A sepse neonatal (SN) foi bastante discutida no 27° Congresso Brasileiro de Perinatologia (PERINATO 2025), realizado no Rio de Janeiro, de 19 a 22 de novembro. A Dra. Rosana Maria Rangel dos Santos (RJ), infectologista pediátrica, ministrou a palestra “Abordagem da Sepse Neonatal”, cujas mensagens principais encontram-se sintetizadas a seguir.
![]()
Impacto global
A sepse representa uma das grandes causas de mortalidade global e foi declarada como uma prioridade pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A maior incidência entre todos os grupos etários ocorre em recém-nascidos (RN), com uma estimativa de três milhões de bebês afetados em todo o mundo (22/1.000 nascidos-vivos), com uma mortalidade de 11–19% e culminando em deficiências neurológicas permanentes. Além disso, é inversamente proporcional ao peso de nascimento e à idade gestacional (IG) do RN. Entretanto, é difícil padronizar dados internacionais na ausência de critérios unificados para a SN.
Veja também: Sepse neonatal precoce: papel do sangue do cordão umbilical
Definição
A definição do consenso moveu-se do conceito de síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SRIS), que fez parte da definição de sepse nos últimos 20 anos. É importante destacar que os critérios para definir infecção e sepse são essenciais na população neonatal para limitar o diagnóstico excessivo, mas eles não são parte das definições do Sepsis-3 para adultos. Aliás, o Sepsis-3 é baseado somente em desfechos de curto prazo, mas, no RN, a integração de preditores de deficiências em longo prazo é essencial. Os critérios para disfunção orgânica, de acordo com a IG e o período pós-natal, precisam ser definidos por meio de revisões sistemáticas e estudos retrospectivos e validados em estudos prospectivos.
O termo SN é utilizado para caracterizar uma condição sistêmica de origem bacteriana, viral ou fúngica associada a alterações hemodinâmicas e outras manifestações clínicas, resultando em morbidade e mortalidade significativas. Apesar de anos de experiência clínica no cuidado de RN com sepse suspeita ou confirmada, ainda há muitos desafios, incluindo a ausência de uma definição consensual de SN. A definição de sepse, tradicionalmente, inclui o isolamento de um patógeno em um fluido corporal normalmente estéril, como sangue ou líquido cefalorraquidiano (LCR). Todavia, como as características clínicas da sepse podem ser induzidas por citocinas pró-inflamatórias potentes, o termo SIRS também tem sido usado para descrever a SN.
Classificação
Infecções relacionadas à assistência à saúde em neonatologia:
- Transplacentária (infecção congênita);
- Infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) em neonatologia:
- IRAS precoce ≤ 48h;
- IRAS tardia > 48h.
Fatores de risco para sepse neonatal precoce
- Trabalho de parto antes de 37 semanas de IG;
- Ruptura de membranas por tempo igual ou maior a 18 horas;
- Colonização por estreptococo do grupo B em gestante sem antibioticoterapia profilática intraparto, quando indicada (rastreamento entre 36 e 38 semanas de IG);
- Infecção intra-amniótica;
- Febre materna nas 48 horas que antecedem o parto;
- Cerclagem na gestante;
- Procedimentos de medicina fetal nas últimas 72 horas antes do parto ou nascimento;
- Infecção materna do trato urinário sem tratamento ou em tratamento há menos de 72 horas.
Diagnóstico clínico
- Instabilidade térmica: a temperatura do RN pode estar normal, elevada ou diminuída. A hipotermia é mais frequente nos RN prematuros (RNPT) e a hipertermia, nos RN a termo (RNT);
- Dificuldade respiratória: manifestação mais frequente, presente em 90% dos casos (desde taquipneia até insuficiência respiratória aguda grave);
- Apneia: difere da apneia da prematuridade por ser acompanhada de outros sinais clínicos;
- Manifestações do sistema nervoso central (SNC): convulsões, hipoatividade, hipotonia, irritabilidade e letargia.
