A erupção dentária é frequentemente apontada pelos pais e profissionais de saúde como uma das principais causas de distúrbios no sono infantil. Essa crença tradicional associa a erupção dos dentes a sintomas como irritabilidade, febre, diarreia e, particularmente, dificuldades de sono, sendo uma queixa frequente nos consultórios pediátricos. No entanto, a maioria dos estudos que fundamentam essa associação é baseada em relatos subjetivos e retrospectivos, sujeitos a viés de memória e expectativas prévias.
Neste contexto, para preencher essa lacuna de evidências de forma mais objetiva, um estudo inovador utilizou auto-videossonografia, uma tecnologia baseada em visão computacional, para monitorar de maneira objetiva o padrão de sono de 849 bebês entre 3 e 18 meses, durante o período de erupção dentária, buscando compreender se a dentição realmente altera o sono noturno infantil, com monitoramento contínuo de 4 semanas via câmeras inteligentes instaladas nos berços, fazendo uma comparação dos padrões de sono em noites de dentição versus noites sem dentição, correlacionado com um questionário online preenchido pelos pais sobre sintomas de dentição e estratégias de manejo. De forma objetiva, os resultados foram os seguintes:
- Não houve diferenças estatisticamente significativas entre noites de dentição e noites comuns para:
- Duração total do sono noturno, cerca de 10 horas;
- Número de despertares noturnos, aproximadamente 3,3/noite;
- Número de visitas dos pais ao berço, cerca 1,5.
As análises de pontos de mudança também não identificaram variações abruptas associadas ao surgimento dos dentes.
Veja quais foram os relatos parentais:
- 51,3% dos pais relataram perceber alterações no sono durante a dentição;
- Entre eles, 87,4% mencionaram aumento de despertares noturnos e 55,3% observaram redução na quantidade de sono;
- Estratégias de manejo incluíram uso de analgésicos (56,5%), anestésicos tópicos (13,5%) e métodos não farmacológicos como anéis de dentição gelados (67,6%).
Discussão
Embora os relatos parentais indiquem perturbações, os dados objetivos não corroboram essa percepção. Isso sugere que viéses cognitivos e expectativas culturais podem influenciar as interpretações dos pais sobre o comportamento do bebê durante a dentição. Além disso, a crença incorreta de que a dentição causa problemas de sono pode levar ao uso excessivo de medicamentos, expondo os bebês a riscos desnecessários, como intoxicação ou efeitos adversos de analgésicos.
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Conclusão
Trazendo mais objetividade no manejo da dentição em crianças, o estudo concluiu que a erupção dentária não provoca alterações objetivas no sono noturno dos bebês. Este achado desafia um dos mitos mais difundidos na prática pediátrica, trazendo uma evidência para sustentar as orientações às famílias. Sendo assim, profissionais de saúde devem orientar os pais com base em evidências atualizadas, evitando tratamentos desnecessários e buscando outras causas para problemas persistentes de sono infantil. Paralelo a isso, é importante compreender e acolher as preocupações parentais de maneira empática e educativa, promovendo práticas mais seguras e adequadas para o bem-estar do bebê.
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