de antibióticos durante a gravidez e a alimentação exclusiva com fórmula desde o nascimento. 

Recomendações 

  • Melhor capacitação dos profissionais de saúde 
  • Médicos e pediatras devem ser mais criteriosos no diagnóstico de APLV e evitar prescrição desnecessária de fórmulas hipoalergênicas. 
  • Promoção da amamentação 
  • Incentivar a amamentação pode reduzir a necessidade de fórmulas especiais e diminuir o excesso de diagnósticos. 
  • Uso de critérios mais rigorosos para diagnóstico 
  • Implementar diretrizes mais específicas e baseadas em evidências para diferenciar sintomas gastrointestinais comuns de uma verdadeira APLV. 
  • Redução da prescrição de fórmulas hipoalergênicas 
  • Regulamentar a prescrição de fórmulas para garantir que sejam utilizadas apenas por crianças com diagnóstico confirmado. 

Mensagem prática  

Este estudo alerta para um problema crescente na prática pediátrica e enfatiza a necessidade de uma abordagem mais criteriosa para o diagnóstico de APLV. A educação dos profissionais de saúde e dos pais, juntamente com políticas para restringir a prescrição indiscriminada de fórmulas hipoalergênicas, são medidas fundamentais para reduzir o excesso de diagnósticos. 

Nos últimos anos o número de centros para realização de TPO no Brasil cresceram e, de longe, esse deve ser um excelente caminho a ser seguido.  A realização do TPO é fundamental para o diagnóstico mais assertivo, além de ser utilizado para avaliação de tolerância.  Para as alergias não IgE-mediadas, com prevalência de sintomas gastrointestinais, o gastroenterologista pediátrico é o médico mais bem treinado para avaliar tais pacientes. 

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Referências bibliográficas

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