- Manifestações gastrointestinais: ocorrem em 35% a 40% dos casos: diarreia, distensão abdominal, hepatomegalia, recusa alimentar, resíduos gástricos, vômitos;
- Instabilidade hemodinâmica: além de taquicardia e hipotensão, o choque pode se manifestar com extremidades frias, letargia, má perfusão periférica, palidez cutânea e redução do débito urinário. Ocorre principalmente na sepse por estreptococo do grupo B.
Diagnóstico laboratorial
Os exames mais frequentemente usados na triagem infecciosa do RN são hemograma completo e Proteína-C-Reativa (PCR).
- Hemograma completo: diversos fatores clínicos podem afetar a contagem total e diferencial dos leucócitos, incluindo IG ao nascer, sexo e tipo de parto. A depressão da medula óssea atribuída à pré-eclâmpsia ou à insuficiência placentária, assim como a resposta inflamatória associada à ruptura prematura de membranas, comumente resultam em valores anormais na ausência de infecção e podem permanecer alterados nas primeiras 72 horas de vida. As evidências disponíveis não apresentam correlação entre contagem total e diferencial de leucócitos e sepse precoce confirmada por cultura;
- PCR: auxilia, especialmente, na exclusão do diagnóstico de infecção bacteriana pelo elevado valor preditivo negativo (98%). Seu aumento ocorre entre 24 h após o início da infecção, atingindo o pico em 2 a 3 dias, e se mantém elevada até o controle da infecção e retorno ao valor normal com 5 a 10 dias de tratamento adequado
Os antibióticos devem ser suspensos em 24/36/48 horas quando o diagnóstico de infecção for descartado, seguindo critérios de evolução clínica e de exames realizados para a triagem infecciosa (hemocultura, cultura de líquor, hemograma, PCR). Além disso, a continuidade do tratamento de SN precoce baseada em critérios clínicos associados a alterações de hemograma e PCR seriada, apesar de ainda muito utilizada nas unidades neonatais brasileiras, deve se tornar, paulatinamente, uma condição de exceção dentro do contexto das boas práticas do cuidado neonatal e uso racional de antibióticos. Para isso, a Dra. Rosana destacou que “é necessária uma boa integração e comunicação entre equipes, visando a liberação de resultados parciais em tempo oportuno para essa tomada de decisão”.
Com relação ao LCR, a Dra. Rosana mostrou o seguinte fluxograma (https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sepse-neonatal-precoce-e-a-abordagem-do-recem-nascido-de-risco-o-que-ha-de-novo/):
- Suspeita clínica de infecção:
- Realizar triagem infecciosa.
- Iniciar tratamento com antibióticos.
- Reavaliar em 36 a 48 horas.
- Culturas negativas + RN bem + Triagem negativa:
- Suspender antibioticoterapia em 36 a 48 horas.
- Culturas negativas + Quadro clínico sugestivo + Triagem alterada (Sepse clínica):
- Completar tratamento.
- Adequar antibiótico, se necessário.
- Culturas positivas:
- Completar tratamento.
- Adequar antibiótico, se necessário.
Para ilustrar o manejo do risco de infecção em RN com IG ≤ 34 semanas, a palestrante exibiu o fluxograma da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que pode ser encontrado neste link: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sepse-neonatal-precoce-e-a-abordagem-do-recem-nascido-de-risco-o-que-ha-de-novo/
Conclusão
A Dra. Rosana mostrou que a SN continua sendo um problema complexo e multifatorial, cuja abordagem depende de definições claras, critérios diagnósticos bem estruturados e compreensão das particularidades fisiológicas do RN. O tema é muito desafiador, mesmo nos dias de hoje, considerando a heterogeneidade dos dados internacionais, a ausência de critérios unificados e a sobreposição entre sinais clínicos de sepse e manifestações próprias do período neonatal. Por isso, é essencial a utilização de fluxos consistentes de triagem, precisão na interpretação dos exames laboratoriais e integração efetiva entre equipes para melhorar a identificação precoce dos casos, minimizar as incertezas diagnósticas e fortalecer a vigilância epidemiológica na neonatologia.
Confira os destaques do PERINATO 2025!
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.