A palestra “Abordagem da Sepse Neonatal”, da Dra. Rosana Maria Rangel dos Santos (RJ), foi um grande destaque do 27° Congresso Brasileiro de Perinatologia (PERINATO 2025), realizado no Rio de Janeiro. Com relação ao tratamento da sepse neonatal (SN), a palestrante, que é infectologista pediátrica, trouxe informações muito relevantes, sumarizadas abaixo.
Antibiótico (ATB) empírico de curta duração para possível SN precoce (SNP) em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)
Para ilustrar este tópico, a Dra. Rosana apresentou o estudo Short-course empiric antibiotic therapy for possible early-onset sepsis in the NICU (Sanchéz et al., 2023). Trata-se de uma revisão retrospectiva de recém-nascidos (RN) avaliados para possível SNP em 6 UTIN entre dezembro de 2018 e julho de 2019. Entre 414 RN avaliados para SNP, 196 (47%) receberam um ciclo de 24 horas de ATB para descartar sepse, enquanto 218 (53%) foram tratados com um ciclo de 48 horas. O grupo com suspeita de SNP apresentou, após 24 horas, menor probabilidade de reinício da antibioticoterapia e não diferiu nos demais desfechos de segurança predefinidos. Dessa forma, o estudo concluiu que a antibioticoterapia para suspeita de SNP pode ser interrompida com segurança em 24 horas.
Veja também: Risco de sepse neonatal precoce em bebês nascidos de parto de baixo risco
Timeout
- Os ATB são os medicamentos mais prescritos em UTIN;
- A exposição prolongada aos ATB em RN pré-termos associa-se à candidíase invasiva, comprometimento do neurodesenvolvimento, displasia broncopulmonar, enterocolite necrosante, retinopatia da prematuridade, sepse tardia e óbito, assim como ao surgimento de organismos multirresistentes;
- É importante ressaltar que cada dia adicional de ATB aumenta o risco de desfechos adversos em RN com ≤ 32 semanas de idade gestacional ou peso ao nascer ≤ 1500 g, após o controle da gravidade inicial da doença;
- Em RN termo, o uso prolongado de ATB tem sido associado ao início tardio da amamentação, obesidade, sibilância recorrente, distúrbios gastrointestinais, assim como autismo. Entre todos os RN, existe preocupação com a potencial toxicidade, como perda auditiva e disfunção renal.
Antibioticoterapia empírica
Sepse precoce (origem materna): ≤ 48 h
- Ampicilina ou Penicilina: Streptococcus do grupo B (ou agalactiae);
- Ampicilina: Listeria monocytogenes;
- Gentamicina: Enterobactérias gram-negativas (E. coli, etc.).
Tempo de tratamento de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) neonatal precoce:
- Sepse clínica: 5 a 7 dias;
- Infecção primária de corrente sanguínea (IPCS) com agente isolado: 7 a 10 dias;
- Pneumonia sem agente isolado: 5 a 7 dias;
- Meningite por Gram-positivo: 14 dias;
- Meningite por Gram-negativo: 21 dias;
- Ventriculite: 4 semanas;
- Infecção osteoarticular: 4 semanas.
A palestrante usou uma forma bastante didática de compreender os desafios do stewardship antimicrobiano: imaginar que a UTIN funciona como o cérebro da Riley, do filme Divertida Mente, em que diferentes emoções representam atitudes clínicas que influenciam diretamente o uso de ATB (assim como no filme, equilíbrio e diálogo entre essas “emoções” são fundamentais para garantir decisões mais racionais e seguras):
- Raiva: surge quando há prescrição de ATB sem indicação adequada, movida pela ansiedade diante da incerteza diagnóstica;
- Tristeza: aparece ao perceber dispositivos invasivos mantidos sem necessidade, aumentando riscos e prolongando exposições desnecessárias;
- Tédio: simboliza a repetição de coletas de culturas quando já existem amostras em andamento, desperdiçando recursos e confundindo interpretações;
- Inveja: aparece quando se observa queda no consumo de ATB em outras unidades enquanto ainda lutamos para avançar internamente;
- Alegria: comemora o descalonamento responsável, guiado por resultados de cultura e critérios clínicos bem estabelecidos.
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Sepse neonatal tardia
Quando se fala em tratamento de SN tardia, direcionado às infecções nosocomiais, o uso de antibiograma cumulativo baseado na epidemiologia prevalente e o padrão de resistência de cada hospital também deve ser utilizado. A associação oxacilina e amicacina é recomendada como primeira opção, devido à baixa indução de resistência, alta sensibilidade de gram-negativos à amicacina e baixo custo.
O uso de cefalosporinas de terceira geração deve ser feito com cuidado, reservando essa classe de ATB principalmente para cobertura do sistema nervoso central, já que sua utilização predispõe à colonização e infecções por enterobactérias multirresistentes.
A administração de vancomicina no esquema empírico poderá ser justificada somente em unidades onde o MRSA está entre os principais agentes de infecções da corrente sanguínea (ICS) por Staphylococcus aureus resistente à meticilina/oxacilina.
Por fim, em ambientes com alta prevalência de ICS por Staphylococcus coagulase-negativa, mesmo que resistente à oxacilina, não é indicado o uso empírico de vancomicina, considerando que estas infecções são de baixa morbidade/mortalidade, e que permite tempo de troca com segurança quando este agente é isolado em hemoculturas e considerado como infectante.
Conclusão
A Dra. Rosana mostrou que o tratamento da SN exige muito mais do que esquemas adequados de ATB, mas também demanda um amplo entendimento dos riscos associados ao seu uso prolongado, atenção rigorosa aos critérios diagnósticos e incorporação madura dos princípios de stewardship em UTIN. Achei muito produtiva a discussão sobre curtos ciclos empíricos, a necessidade de reavaliação estruturada e a ênfase nos impactos adversos da exposição antimicrobiana, pois essas questões chamam a atenção para a importância do equilíbrio. Além disso, foi bastante interessante a metáfora com as “emoções” do filme Divertida Mente: a palestrante reforçou, de forma lúdica, que o cuidado neonatal de qualidade nasce justamente de um “estado da arte” entre cuidado e comunicação interdisciplinar, elementos indispensáveis para enfrentar a complexidade da SN, zelando pela segurança e a singularidade de cada bebê.
Confira os destaques do PERINATO 2025!
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
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