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Pediatria15 julho 2025

Manejo da dor em pediatria: avaliação, fisiopatologia e abordagem terapêutica

Diretrizes da SBP abordam avaliação, fisiopatologia e tratamento da dor em pediatria, com foco em estratégias seguras e eficazes para todas as idades.

Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com Opella de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.

Em outubro de 2024, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou a diretriz “Dores comuns em pediatria: avaliação e abordagem”. O documento defende que, se a dor e a febre não forem manejadas corretamente, desde o período neonatal até a adolescência, pode afetar o desenvolvimento cerebral, aumentar os riscos de dores crônicas na vida adulta, além de promover a formação de memórias negativas, produzindo mecanismos disfuncionais para lidar com novas experiências dolorosas.

Por isso, a SBP desenvolveu guidelines, com foco na anatomia e na fisiopatologia da dor, na avaliação em diferentes faixas etárias, no tratamento farmacológico, a na escada analgésica da Organização Mundial de Saúde (OMS), entre outros aspectos.1

Componentes da dor

A dor em pediatria representa um grande desafio, sendo uma experiência complexa e multidimensional, que engloba componentes sensoriais, fisiológicos, cognitivos, afetivos e comportamentais. Apesar de sua alta frequência na infância e adolescência, a dor é muitas vezes negligenciada e subtratada. O manejo inadequado pode levar a consequências deletérias de curto e longo prazos, incluindo efeitos fisiológicos adversos, alterações no desenvolvimento psicossocial, maior risco de desenvolver dor crônica na vida adulta e impacto negativo na qualidade de vida da criança e de sua família. Portanto, o reconhecimento, a avaliação precisa e o tratamento eficaz da dor constituem um aspecto fundamental no cuidado pediátrico.1

Fisiopatologia

A compreensão da fisiopatologia do sintoma é crucial para uma abordagem terapêutica adequada. As vias neurais da dor começam a se formar ainda no período intrauterino e, embora passem por um processo de maturação e mielinização que continua após o nascimento, são funcionais desde muito cedo, permitindo que mesmo neonatos prematuros percebam e reajam a estímulos dolorosos.1

Classificação

Clinicamente, a dor pode ser classificada com base nos mecanismos fisiopatológicos predominantes em: nociceptiva, neuropática ou mista. A dor nociceptiva origina-se da ativação de nociceptores por lesão tecidual, podendo ser somática (ativação pela pele, músculos, articulações, ossos, mucosas ou tecido conjuntivo) ou visceral. A dor neuropática decorre de danos funcionais ou estruturais das células nervosas, podendo ser isquêmicas, infecciosas, traumáticas, imunomediadas ou tóxicas. Frequentemente, mecanismos múltiplos coexistem, configurando a dor mista, como no caso de pacientes pós-queimaduras.1

A sensação também pode ser classificada conforme sua duração. A dor aguda, geralmente com início súbito e que deve ter duração menor que 3 meses, serve como um sinal de alerta para lesão tecidual e tende a desaparecer com a resolução da causa, além de melhorar com o uso de analgésicos. A dor crônica, por sua vez, persiste além do tempo de cura esperado (geralmente > 3 meses) ou ocorre de forma recorrente. Pode envolver diferentes mecanismos (nociceptivos ou neuropáticos), frequentemente afetando aspectos da vida diária, e, na maioria dos casos, é resistente ao tratamento.1,2

A intensidade (leve, moderada, intensa), a característica (por exemplo, pontada, queimação, pressão), a localização da dor e a irradiação são descritores importantes que auxiliam no diagnóstico e na orientação terapêutica.1

Vale lembrar ainda que existem dores como a “dor de crescimento”, termo popular para dor recorrente benigna em membros inferiores, tipicamente noturna e bilateral, sem ponto específico, comum na faixa etária de 3 a 12 anos. Não está relacionada ao processo de crescimento em si e é aliviada com massagem, calor local e analgésicos comuns como a dipirona e paracetamol.1,4

Mecanismos de processamento

O processamento e a expressão da dor variam consideravelmente conforme a idade e o estágio do desenvolvimento neurocognitivo da criança. Neonatos e lactentes, sendo pré-verbais, a expressam principalmente através de choro (variando intensidade, características), alterações da expressão facial (testa franzida, olhos apertados, boca aberta/quadrada), mudanças motoras (agitação, rigidez, flexão de membros) e alterações fisiológicas (taquicardia, taquipneia, sudorese), além de recusa em se alimentar e distúrbios do sono.1,2 Crianças em fase pré-escolar começam a desenvolver a capacidade verbal, podendo usar palavras simples para indicar a sensação, apontando o local afetado, apresentando comportamento regressivo ou agressivo e protegendo a área dolorida.1 Crianças maiores e adolescentes apresentam maior capacidade de descrever, localizar e quantificar a dor, utilizando descritores mais elaborados, porém, fatores psicossociais, culturais e experiências prévias ainda modulam intensamente sua percepção e expressão.1,2

Parâmetros de avaliação

Dada essa variabilidade e subjetividade, a avaliação da dor deve ser realizada de forma sistemática, utilizando instrumentos validados e apropriados para a idade bem como a capacidade cognitiva do paciente, com a utilização de escalas. Para neonatos e pré-verbais, parâmetros observacionais, como a Neonatal Facial Coding System (NFCS) e a Face, Legs, Activity, Cry, Consolability (FLACC) são ferramentas essenciais. Escalas como a de dor do Children’s Hospital of Eastern Ontario (CHEOPS – choro, face, fala, tronco e pernas) e a Comfort Scale também são utilizadas em contextos específicos.2 Para crianças a partir de 3-4 anos, escalas de autorrelato, como a Escala de Faces Revisada (FPS-R), tornam-se aplicáveis. A partir dos 7-8 anos, a Escala Visual Analógica (EVA) e a Escala Numérica (0-10) são recomendadas. A avaliação deve incluir não apenas a intensidade, mas também a localização, o tipo, a duração e o impacto funcional da dor.1,2

