IACAPAP 2024: Guideline para avaliação de ansiedade em crianças e adolescentes
No último dia do IACAPAP 2024, a palestra “Evidence based Guidelines for Child and Adolescent Anxiety disorders” foi apresentada pelo professor David Coghill (Chefe da Cadeira de Saúde Mental do Desenvolvimento, Universidade de Melbourne, Austrália). O palestrante enfatizou que a ansiedade é uma parte normal do desenvolvimento infantil, mas algumas crianças a experienciam de forma intensa e frequente, afetando sua vida diária. Quando esses sentimentos persistem, são desproporcionais ou levam a criança a evitar as situações do cotidiano, estamos diante de um transtorno de ansiedade.
Em 2015, uma pesquisa intitulada “Young Minds Matter” indicou que aproximadamente 7% das crianças e adolescentes australianos têm transtorno de ansiedade diagnosticável. Todavia, a pandemia de covid-19 provavelmente aumentou essas taxas devido ao seu impacto negativo na saúde mental global.
Em sua explicação, o professor Coghill mencionou a versão mais atual do guideline australiano “Evidence-based Clinical Practice Guideline for Anxiety in Children and Young People 2023” (que contou com sua coordenação) e salientou as etapas de desenvolvimento desta publicação baseada em evidências.
Recomendações do palestrante de acordo com o atual guideline:
Triagem e diagnóstico
- Considere a triagem de ansiedade em crianças/jovens com:
- Fatores/condições de alto risco presentes (por exemplo, condições médicas crônicas ou de neurodesenvolvimento, dificuldades escolares ou sociais, histórico de trauma, outras condições de saúde mental);
- Sinais de transtorno de ansiedade.
O instrumento indicado é o SCARED (Screen for Child Anxiety Related Disorders), usado somente pelos pais quando a criança têm de 3 a 7 anos. De 8 a 18 anos, a escala é aplicada aos pais e à criança ou ao adolescente.
- Confirmação diagnóstica: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e/ou Classificação Internacional de Doenças (CID-11).
Tratamento não farmacológico
- Terapia psicológica:
- Considerar necessidades individuais da criança, incluindo: idade ou nível de desenvolvimento; capacidade de participar de terapia ou desejo de interagir com o terapeuta; disponibilidade de terapias e modalidades; cuidadores mantendo inadvertidamente a ansiedade; fatores ambientais que contribuem para a ansiedade;
- Escolha a terapia apropriada: A terapia cognitivo comportamental (TCC) geralmente deve ser oferecida como primeira escolha e ministrada por meio de um programa baseado em evidências. Existem muitas modalidades de TCC que podem ser oferecidas de acordo com a adequação e disponibilidade;
- Abordagens baseadas em brincadeiras usando conceitos de TCC podem ser consideradas se a criança tiver oito anos de idade ou menos e com dificuldades para se envolver com a TCC (por exemplo, neurodivergência, deficiência intelectual);
- A terapia de aceitação e compromisso pode ser considerada se o jovem tiver 12 anos de idade ou mais e se ele estiver vivendo com uma condição crônica de saúde.
- A psicoeducação deve continuar durante todo o tratamento e manejo.
Tratamento farmacológico
- Antes de iniciar qualquer medicamento:
- Avaliar a história, uso de outros medicamentos, comorbidades etc.;
- Discutir potenciais efeitos adversos;
- Obter consentimento informado.
- Escolha o medicamento:
- Primeiramente, oferecer inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), inclusive se houver comorbidade com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)/transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH);
- Para reduzir o risco de efeitos adversos relacionados com a abstinência súbita, considere ISRS com meias-vidas mais longas. Para crianças e jovens, a fluoxetina seria o melhor exemplo.
- Considerações sobre dosagens:
- A dose deve ser apropriada para a idade. Começar sempre com a menor dose, aumentando-a lentamente;
- Titular gradualmente a dosagem.
- Se uma mudança de medicamento for considerada:
- Mude para outro ISRS como primeira escolha;
- Considerar inibidores seletivos de recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) se o ISRS não for tolerado/resposta inadequada, considerando a segurança etc.;
- Descontinuação do medicamento:
- Sabe-se que os ISRS apresentam sintomas de descontinuação. Para minimizar, estes devem ser reduzidos gradualmente e, depois, descontinuados.
Observação
O psiquiatra brasileiro Giovanni Salum (Porto Alegre/RS) participou da mesma sessão plenária e mostrou conceitos muito interessantes. De acordo com o Dr. Salum, há uma crença crescente de que a nosologia da psiquiatria tradicional (DSM-5, CID-11) pode ter atingido os seus limites em termos de utilidade. O palestrante destacou a chamada “perspectiva transdiagnóstica”, que se refere a abordagens ou práticas que atravessam os diagnósticos categóricos existentes e vão além deles para produzir um melhor conjunto de critérios de informação para decisões clínicas (Fusar-Poli e colaboradores, 2019):
- Research Domain Criteria (RDoC): busca transformar a abordagem dos transtornos mentais ao focar em dimensões fundamentais de funcionamento humano através de múltiplos níveis de análise, visando diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes);
- Hierarchical Taxonomy of Psychopathology (HiTOP): abordagem dimensional e hierárquica para classificar transtornos mentais;
- Network: os transtornos mentais resultam de interações diretas entre os sintomas (Borsboom, 2017);
- Staging: classifica os transtornos mentais em diferentes estágios de gravidade e de progressão.
Confira os destaques do IACAPAP 2024!
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