A melatonina tem sido amplamente utilizada como indutor do sono em crianças e adultos. No entanto, de acordo com o artigo Melatonin for Insomnia in Children publicado em outubro no jornal JAMA, a melatonina parece ser um pouco eficaz para o tratamento de distúrbios crônicos do sono em crianças com transtorno do espectro autista (TEA) ou transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), mas a dosagem ideal e o momento de administração não são claros. Além disso, o artigo destaca que dados que apoiem o uso de melatonina em crianças com desenvolvimento normal são limitados e sua segurança em longo prazo é desconhecida.
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Resumo dos principais tópicos abordados na publicação
- A melatonina endógena regula o ciclo sono-vigília e outros ritmos circadianos. Sua síntese e liberação são estimuladas pela escuridão e suprimidas pela luz: a secreção geralmente começa após o pôr-do-sol, atinge um pico entre 2 e 4 horas e diminui gradualmente a partir de então.
- Até 50% das crianças normais apresentam distúrbios do sono, que geralmente diminuem com a idade. Por outro lado, até 80% das crianças com TEA ou TDAH têm distúrbios do sono, possivelmente relacionados a alterações nos ritmos circadianos ou efeitos adversos de estimulantes. Terapia cognitivo-comportamental (TCC) e práticas de higiene do sono, como controle de estímulos (por exemplo, restringir o tempo de tela uma hora antes de dormir), restrição do sono (sem cochilos) e despertar programado são recomendados como tratamento de primeira linha da insônia em crianças normais e naquelas com distúrbios do neurodesenvolvimento, como TEA e TDAH.
- Nenhum medicamento é aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de insônia em crianças. Nenhum ensaio grande e bem controlado demonstrou a eficácia da melatonina para o tratamento da insônia em crianças com desenvolvimento normal. No entanto, o uso diário pode melhorar o sono em crianças com TEA ou TDAH, que apresentam insônia crônica, conforme observado em alguns estudos.
- O uso de melatonina em curto prazo parece ser seguro. Os efeitos adversos incluem sonolência no dia seguinte, aumento da enurese, cefaleia, tontura, diarreia e erupção cutânea. A segurança do uso prolongado em crianças é desconhecida. A administração de melatonina exógena pode suprimir o eixo hipotálamo-gonadal em mamíferos e tem sido associada a um início tardio da puberdade, possivelmente por prevenir o declínio nos níveis noturnos de melatonina que ocorrem no início do período puberal.
- A melatonina é metabolizada pelo CYP1A2 e o inibe. Drogas que inibem o CYP1A2, como a fluvoxamina, podem aumentar as concentrações séricas de melatonina e, possivelmente, seus efeitos adversos. Além disso, as concentrações séricas de substratos do CYP1A2, como a cafeína, podem ser aumentadas quando administradas concomitantemente com a melatonina.
- O uso de 0,1-0,3 mg de melatonina por adultos jovens durante o dia aumenta as concentrações plasmáticas do hormônio para a faixa normalmente encontrada à noite; doses de 1-10 mg usadas para promover o sono em crianças em ensaios clínicos atingem concentrações plasmáticas 5-50 vezes maiores. A necessidade de tais doses altas e o momento ideal para tomá-las ainda precisam ser estabelecidos. A melatonina de liberação imediata tem meia-vida de cerca de 40 minutos. Os rótulos de dois suplementos de melatonina de liberação imediata verificados pela United States Pharmacopeia recomendam tomá-los 20-30 minutos (Natrol®) ou 1 hora (Nature Made®) antes de se deitar.
- Os produtos de melatonina são considerados suplementos dietéticos; eles não foram aprovados pelo FDA para qualquer indicação e sua potência e pureza são suspeitas.
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No Brasil, a melatonina pode ser obtida em farmácias de manipulação, somente por meio de apresentação de receituário médico. Em 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também autorizou a formulação de suplementos alimentares usando a melatonina, mas apenas destinados a pessoas com idade igual ou maior que 19 anos e para o consumo diário máximo de 0,21 mg.
Mensagem final
O uso descontrolado de melatonina, infelizmente é uma realidade: a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou, em sua página, comentários a respeito do uso descomedido do medicamento, após a divulgação dos resultados de um estudo realizado em Nova Iorque, que evidenciou alta no uso do medicamento como indutor do sono em crianças. Para o Dr. Gustavo Antônio Moreira, presidente do Departamento Científico de Medicina do Sono da SBP, a utilização da melatonina é muito positiva para pacientes com alterações no ciclo circadiano, como um deficiente visual, pois não diferencia o dia e a noite, ou no tratamento de pacientes com doenças neurológicas graves. Entretanto, a melatonina não deve ser usada de forma indiscriminada e sem orientação médica.
Referências bibliográficas:
- The Medical Letter on Drugs and Therapeutics. Melatonin for insomnia in children. Med Lett Drugs Ther, 2020;62(1601):103-104. Corrigido e publicado em: JAMA. 2020;324(15):1559-1560. doi:10.1001/jama.2020.12193
- G1. Balas de melatonina: especialistas alertam sobre ‘atalho para o sono’ tomado por crianças e adolescentes. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/viva-voce/noticia/2020/10/28/balas-de-melatonina-especialistas-alertam-sobre-atalho-para-o-sono-tomado-por-criancas-e-adolescentes.ghtml Acesso em: 18/11/2020
- Sociedade Brasileira de Pediatria. Pesquisa aponta alta no uso de melatonina para crianças dormirem; saiba se substância é segura. 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/pesquisa-aponta-alta-no-uso-de-melatonina-para-criancas-dormirem-saiba-se-substancia-e-segura/ Acesso em: 18/11/2020
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