Metanálise aborda a síndrome de abstinência por dexmedetomidina em pediatria
As diretrizes de prática clínica de 2022 da Society of Critical Care Medicine (SCCM) para a pediatria recomendam a dexmedetomidina (α2-agonista) como o fármaco ideal para sedação em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). De fato, o fármaco tem sido bastante utilizado nos últimos anos em pacientes pediátricos críticos. Infelizmente, assim como ocorre com outros sedativos, dados da literatura mostram que a interrupção do uso prolongado de dexmedetomidina também pode ocasionar sinais semelhantes à síndrome de abstinência iatrogênica (SAI), incluindo agitação, náuseas, taquicardia e hipertensão arterial. Visando descrever a apresentação clínica, os fatores de risco e o tratamento para a SAI por dexmedetomidina em UTIP, Knapp e colaboradores conduziram uma interessante revisão sistemática com metanálise, publicada recentemente no Pediatric Critical Care Medicine.
Metodologia
Para inclusão, os pesquisadores elegeram estudos publicados em um período de 20 anos (de janeiro de 2000 a janeiro de 2022) e que relataram dados clínicos referentes a pacientes com menos de 21 anos após a descontinuação da infusão de dexmedetomidina por um período igual ou superior a 24 horas de infusão. Por outro lado, foram excluídos estudos que não relataram alterações nos sinais vitais ou na avaliação clínica do estado mental e/ou nas pontuações da escala clínica de abstinência, como a Withdrawal Assessment Tool-1 (WAT-1) e escore de abstinência neonatal. A não descrição destes dados mostrou uma falta de monitoramento para manifestações clínicas comuns de SAI por dexmedetomidina, após a descontinuação deste fármaco.
Resultados
Foram incluídos 23 estudos (22 de coorte retrospectiva) contendo 28 coortes distintas. A média de idade dos pacientes expostos à dexmedetomidina foi de 1 ano (variação de 0,03–4,3 anos) e o peso médio foi de 9,9 kg (variação de 2,6–15,8 kg). Com relação à dexmedetomidina:
- A mediana de dose máxima foi de 0,9 μg/kg/h (variação de 0,4–1,65);
- A exposição cumulativa mediana por dose foi de 105,95 μg/kg (variação de 30–232,7 μg/kg);
- A duração mediana da infusão foi de 131,75 horas (variação de 20,5–525,6 horas).
As estimativas ponderadas para a proporção (intervalo de confiança de 95% [IC 95%]) de indivíduos que apresentaram sinais de abstinência em todas as coortes foram:
- Agitação 0,26 (0,09–0,77);
- Taquicardia 0,26 (0,0–0,87);
- Hipertensão arterial: 0,34 (0,0–0,92);
Leia mais: Dexmedetomidina e síndrome de abstinência em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica
Foi observada uma relação monotônica negativa moderada entre a proporção de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e a proporção de pacientes com taquicardia (coeficiente de correlação, –0,57; p = 0,008) e hipertensão (coeficiente de correlação, –0,47; p = 0,048). Esta condição apontou para que, em coortes com uma proporção maior de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, houve menos ocorrências de taquicardia e/ou hipertensão. Em suma, pacientes submetidos à cirurgia cardíaca não tiveram aumento de taquicardia e/ou hipertensão e a ocorrência de ambas as condições foi menor. Ademais, o uso de medicamentos anti-hipertensivos pode atenuar as alterações hemodinâmicas características da SAI por dexmedetomidina.
Os regimes de manejo da SAI por dexmedetomidina utilizaram a clonidina na dose de 1 a 9 μg/kg e foram tipicamente iniciados dentro de 24 horas após o início do desmame.
A metanálise não mostrou correlação entre os sinais de abstinência e as variáveis de exposição à dexmedetomidina.
Conclusão
O estudo mostrou que a SAI por infusão de dexmedetomidina em período maior ou igual a 24 horas é uma morbidade importante que permanece descaracterizada em UTIP. Os pesquisadores enfatizam que o diagnóstico de SAI por dexmedetomidina deve ser sempre aventado em pacientes que apresentam taquicardia, hipertensão e agitação após a descontinuação de uma infusão de dexmedetomidina. Entretanto, como a maioria desses estudos foi de coorte retrospectiva, são necessários ensaios clínicos prospectivos para melhor elucidar os critérios diagnósticos, fatores de risco e prevenção, e estratégias de tratamento para esta condição.
Comentários
O estudo de Knapp e colaboradores aborda uma questão relevante e bastante atual em medicina intensiva pediátrica. Comparada a outros fármacos sedativos, a dexmedetomidina tem mostrado diversas vantagens, contudo, o risco de SAI após seu uso prolongado deve ser sempre considerado. O estudo também trabalha a relação entre a duração do uso de dexmedetomidina e a dose cumulativa com a gravidade e a prevalência da SAI, reforçando a necessidade de monitoramento rigoroso e de estratégias de desmame controlado, evitando a interrupção abrupta. Por fim, é relevante destacar que a ausência de taquicardia não exclui a possibilidade de SAI por dexmedetomidina, principalmente se o paciente estiver sendo submetido ao uso de outros medicamentos analgosedativos.
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