Manejo farmacológico

A abordagem farmacológica da dor em pediatria deve seguir princípios racionais, visando eficácia e segurança.1,2 A Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs uma “escada analgésica pediátrica”, que serve como guia para orientar o tratamento farmacológico.2 Para a pediatria, adaptações são consideradas, focando em dois degraus principais.1 O primeiro, para dor leve a moderada, baseia-se no uso de medicamentos de primeira linha como analgésicos não opioides, como dipirona e paracetamol, e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), como ibuprofeno.1,2 A dipirona é frequentemente citada como opção terapêutica em consensos e diretrizes brasileiras para todas as intensidades de dor, desde as leves às intensas, como migrânea/enxaqueca, cefaleia, mialgia, febre e dor recorrente em membros, sendo utilizada em lactentes acima de 3 meses de idade e com mais de 5 quilos.1,3,4 A dipirona também é recomendada para alívio dos sintomas de dor proveniente das infecções de vias aéreas superiores, otalgia, estomatite, gengivite, aftas, faringite aguda, cefaleias e dores nas costas.1

A dipirona é amplamente utilizada no Brasil como agente analgésico e antipirético, especialmente em pediatria, apresentando um perfil de segurança considerado favorável por especialistas nacionais e internacionais.5 De acordo com Stangler et al, em uma revisão sistemática sobre analgesia pós-tonsilectomia em crianças, a dipirona demonstrou eficácia comparável ao paracetamol, com ausência de eventos adversos graves relatados nos estudos analisados.6 Complementando essas evidências, o Painel Internacional de Avaliação da Segurança da Dipirona, coordenado pela Anvisa em 2001, reuniu cientistas de renome que afirmaram que a incidência de agranulocitose associada à dipirona no Brasil é extremamente baixa, reforçando a segurança do fármaco no contexto nacional.4 Estudo conduzido por Hamerschlak e Cavalcanti também confirma essa baixa incidência, estimada entre 0,38 casos por milhão de habitantes na América Latina, e 0,35 casos por milhão de habitantes especificamente no Brasil, com taxa de mortalidade inferior a 10% e recuperação completa na maioria dos casos.7

Além de seu uso seguro no controle da dor, a dipirona se destaca por sua eficácia no controle da febre em crianças. Uma metanálise recente conduzida por Alnajar et al comparou diretamente a dipirona oral ao ibuprofeno e constatou que ambos os medicamentos foram igualmente eficazes na redução da temperatura corporal, sem diferença significativa na taxa de efeitos adversos.8 No entanto, estudos clínicos individuais revisados sugerem que a dipirona pode apresentar início de ação mais rápido e duração mais prolongada do efeito antipirético em comparação ao paracetamol e ao ibuprofeno. Esses achados justificam sua ampla utilização como antipirético de escolha em serviços de saúde brasileiros, como corroborado por evidências populacionais apresentadas no relatório da Anvisa.5

Outro analgésico utilizado na faixa pediátrica, o paracetamol é seguro desde o período neonatal, e os AINEs (como ibuprofeno) geralmente a partir dos 6 meses, devendo-se ter atenção aos seus potenciais efeitos adversos gastrointestinais, renais e hepatotoxicidade.2 O segundo degrau do tratamento farmacológico da dor, para dor moderada a intensa, envolve o uso de opioides fortes, como a morfina, frequentemente associados a fármacos não opioides, como analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais, para otimizar a analgesia e minimizar a dose do opioide.1,2 Medicações adjuvantes, como antidepressivos (por exemplo, a amitriptilina) e anticonvulsivantes (como a gabapentina), podem ser úteis em dores específicas, como a neuropática, ou para manejar sintomas associados.2,3 A escolha da via de administração é preferencialmente a oral, a dose e o intervalo devem ser individualizados, considerando a farmacocinética e a farmacodinâmica pediátrica. Neonatos e lactentes jovens, por exemplo, requerem doses menores e intervalos maiores para opioides devido à imaturidade metabólica.1

Abordagem terapêutica

É fundamental que seja multimodal, integrando estratégias farmacológicas e não farmacológicas.2 Medidas como posicionamento, aplicação de calor local (para dor recorrente em membros, por exemplo), massagem, distração apropriada para a idade, técnicas de relaxamento e suporte psicológico podem reduzir significativamente a percepção da dor e a ansiedade associada.1,2,4 A participação ativa e o suporte dos pais ou cuidadores são cruciais em todo o processo.1,2 O tratamento deve ser dinâmico, com reavaliações frequentes da dor e ajuste da terapêutica conforme a resposta do paciente.2

Em resumo, o manejo adequado da dor pediátrica é um imperativo clínico e ético. Requer avaliação precisa com instrumentos apropriados, compreensão da fisiopatologia e da expressão da dor nas diferentes idades, além de uma abordagem terapêutica multimodal e individualizada, utilizando criteriosamente as opções farmacológicas disponíveis, como paracetamol, AINEs, dipirona e opioides quando indicados, sempre associadas a estratégias não farmacológicas e suporte psicossocial.1,2,3,4

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Referências bibliográficas

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