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Pediatria20 setembro 2023

Impacto de experiências adversas parentais na infância e o estresse pós-UTIP

A internação em UTIP é uma experiência traumática para crianças e seus pais, com desfechos adversos para a saúde mental.

A internação em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) é uma experiência estressante não somente para as crianças, mas também para seus pais. Infelizmente, pacientes e suas famílias evoluem com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) após a alta hospitalar. Os fatores de risco para TEPT após a UTIP são multifatoriais e podem incluir eventos traumáticos ocorridos antes da doença que levou à internação, como experiências adversas na infância (EAI).  

As EAI são exposições traumáticas em crianças e adolescentes de 0 a 17 anos e estão associadas a um risco elevado de desfechos ruins de saúde física e mental. Na edição de setembro do periódico Pediatric Critical Care Medicine, Pryce e colaboradores publicaram seu estudo Parental Adverse Childhood Experiences and Post-PICU Stress in Children and Parents, no qual avaliaram a associação entre EAI parentais e o TEPT em crianças e seus pais um mês após a alta da UTIP.  

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Impacto de experiências adversas parentais na infância e o estresse pós-UTIP

Impacto de experiências adversas parentais na infância e o estresse pós-UTIP

Métodos 

Os pesquisadores conduziram um estudo observacional prospectivo unicêntrico (hospital infantil acadêmico urbano) sem intervenção, no qual avaliaram a viabilidade do rastreamento de EAI em pais de crianças internadas em uma UTIP, sua prevalência e sua associação com sintomas de TEPT pós-UTIP neles e também em seus filhos. O estudo foi realizado de janeiro a dezembro de 2021. 

Crianças de 2 a 18 anos de idade internadas na UTIP por período ≥ dois dias corridos, juntamente com seus pais, eram elegíveis. Os pacientes foram selecionados para elegibilidade três vezes por semana. A inclusão foi limitada a um dos pais devido às políticas de visitação hospitalar durante a pandemia de covid-19. Se um dos pais não estivesse presente inicialmente, três tentativas adicionais de recrutamento eram feitas pessoalmente ou por telefone. Os dados do estudo foram coletados pessoalmente ou por telefone, em três intervalos distintos: no momento da inclusão no estudo, semanalmente e após alta da UTIP (transferência para a enfermaria ou unidade intermediária, alta para domicílio ou outra instituição, ou óbito). Os critérios de exclusão foram: pais que não falavam inglês, tinham menos de 18 anos ou não tinham responsabilidades primárias na tomada de decisões. 

As seguintes informações foram coletadas: dados demográficos dos pais, EAI, habilidades de enfrentamento e estressores ambientais da UTIP, bem como dados clínicos dos pacientes. Um mês após a criança ter recebido alta da UTIP, os pais preencheram questionários avaliando os sintomas de TEPT neles e em seus filhos. 

Resultados 

Foram incluídos 145 crianças e adolescentes de 2 a 18 anos de idade, internadas por um período ≥ dois dias e seus pais. Destas 145 inclusões, 95% (138) preencheram o questionário referente a EAI: 

  • 58% relataram ≥ 1 EAI; 
  • 14% tiveram EAI substanciais (≥4).  

O acompanhamento dos pais e das crianças foi de 79% (109) e 70% – menor em crianças devido a óbito durante a internação na UTIP (n = 3) ou à incapacidade dos pais de completar o Child Stress Disorders Checklist Short Form secundário ao atraso no desenvolvimento do filho (n = 10). Com relação aos pais, 16% (n = 17) tiveram pontuações consistentes com um diagnóstico provisório de TEPT e 67% (n = 73) relataram pelo menos um sintoma de TEPT. Os pais com TEPT eram, em sua maioria, mulheres, brancos, casados, empregados, com ensino superior e idade média de 35 a 44 anos. 

As análises de regressão mostraram que: 

  • Pais com ≥ 4 EAI tinham chances dez vezes maiores de TEPT parental do que os pais com <4 EAI (odds ratio ajustado [aOR] = 10,2; intervalo de confiança de 95% [IC 95%], 1,03–100,9; p = 0,047).  
  • 56% das crianças avaliadas apresentaram risco de TEPT.  
  • Não houve associação entre EAI parentais substanciais e risco de TEPT dos pacientes (aOR = 3,5 [IC 95%, 0,56–21,31]; p = 0,18). 

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Conclusão 

Como mencionado anteriormente, uma internação em UTIP é uma experiência traumática para crianças e seus pais, com desfechos adversos para a saúde mental que vão muito além da hospitalização. Dessa forma, os pesquisadores destacam a importância de se reconhecer o impacto das experiências traumáticas anteriores dos pais e avaliar a sua capacidade de lidar com a doença crítica dos seus filhos. Para a prática clínica, os pesquisadores ressaltam: 

  • Os EAI foram frequentes nesta coorte de pais, e os que tinham maior número de EAI apresentavam maior risco de TEPT; 
  • Um pouco mais da metade das crianças avaliadas apresentavam risco de TEPT e as crianças apresentavam risco aumentado de TEPT se os seus pais tivessem pouca resiliência; 
  • A promoção de um enfrentamento parental positivo pode permitir que as crianças administrem melhor o estresse de sua experiência na UTIP; 
  • EAI e rastreio de resiliência – exemplos de cuidados baseados em traumas na UTIP – podem ajudar a identificar os pais em risco de desfechos psicoemocionais negativos após a doença crítica dos seus filhos e apoiar melhor as famílias como um todo.  

Autoria

Foto de Roberta Esteves Vieira de Castro

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

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